"Ah o amor. L’amour, l’amore, el amor, love, liebe, αγάπη, حب, maitasuna, каханне, любовь, عشق, 熱愛,
tình yêu, אהבה, aşk, ást. Várias palavras em várias línguas para
designar sentimentos parecidos que nem sempre são iguais – mas são traduzidos com
o mesmo símbolo: “amor”. Já disseram que não há sinônimos perfeitos. Quem seria
euzinha, portanto, para dizer que haveria palavras com correspondentes exatamente
iguais em diferentes línguas e culturas? Tô
fora.
Ah, consciência... Me
deixa porque esse negócio de coragem é coisa de gente romântica."
No Ocidente, no que chamamos de Ocidente – essa área
estranha que não respeita necessariamente a geografia, que tem a ver mais com
política que com localização –, dizia, no Ocidente, há uma valorização desse
sentimento, do amor, que eu não entendo a razão. Ou melhor, entendo, mas não compreendo.
Ou melhor, compreendo, mas não gosto do que vejo. E isso ocorre desde o século
XIX, suspeito. Por ocasião – levanto essa hipótese – da decadência da igreja
como a reguladora do mundo. Um ícone substituiu o outro. Você sabe, as pessoas
precisam saber claramente o que devem fazer na vida, para que servem, precisam
receber suas obrigações e maneira precisa, de preferência em um livro, para
poder retornar, caso tenham dúvidas, precisam se prender a alguma ideal –
ideologia? – se não se sentem perdidas, desesperadas, cabisbaixas. Essas coisas.
Hoje, quando os horizontes estão cada vez mais esmaecidos, vemos o resultado de
uma grande desilusão generalizada. Dizem – não tenho como afirmar se é verdade –
que essa desilusão é a causa de doenças como a depressão. Pode ser.
A verdade é que a literatura tem uma grande parcela de
responsabilidade nisso, nesse comportamento generalizado, nesse meio de viver,
de encarar o mundo de maneira “romântica”. Há um grande culpado, que estava na
hora errada no lugar errado, contando as histórias mais açucaradas e sentimentais
possíveis: A literatura do século XIX – não por acaso “romântica”. Nessa
literatura, vale a pena morrer pela mulher amada. Nessa literatura, a moça
espera virgem o homem voltar da guerra. Nessa literatura, o fim é o momento em
que eles viveram felizes para sempre [sempre imaginei que isso era uma grande
sacada da edição: ao interromper no auge da felicidade, não vemos as oscilações
de um relacionamento normal]. É claro que eles também pregavam a luta por uma
causa nobre, o engajamento nas guerras justas, a defesa dos mais necessitados. Mas
o que mais marcou foi a relação homem-mulher, e o viveram felizes para a
sempre. O conto-de-fadas. Vide as novelas que até hoje terminam com cerimônias
de casamento.
Antes, era pior, mas as pessoas ainda não liam. Só com o
romantismo, que veio apenas com o fim do Antigo Regime, portanto após a
Revolução Francesa, que se proporcionou a possibilidade de qualquer um [quase
qualquer um] ter acesso à leitura, à escola, ao conhecimento, só aí que o
problema se democratizou. A praga se alastrou em toda a sociedade.
Hoje, isso me dá enjoo. E me surpreende que não dê enjoo em
todas as pessoas, após anos repetindo a mesma ladainha. O “amor” se tornou a
resposta para todas as perguntas. Por que devemos trabalhar? Para ter dinheiro
para podermos encontrar a mulher perfeita. Por que devemos estudar? Para poder
arranjar uma emprego bom, que nos dê dinheiro para podemos encontrar a mulher
perfeita. E, para as mulheres, o papel era ainda mais passivo e simplista. Por
que devemos existir? Ora, para casar. E se não casar? “The horror, the horror.”
O amor, na vida real, apesar do discurso, se resumia ao ato de se casar. E continua
sendo assim para muita gente. A busca pela pessoa amada, pelo par perfeito,
pelo companheiro idealizado. Do príncipe encantado. Vocês sabem o que eu estou
dizendo.
Tenho um certo pudor em escrever cenas sobre isso. Uma
vergonha, mesmo. Como abordar um assunto que já foi massacrado, de todas as
maneiras, ao longo de séculos? Como entrar nesse terreno rosa-bebê- vestido-de-noiva,
sem cair numa cena kitsch? Como não ser brega? Tenho uma certa inveja do que o
Saramago fez em “Memorial do convento”, juntando Blimunda – aliás, ótimo
personagem – e Baltasar em poucas linhas, sem qualquer sentimentalismo
excessivo.
Evitei, consegui
evitar até agora o assunto. É só reparar no que foi escrito. Nenhuma cena de...
[calma, calma, respira, respira] amor. Até a própria palavra “amor” perdeu o
seu significado, não concordam? Se antes era algo imponente, profundo, agora é
batido, simples, comum, banal. Parece um chiclete que, de tanto mastigado, foi
ficando sem gosto, sem gosto, sem gosto, até que hoje não é mais que uma
borracha colorida, que algumas pessoas insistem em mastigar por um simples
cacoete, por um hábito que não conseguem largar.
Evitei até me ver numa situação... Como não falar sobre as
primeiras paixões de um garoto de 15, 16 anos? Como não mostrar como esse menino
dá importância para as descobertas amorosas?
[Acaba de me ocorrer que há um problema de amarudescimento
entre as pessoas que ainda se mantém românticas, hoje em dia. Elas continuam
adolescentes no âmbito dos relacionamentos sexuais.]
E, antes que falem qualquer coisa: não, não sou uma
encalhada mal amada. Apenas acho que esse assunto ocupa um espaço
superdimensionado na sociedade. Vejo como ele tem diminuído nos últimos tempos –
principalmente no quesito que separa o amor do sexo [ainda bem!], mas ainda
continua com um tamanho fora de suas proporções.
Se eu pudesse escolher, simplesmente não abordaria esse
assunto. “Seria uma covardia” – a minha consciência repete no meu ouvido. “Os
problemas – as dificuldades – devem ser encarados de frente”, ela diz. “Estufe
o peito e empine a bunda e siga adiante.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário