terça-feira, 11 de dezembro de 2012

A bossa nova é foda

Talvez tenha sido apenas coincidência. Na mesma semana que iriam morrer Niemeyer e Décio Pignatari, eu ouvi o novo disco do Caetano, "Abraçaço", que começa exatamente com "A bossa nova é foda". Para terminar a semana, vi a exposição fixa do MAM-Rio que usa o famoso acervo de Gilberto Chateubriand para fazer uma impressionante "genealogia do contemporâneo". O que me chamou mais a atenção? A área de "Respirações Geométricas - O legado concreto e neoconcreto na afirmação de uma modernidade singular no Brasil". Não deve ser coincidência.


O segundo momento do Brasil como um país democrático acontece pós-Vargas. Para mim, o período de produção artística e cultural que até hoje norteia bastante de nossa vida. Até hoje, nossos parâmetros estéticos ainda são a Bossa Nova [depois Tropicalismo], o concretismo e o neo-concretismo [poesia, artes plásticas], em suas áreas respectivas. Era, como bem escreve Luiz Camillo Osório, a "afirmação de uma modernidade singular no Brasil", uma tentativa de se fazer uma "modernidade" à brasileira. É, após descobrirmos do que éramos e estávamos sendo feitos, tentar produzir algo inédito, que nos afirmaria como únicos, nos identificaria, e - por consequência, mas não como objetivo inicial - afetaria o mundo inteiro. Foi assim, em menor ou maior grau, com todos esses processos.

O que é curioso nessa seção "geométrica" do MAM-Rio é ver como as produções foram se - na falta de uma palavra melhor - abrasileirando. Como no início elas são muito duras, retas, linhas diretas, e vão se transformando em curvas, molezas, levezas. Ou, para forçar uma barra e usar o exemplo dos mortos da semana, saindo de Pignatari e indo para Niemeyer. Daí, por exemplo, as trocentas frases que se resgataram essa semana em que o arquiteto reforça a sua adoração pelas curvas em detrimento dos ângulos retos.

Se o modernismo foi o tempo histórico em que as representações entraram em crise - pense em todos os movimentos internacionais em que o "realismo" tinha saído de moda, desde o início do século XIX até as vanguardas do XX -, coube a essa geração de 1950-60, então, a tentativa de produzir a nossa - brasileira - primeira arte abstrata, portanto "moderna".

Num primeiro momento, cada um se inspirando em uma fonte diferente, me parece que eles tentam forçar o que na falta de palavra melhor vou chamar de "durezas" exteriores. Depois, "amolecem". Claro que nenhuma das fases é clara, nem os seus "seguidores" - é uma impressão minha e uma imprecisão geral. E é complicado colocar artistas tão versáteis em grupos estáticos. Pegue o exemplo de Volpi, por exemplo, que tenta abrasileirar os seus desenhos geométricos em bandeirinhas. Como se fosse impossível ser exatamente reto no Brasil. Como se o sol, o céu, o sal amolecessem nossas vidas.

No fim de "A bossa nova é foda", Caetano resume o espírito ao cantar: "O velho transformou o mito das raças tristes / Em Minotauros, Junior Cigano, / em José Aldo, Lyoto Machida, / Vítor Belfort, Anderson Silva / e a coisa toda: / a bossa nova é foda". Não é claro, ao menos para mim, quem é o "velho". Tenho duas interpretações. A primeira, por conta do título da música e da idolatria de Caetano, seria João Gilberto. "O mito das raças tristes" me lembrou Lévi-Strauss, mas também e principalmente o complexo de vira-lata, desenvolvido por Nelson Rodrigues, que, por acaso, é até hoje chamado de "velho" pelo seu filho Nelsinho. Esse personagem híbrido, meio Nelson, meio João, que não precisa nem seria bom ser identificado, teria conseguido transformar nossa raça de tristes em guerreiros, orgulhosos de sua força.

Talvez no futuro vejamos esse nosso terceiro momento democrático, que vai de Itamar e FHC até Lula e Dilma [até agora] como um novo renascimento. Com a retomada no cinema, o aparecimento de um tímido, porém constante mercado editorial, de novas formas de produção musical, novos nomes nas artes plásticas, etc. Tudo fruto de uma liberdade maior, de políticas públicas de incentivo, de um crescimento econômico, de uma maior preocupação com a produção artística como elemento identitário, etc. Mas precisamos de, ainda, algumas gerações para poder enxergar bem esse processo. No fim, fico imaginando que não deve ser uma coincidência o fato desses movimentos aparecerem com a democracia.

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