Nietzsche aborda o conceito de justiça apenas em 1884 quando diz que o termo é uma das “mais altas representações da vida em si mesma". Mas é claro que o conceito não é interpretado por ele da mesma forma como o é comumente. Para Nietzsche, justiça é encarada “como a função de um poder tendo uma ampla gama de visão, que vê além da estreita perspectiva de bom e mau, assim tem um horizonte mais largo de interesse - o objetivo de preservar Alguma-coisa que é mais que esta ou aquela pessoa em particular"1.
Assim, não tem a ver com uma moralidade, ou com conceitos que estamos acostumados pela tradição a associar. Está, para usar um termo caro a Nietzsche, além do bem e do mal. É claro: não tem a ver com “esta ou aquela pessoa em particular”, mas com “Alguma-coisa”, com a ideia de preservação, de manutenção dessa “Alguma-coisa”, que é claro que é especial, única, digna de ser mantida, apesar, ou com o risco que isso pode [no sentido de ser capaz de] trazer para um ou outro indivíduo. A justiça, dessa forma, é uma força que aumenta as possibilidades de pensamento – exatamente como faz a "vontade de potência".
Heidegger interpreta as passagens de Nietzsche dizendo que a "justiça é a verdade do que quer que seja, a verdade determinada pelo SER ele mesmo". Ou seja, a justiça se torna uma espécie de justificativa, de explicação, de item correlato à Vontade de potência. É mais que importante, é necessário, indispensável agir de acordo com a sua vontade, interna, ou, segundo a expressão de Heidegger, de acordo como Ser, quando se pode - ou seja, quando a potência é interpretada no sentido de “poder”, e, “poder”, no sentido de ser apto, capaz, permitido, autorizado a fazer algo. Como se dissesse que, quando se pode fazer algo que se sabe capaz, e que se tem vontade, é justo fazê-lo. Ou melhor dizendo: é uma questão de justiça fazê-lo [e, por consequência, de injustiça não fazê-lo].
É claro que saber quando se pode ou não seguir apenas a própria vontade não é um ato exatamente simples a todos os momentos. Poder, nesse caso, é ser livre para agir de acordo com as suas próprias convicções. Seguir sua própria vontade, sem precisar dar qualquer tipo de satisfação. Mas há casos em que esses limites são bastante tênues e discutíveis. Onde termina o seu poder [ou, para usar uma expressão do senso comum, sua liberdade] e começa o do outro? Essas fronteiras não são bem sinalizadas e, assim, são extremamente controversas. É importante, inclusive, testar sempre esses limites, não pelo simples fato de apenas tentar alargá-los, mas para por em prática, em ação, as vontades. Como resultado é capaz de se perceber que os limites que se pensava como fixamente estabelecidos nem existem na realidade, fora da própria cabeça. E se os limites existirem, saber que será mais fácil aguentar as suas consequências, por ter colocado em prática suas vontades, tendo feito, seguindo o raciocínio de Nietzsche, a Justiça.
Além disso, se os limites entre o que é o seu poder, onde fica a sua própria jurisdição, são difíceis de se enxergar a olho nu em diversos casos, há outros exemplos em que simplesmente carregamos os conceitos herdados de um ou outro dos deuses e nem percebemos. Ideias como o próprio deus-religião, mas também o deus-justiça [obviamente não o nietzschiano], e até o deus-ciência, por exemplo, nos marcaram ao longo da tradição, do percurso do tempo, de uma maneira que nem sempre percebemos. Mas esses conceitos carregam moralidades, carregam limites antigos baseados muitas vezes em superstições que, se nunca realmente foram importantes para o bem da sociedade, hoje parecem, além de completamente inúteis, anacrônicos. É mais um motivo para sempre se tentar colocar em prática a vontade. Esses limites que se apresentam como sólidos mantenedores da tradição, e que levamos dentro de nós por pura inércia, sem nunca realmente considerarmos suas validades, são, podem ser, fracos, furados, permeáveis. Podem estar a espera de alguém, de uma vontade potente o suficiente [como todas são], para se abrir, para se modificar o patamar, para alargar os limites próprios.
Com o fim do maior conceito moral, dos valores exteriores, da baliza que nos mediria sem que nós quiséssemos, dos parâmetros externos impostos, dos conceitos que dizem o que é certo e errado a priori, podemos agir de acordo com as nossas vontades, desde que possamos fazer isso. Colocando de outra forma: não agir de acordo com as nossas vontades, sempre que pudermos agir de acordo com ela, seria agir de maneira injusta. Resumindo: com a morte de Deus o homem está livre para agir de acordo com a sua "vontade de potência".
