quarta-feira, 16 de novembro de 2011

Roda

"É isso, então. A partir de agora, esse é o meu trabalho, é o meu foco, é onde eu mais vou depositar forças. Esses livros, esse esforço, isso. Essas setenta e poucas páginas que eu vinha rascunhando até agora despreocupadamente, sem qualquer pretensão além de passar o tempo, de criar algo que não fosse melancólico. Isso. É onde eu passarei mais tempo. Onde eu vou pensar quando estiver em outros lugares, o que eu vou acordar para fazer.  Vou me esforçar para fazer os melhores livros que eu puder. E vou me considerar uma escritora – não sei se boa, ou ruim, isso depende de como vou ser avaliada. Se as pessoas todas podem escrever, todas poderiam ser escritoras, assim como todo mundo que sabe matemática poderia entrar numa faculdade e ser engenheiro. Claro que estou generalizando, aproximando situações aparentemente distantes demais. Escritor não precisa passar por qualquer faculdade, estudar qualquer coisa, para ser. Apenas precisa escrever. E por que as demais pessoas não escrevem? Porque não querem. Porque ninguém produz conteúdo. Hoje, só se compartilha, se passa. Ninguém absorve, apenas é uma corrente, um impulso para que a roda que não pode parar continue a girar. A roda que esmaga quem não corre mais rápido que ela. A roda que vem atrás perseguindo. E quanto mais rápido se corre, mais rápido ela gira, e mais rápido ela se aproxima e aí você tem que correr mais rápido. É cada vez mais assim. Eu quero sair da roda, quero ficar ao lado, deixá-la passar. E se perdê-la de vista, dar de ombros. Não me importo com ela. Ela é o cão correndo atrás do rabo: nunca se chegará a nada. É a certeza de que, sem ela, a vida fica sem sentido para o mundo, perigosamente sem sentido. Corre-se porque não há outra alternativa, porque “sim”, porque não sabe o que seria se parasse, porque tem-se medo, porque a causa vira consequência, porque se parar, é amassado, fica para trás. Porque se parar, perde-se o emprego, fica-se isolada, perdida. São os fantasmas que rondam a roda. Eu quero sair, sentir o meu pulso, conhecer a minha velocidade, sem ter nada imposto de fora para dentro. Quero aproveitar a minha vida do meu jeito, sem nada nem ninguém dizendo o que eu devo estudar ou ler, ou no que devo trabalhar."

2 comentários:

Julia Moreira disse...

bacana. o que/quem é?
e não sinto saudade porque saudade é cafona, mas aqui ninguém julga meus hábitos alimentares, então fica fácil demais...

contonocanto disse...

você está na terra onde o fato de comer um brócolis faz você uma pessoa mais estranha que um alien. portanto, não é de me estranhar que as pessoas não te julguem - mas isso não é uma vantagem. :-)

e sobre o trecho: é o meu novo livro. estou a rascunhar.