Em uma das minhas regras autoimpostas está escrito que não posso desconsiderar qualquer fonte de informação, mesmo que o passado recente da dita-cuja seja completamente desprezível. Foi por isso que eu encarei a matéria de capa da "Veja", dessa semana, sobre a leitura e a escrita na era digital. É uma reportagem deveras interessante - mesmo, sem ironia - principalmente porque, acredito, o assunto é ainda muito novo [ainda] para se ter posições ideológicas pré-definidas.
Como todo texto da "Veja", o texto faz previsões para o nosso futuro um pouco catastróficas. Assegura que a nossa transformação, do papel para o digital, é a mais impactante dos últimos 2,5 mil anos e diz que isso pode ter reflexos na maneira como nossos neurônios se organizam. Como uma empresa que é prioritariamente de papel, e intrinsecamente conservadora [no sentido mais estrito da palavra], parece temer essa mudança. De toda forma, é realmente válida a leitura da reportagem.
Todavia, como confirmando a expectativa que se tem antes de abrir uma revista dessas, logo na primeira frase, há uma daquelas frases lapidares que arrepiam os pelos da nuca de desgosto até do menos atento. A primeira linha, aquela que deveria convidar o autor para dentro do texto, atesta: "Sócrates, o homem mais sábio de todos os tempos, estava enganado". Oi? Homem mais sábio de todos os tempos? Como assim? Não era para essa frase ser a mais convidativa? Deve ser de propósito, claro. Criar uma polêmica de cara, que nem é a intenção da reportagem, passar adiante uma verdade estabelecida - por eles - e nem dar bola. Claro que o resto da matéria vai tentar explicar o motivo pelo qual seu Sócrates estava enganado. Mas nenhuma linha tenta abordar o motivo de sua eleição para o posto do homem mais sábio. Curioso. Fiquei imaginando que a revista deveria receber uma carta nos seguintes termos:
"Querida dona 'Veja',
Nem sempre leio as suas reportagens porque acredito que a senhora exagera em suas afirmações, principalmente as de cunho político. Acredito que, muitas vezes, há uma perseguição a personagens específicos. Mesmo que acredite num mundo ideal, eu prefiro ouvir outras opiniões. Acredito no diálogo com outras pessoas, até mesmo com opiniões contrárias às minhas, para que a verdade apareça sozinha.
Fui fisgado, porém, pela reportagem de sua última capa, que aborda um tema de meu interesse específico, mesmo que esteja um pouco pessimista em relação às artes em geral. Fiquei intrigado, entretanto, pela afirmação categórica que a senhora sustenta logo no início do texto. Sócrates - logo ele - é o homem mais sábio de todos os tempos. Não é que não concorde, muito o admiro, é praticamente um ídolo para mim. Mas gostaria de saber quais foram os critérios utilizados para tal afirmação. Digamos, é uma curiosidade profissional.
Desde já grato pela sua atenção, e contando com a sua compreensão,
Platão.
ps. Admito que Sócrates era um tanto preguiçoso. Sem querer concordar com o tom da revista, mas já concordando, tenho que dizer: ele nunca escreveu nada!"
Como todo texto da "Veja", o texto faz previsões para o nosso futuro um pouco catastróficas. Assegura que a nossa transformação, do papel para o digital, é a mais impactante dos últimos 2,5 mil anos e diz que isso pode ter reflexos na maneira como nossos neurônios se organizam. Como uma empresa que é prioritariamente de papel, e intrinsecamente conservadora [no sentido mais estrito da palavra], parece temer essa mudança. De toda forma, é realmente válida a leitura da reportagem.
Todavia, como confirmando a expectativa que se tem antes de abrir uma revista dessas, logo na primeira frase, há uma daquelas frases lapidares que arrepiam os pelos da nuca de desgosto até do menos atento. A primeira linha, aquela que deveria convidar o autor para dentro do texto, atesta: "Sócrates, o homem mais sábio de todos os tempos, estava enganado". Oi? Homem mais sábio de todos os tempos? Como assim? Não era para essa frase ser a mais convidativa? Deve ser de propósito, claro. Criar uma polêmica de cara, que nem é a intenção da reportagem, passar adiante uma verdade estabelecida - por eles - e nem dar bola. Claro que o resto da matéria vai tentar explicar o motivo pelo qual seu Sócrates estava enganado. Mas nenhuma linha tenta abordar o motivo de sua eleição para o posto do homem mais sábio. Curioso. Fiquei imaginando que a revista deveria receber uma carta nos seguintes termos:
"Querida dona 'Veja',
Nem sempre leio as suas reportagens porque acredito que a senhora exagera em suas afirmações, principalmente as de cunho político. Acredito que, muitas vezes, há uma perseguição a personagens específicos. Mesmo que acredite num mundo ideal, eu prefiro ouvir outras opiniões. Acredito no diálogo com outras pessoas, até mesmo com opiniões contrárias às minhas, para que a verdade apareça sozinha.
Fui fisgado, porém, pela reportagem de sua última capa, que aborda um tema de meu interesse específico, mesmo que esteja um pouco pessimista em relação às artes em geral. Fiquei intrigado, entretanto, pela afirmação categórica que a senhora sustenta logo no início do texto. Sócrates - logo ele - é o homem mais sábio de todos os tempos. Não é que não concorde, muito o admiro, é praticamente um ídolo para mim. Mas gostaria de saber quais foram os critérios utilizados para tal afirmação. Digamos, é uma curiosidade profissional.
Desde já grato pela sua atenção, e contando com a sua compreensão,
Platão.
ps. Admito que Sócrates era um tanto preguiçoso. Sem querer concordar com o tom da revista, mas já concordando, tenho que dizer: ele nunca escreveu nada!"
Nem todo mundo concorda com a 'Veja'. Rafael, por exemplo, colocou Platão e Aristóteles no centro de sua "Escola de Atenas". Sócrates é o carequinha, com toga meio esverdeada, em discussão, ali do lado esquerdo de quem olha. |
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