1Conforme Heidegger, 1977 / 91-92, em tradução livre.
Assim, não tem a ver com uma moralidade, ou com conceitos que estamos acostumados pela tradição a associar. Está, para usar um termo caro a Nietzsche, além do bem e do mal. É claro: não tem a ver com “esta ou aquela pessoa em particular”, mas com “Alguma-coisa”, com a ideia de preservação, de manutenção dessa “Alguma-coisa”, que é claro que é especial, única, digna de ser mantida, apesar, ou com o risco que isso pode [no sentido de ser capaz de] trazer para um ou outro indivíduo. A justiça, dessa forma, é uma força que aumenta as possibilidades de pensamento – exatamente como faz a "vontade de potência".
Heidegger interpreta as passagens de Nietzsche dizendo que a "justiça é a verdade do que quer que seja, a verdade determinada pelo SER ele mesmo". Ou seja, a justiça se torna uma espécie de justificativa, de explicação, de item correlato à Vontade de potência. É mais que importante, é necessário, indispensável agir de acordo com a sua vontade, interna, ou, segundo a expressão de Heidegger, de acordo como Ser, quando se pode - ou seja, quando a potência é interpretada no sentido de “poder”, e, “poder”, no sentido de ser apto, capaz, permitido, autorizado a fazer algo. Como se dissesse que, quando se pode fazer algo que se sabe capaz, e que se tem vontade, é justo fazê-lo. Ou melhor dizendo: é uma questão de justiça fazê-lo [e, por consequência, de injustiça não fazê-lo].
É claro que saber quando se pode ou não seguir apenas a própria vontade não é um ato exatamente simples a todos os momentos. Poder, nesse caso, é ser livre para agir de acordo com as suas próprias convicções. Seguir sua própria vontade, sem precisar dar qualquer tipo de satisfação. Mas há casos em que esses limites são bastante tênues e discutíveis. Onde termina o seu poder [ou, para usar uma expressão do senso comum, sua liberdade] e começa o do outro? Essas fronteiras não são bem sinalizadas e, assim, são extremamente controversas. É importante, inclusive, testar sempre esses limites, não pelo simples fato de apenas tentar alargá-los, mas para por em prática, em ação, as vontades. Como resultado é capaz de se perceber que os limites que se pensava como fixamente estabelecidos nem existem na realidade, fora da própria cabeça. E se os limites existirem, saber que será mais fácil aguentar as suas consequências, por ter colocado em prática suas vontades, tendo feito, seguindo o raciocínio de Nietzsche, a Justiça.
Além disso, se os limites entre o que é o seu poder, onde fica a sua própria jurisdição, são difíceis de se enxergar a olho nu em diversos casos, há outros exemplos em que simplesmente carregamos os conceitos herdados de um ou outro dos deuses e nem percebemos. Ideias como o próprio deus-religião, mas também o deus-justiça [obviamente não o nietzschiano], e até o deus-ciência, por exemplo, nos marcaram ao longo da tradição, do percurso do tempo, de uma maneira que nem sempre percebemos. Mas esses conceitos carregam moralidades, carregam limites antigos baseados muitas vezes em superstições que, se nunca realmente foram importantes para o bem da sociedade, hoje parecem, além de completamente inúteis, anacrônicos. É mais um motivo para sempre se tentar colocar em prática a vontade. Esses limites que se apresentam como sólidos mantenedores da tradição, e que levamos dentro de nós por pura inércia, sem nunca realmente considerarmos suas validades, são, podem ser, fracos, furados, permeáveis. Podem estar a espera de alguém, de uma vontade potente o suficiente [como todas são], para se abrir, para se modificar o patamar, para alargar os limites próprios.
Com o fim do maior conceito moral, dos valores exteriores, da baliza que nos mediria sem que nós quiséssemos, dos parâmetros externos impostos, dos conceitos que dizem o que é certo e errado a priori, podemos agir de acordo com as nossas vontades, desde que possamos fazer isso. Colocando de outra forma: não agir de acordo com as nossas vontades, sempre que pudermos agir de acordo com ela, seria agir de maneira injusta. Resumindo: com a morte de Deus o homem está livre para agir de acordo com a sua "vontade de potência".
1Conforme Heidegger, 1977 / 91-92, em tradução livre.
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