O tradutor
para o inglês dessa versão de “Nietzsches Wort ‘Gott ist tot’” que eu estou usando,
professor William Lovitt [1881-1972], chama o famoso termo
nietzschiano Übermensch de "overman", ou seja, ao
invés da tradução para o português de super-homem, ele usa
além-do-homem. Faz mais sentido. Considera ele que na interpretação
de Heidegger, esse “homem” [fosse “super” ou “além-do”]
não seria apenas um personagem, um sujeito, mas o homem, como
instituição, como segmento, série, que nasce com a morte do
Deus. Alguém, ou algo que vem após o fim de uma era, ou a
suplantação de um ideal. Um além-do-homem, enfim,
porque essa espécie chega com a partida do homem. O
além-do-homem, visto assim, seria a categoria em que se encontram
todos os homens-indivíduos que praticam a vontade de potência, que
agora, após a morte de deus, e dos deuses, impulsiona o homem. Em seguida, no texto, há esse trecho:
"O
homem-até-aqui considerou que modo do Ser-do-que-é apareceu até
então? O homem-até-aqui se assegurou que sua essência tenha a
maturidade e a força para corresponder ao chamado do Ser? Ou o
homem-até-aqui simplesmente se deu bem com a ajuda dos expedientes e
desvios que o direcionaram para longe sempre novamente da experiência
do-que-é? […] O homem-até-aqui gostaria de permanecer homem até
aqui [...] Homem-até-aqui não está, em sua essência, nada
preparado para o Ser."1
Heidegger
cria uma expressão, e a usa bastante a partir de agora, que é
traduzida para o inglês como “man hitherto”, o "homem-até-aqui",
para deixar claro que houve, na sua opinião, uma modificação a
partir de "aqui" – a saber, a partir da morte de deus.
Nesse sentido o homem-até-aqui seria a oposição do além-do-homem,
isto é, o homem ainda sobre a influência de uma moral exterior. O
homem-até-aqui não experimentou, não pôde ter experienciado, a
vontade de potência como a sua principal característica, porque
ainda está preso aos ícones anteriores que o anulam, determinando
seus limites, de fora para dentro.
Segundo
Heidegger, dentro uma cadeia de importantes auto-conquistas, é a lei
estabelecida no Ser, que está fazendo o homem ficar maduro o
suficiente para saber, para encarar o que é pertencer ao Ser. E essa
lei é, nada mais, nada menos, que a vontade de potência, que é
pessoal, interior, única, e cuja essência está se mostrando como
vontade. Para Heidegger, esse comportamento, a caracterização do
homem como “além-do-homem”, cuja marca principal é respeitar
sua vontade de potência, e não ficar sob o comando do deus, marca
um período: a última época da metafísica.
O fim da
fé cristã resulta na mudança do comportamento do homem. Agora,
desde que ele não tenha substituído a fé cristã por nenhuma outra fé aprisionadora, sua vontade é a vontade de potência. Que determina e
condiciona a essência do homem. A norma perdeu seu poder de efetiva
ação via propostas incondicionais e imediatas, onipresente e infalível. Esse mundo suprassensível, baseado nesses elementos
exteriores que não se importam com as vontades de cada um dos
homens, não mais apoia a vida. Esse mundo se tornou sem vida. Daí o
termo usado "Deus está morto".
1Heidegger,
1977 / 97, em tradução livre
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