"Visto que dentro da moderna metafísica o Ser de o que quer que seja determinou-se como vontade e com isso como auto-vontade, e, mais que isso, auto-vontade é já inerentemtente auto-conhecimento, portanto o que aquilo é, o hypokeimenon, o subiectum, vem à presença no modo de auto-conhecimento."1
Mais um dos trechos em Heidegger dobra e desdobra a língua para tentar dar conta, mostrar exatamente o que ele quer dizer, além de utilizar conceitos que ele cria ou que foram formulados por outros pensadores na tradição filosófica, como hypokeimenon e subiectum. Como ele já tinha feito antes, ele equipara o seu conceito de Ser com o de Vontade, que nasceu com Schopenhauer, mas encontrou seu apogeu de popularidade com Nietzsche, mas não apenas. Ser e Vontade de potência seriam os dois primeiros termos da dupla que compõem a metafísica, os supersensíveis do par, assim como ente e o eterno retorno seriam os dois termos do casal. Mas o que ele explica nesse trecho é que, além de comparar os termos supersensíveis com hypokeimenon e subiectum [algo como "aquilo que subjaz", em grego e latim respectivamente, ou seja, aquele que é, logo o Ser das coisas, dos entes], é que o Ser, e a vontade também, é/são maneiras de se autocompreender, de se desvendar, ter noção do que se é.
Ele sugere, nessa passagem, que ao agirmos impulsionados pela vontade, pelo ser, somos, estamos sendo, mesmo que inconsciente ou não propositalmente, verdadeiros, puros, internos, não-influenciados. A ação que é feita a partir da vontade, do ser, demonstra, dessa forma, e portanto, nosso conhecimento sobre nós mesmos. Porque, se agimos sem a influência externa, só podemos ter como base para essas ações nosso interior. E, para isso, devemos conhecê-lo – antes, ou durante o processo.
O pensador alemão argumenta inclusive que esse "autoconhecimento" se dá pelo processo que Descartes sintetizou no "ego cogito", ou, "eu penso". O que passa pela racionalidade e, por consequência, pelo campo da "representação" do sujeito. Mas a subjetividade desse sujeito [desse sujeito que pensa, representa, forma uma imagem do próprio eu, imagina, no sentido de formar uma imagem, quem ele é, isto é, se conhece] dessa maneira, é a junção, nas palavras de Heidegger de co-agitação [e “cogitatio” - que seria “pensamento” em latim], consciência [no sentido de junção de saber e no sentido de percepção das coisas] e saber [Ge-wissen, sendo "gewissen" alguns, e Wissen igualmente saber]. Em outras palavras, tentando ser mais claro: a subjetividade seria a união de pensamento, consciência, saber.
Além disso, o "pensamento", nesse sentido, não teria diferença para o “saber” e a “consciência”, para Heidegger. Todos seriam sinônimos, ou maneiras de se entender a subjetividade do Ser. Sendo que essa co-agitação, ou seja, essa cogitação, esse pensamento que tem dentro de si a agitação, seria, para Heidegger já o ter-vontade. Ou seja, para o filósofo esse pensamento que é também uma agitação, esse pensamento que balança, que empurra, que desestabiliza, que mexe com o sujeito, com sua forma de encarar o mundo, enfim, com a sua subjetividade. Vontade, portanto, seria nada mais nada menos que a a essência dessa subjetividade. Donde se pode sugerir que, entre as suas várias possibilidades, a metafísica na sua versão moderna é a metafísica da subjetividade.
Nasce daí, inclusive, o seu problema.
1Heidegger,
1977 / 88, em tradução livre.
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