sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

O sempre atual Caetano Veloso

Vou tomar a liberdade de cometer uma frase peremptória: Caetano Veloso é um diapasão de seu - nosso - tempo. Mesmo que acredite que não conseguimos fugir por completo do nosso momento histórico, Caê consegue, melhor que seus pares, representar-refletir o "quando" ele vive. Isso, claro, para o bem e para o mal.

Ele pode, por isso, ser visto ambiguamente. Como sem personalidade ou antenado. Interessado nas novidades ou um sujeito que não quer/não sabe envelhecer. Suas músicas tendem a ficar mais datadas, referentes diretamente a um período específico, que não caem bem em outros tempos. Quando escutamos a introdução, por exemplo, de "Alegria, alegria", e depois o "Caminhando contra o vento / sem medo e sem documento..." já pensamos na década de 1960, na luta contra a ditadura, no nascimento de uma juventude que teve que lutar por liberdade, mesmo sem saber direito o que era isso.


Esse lado que tenta se atualizar pode ser visto no momento em que ele encampa a guitarra elétrica, quando tem entreveros com a ditadura, quando mora em Londres, quando volta e grava "Araçá azul", seu álbum mais experimental, no meio da lisérgica década de 1970, depois nos 1980, quando ele se aproxima de ritmos mais populares da Bahia; já na primeira década de 2000, quando faz álbuns covers, regravando até Nirvana, e, recentemente com a sua trilogia com a banda "Cê".

Não é um reflexo imediato da realidade. É um reflexão. Por exemplo, a trilogia "Cê" nasceu do reaparecimento do rock independente no mundo anglófilo, que teve o seu marco, na minha opinião, com "Is this it?", dos Strokes, logo no iniciozinho do século XXI. Já "Cê", o primeiro álbum do novo Caetano roqueiro só sai em 2006. E novamente houve uma combinação de elogios rasgados e narizes torcidos, de gente que se incomoda muito com a figura do músico.

Caetano sofre da síndrome de atualidade. Acha que é importante dar opinião sobre qualquer assunto que lhe perguntam. Mesmo que ele não saiba muito bem do que fala. Mesmo que a sua opinião não seja muito concreta. Mesmo que ele ainda esteja desenvolvendo um argumento, como uma obra em progresso, ele passa adiante as suas razões ainda com os vergalhões à mostra. Isso, claro, é mal visto por muitos.

Porém, mesmo que Caetano seja um artista que lida muito bem com a palavra, ele se expressa melhor é no formato de música. E deveríamos prestar mais atenção em sua música, que faz as críticas que ele gostaria de expressar de outras formas. É um dado curioso, mas provavelmente sem qualquer sentido, para um homem que tentou, algumas vezes, ser cineasta.

Vejamos o seu nêmesis, para uma comparação. Chico Buarque é um artista que sempre buscou - mesmo que inconscientemente - a canção perfeita, aquela que não se degrada com o tempo, que não fica associada a um ou outro momento. Pense em "A banda", talvez o marco inicial de sua obra. Claro que Chico também é um cronista, e "Cálice" e "Apesar de você" estão aí para mostrar que ele também protestou contra a ditadura. Como disse logo no início, não é possível fugir da sua História. Mas eu o vejo - e é claro que outra pessoa pode vê-lo de outra forma - como alguém que procura fazer músicas atemporais. Daí, talvez, o problema que ele tem enfrentado com os seus últimos discos. Ficam perdidos, soltos. Não reverberam, ninguém se lembra, não fazem sentido claro.

Caetano, não. Nesse seu último disco, ele fala sobre Maringhella, no momento em que uma biografia sobre o líder comunista sai, para revisitar o mito. Fala sobre a violência generalizada no interior do Pará. Revisita e homenageia a bossa nova. Faz um "funk melódico". Brinca com as palavras, delicia-se com neologismos. Canta pagodes românticos. Fala que tudo é "mega, giga, terabom". Isso sem deixar de ser rock, totalmente rock e bem íntimo, mostrar-se praticamente nu. Um Caetano de sempre: um Caetano sempre atual.

Aos 70, ele é provavelmente o atual maior artista brasileiro vivo. Ou melhor, continua sendo. E, como li em outros lugares, agora que a trilogia rocker acabou, nem tente prever o que virá pela frente.

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