domingo, 13 de janeiro de 2013

A moral udenista

A moral udenista pensa que o mundo é imóvel. Tenta congelar as relações e repetir o que se fazia desde sempre por uma questão de comodidade. Não quer mudar porque isso quer dizer se acostumar com outras formas de relação. Talvez - só talvez - perder privilégio.

A moral udenista não precisa ser necessariamente udenista. Já esteve fantasiada de marcha da família com Deus pela liberdade. E contra o comunismo. Ou do movimento pela tradição, família e propriedade. Às vezes, se resume a palavras de ordem, como "basta". Outras, é incorporada em personalidades públicas que dizem ter medo de determinados políticos. Ou que vão fugir do país, caso os determinados políticos vençam os seus democráticos pleitos. Em comum, um pensamento conservador, na mais famosa acepção da palavra, a de conservar, de ser reacionário.

A moral udenista já existia antes mesmo da UDN existir. Talvez tenha abrandado com o tempo, mas é possível enxergar semelhanças com certos homens vestindo verde e se cumprimentando com o braço esticado à frente e bradando uma palavra indígena. Ou antes mesmo, quando havia, mesmo no fim do século XIX, gente contra o fim da escravidão. Ou antes, quando um certo rei disse para o seu filho fazer a independência antes que algum louco a fizesse.

Carlos Lacerda era mó gente boa
A moral udenista tem esse nome porque, imagino, foi com a UDN que ela teve mais em voga. Culpa de Carlos Lacerda, o homem moral por excelência. Respeitador das ordens preestabelecidas. Anticomunista, defensor da família, de Deus, e de todos ícones que se repetem sempre. Que foi o grande crítico, pelo lado conservador, dos presidentes brasileiros. De Getúlio, passando por JK, a Jango. Que sempre almejou ser presidente do país. Principalmente após o golpe de 1964. Aí, foi surpreendido.

A moral udenista não é de extrema-direita. Ela é o que em outros tempos se chamava direita. É o partido conservador na Inglaterra. O republicano, nos EUA - nunca o Tea Party. São os partidos cristãos, em outros países. No Brasil, pátria dos inúmeros partidos, não é apenas um partido. São todos e nenhum em específico. Nenhum representa essa ideia claramente, ou melhor, nenhum que representa essa ideia claramente tem a repercussão que, aparentemente, ela deveria ter.

A moral udenista é contra a legalização. Do aborto, das drogas, do casamento entre pessoas do mesmo sexo. Quer manter isso à parte, distante, longe da oficialidade. Mesmo que aconteça sempre, mesmo que as pessoas abortem, usem drogas, amem pessoas que por uma questão de coincidência nasceram com as mesmas disponibilidade morfológica. Não quer dizer que eles não enxerguem esses "problemas", mas acham que com a decisão de marginalizá-los, ou torná-los criminosos, vão acabar. Ou não precisarão enxergá-los.

A moral udenista é a criadora da frase "eles que se matem". A maior incentivadora do ideal da "farinha pouca, meu pirão primeiro". Acredita piamente que "pau que nasce torto nunca se endireita". Gostam de "tapar o sol com a peneira". E querem mudar, desde que permaneça a mesma coisa*.

A moral udenista diz que no Brasil só se prende ladrão de galinha, mas é íntima do vereador que arruma uma falsificação para dar desconto no IPTU atrasado. Reclama da corrupção, mas passa pelo acostamento, porque está com pressa. É amiga do peito do empresário supergente-boa que maltrata os funcionários. Acha que a lei só funciona para os outros. Aqueles que não são iguais a ela.

A moral udenista ergue um muro para manter uma distância da realidade, como se vivesse num mundo isolado, ideal, paradisíaco, edênico. E lá fora, fora da família, de seu Deus, estivesse o torto, o errado, o esquerdo, aquele-que-não-se-diz-o-nome. Tem pavor do caos. Quer organizar por completo o mundo. Limpar totalmente a sujeira das ruas. Embelezar aquilo que não é espelho. Criar um padrão que se propõe fixo. Como se isso fosse possível.

A moral udenista acredita na democracia, desde que a democracia lhe mostre aquilo que ela quer ver. Se for diferente, brada que aquilo não é a "verdadeira" democracia. Como se houvesse uma "verdadeira" e uma "falsa" democracia. Como se houvesse uma democracia "pura" e outra "contaminada". Como se houvesse a "perfeição", e a "realidade".

A moral udenista adora o Brasil, desde que o Brasil seja aquilo que ela deseja. Se não, prefere Paris, no outono. Nova York, para as compras. Orlando, para levar as crianças. Réveillon em Copacabana? Só se for em uma cobertura. Em uma festa privé [antes falava francês, agora inglês, com sotaque americano]. Sem se misturar, claro. A moral udenista adora se sentir exclusiva. Ser tratada como vip. Ir a camarotes. Conhecer pessoas importantes. Sonhar um sonho de princesa encantada.

A única coisa que a moral udenista é vanguarda é no atraso.

* Descubro, dias após publicar esse texto, que a frase original é "Se vogliamo che tutto rimanga come è, bisogna che tutto cambi", do "Il gattopardo", do Lampedusa, que, numa tradução livre quer dizer: se queremos que tudo permaneça como está, é necessário que tudo mude.

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