Hugo Tomlinson, tradutor para o inglês do livro de Deleuze sobre Nietzsche, fala algo razoavelmente surpreendente sobre a recepção do pensador alemão na língua de Shakespeare. Para ele, não há outro idioma em que Nietzsche tenha sido mais mal interpretado.
Principalmente, porque, segundo ele, os dois principais sistemas de pensamento que o alemão combatia eram o racionalismo francês, talvez representado por Descartes, que, também talvez, fosse uma espécie de atualização do "ideal" platônico; e a dialética alemã, que é mais comumente associada a Hegel, mas que na verdade apenas continua de uma forma curiosa a metafórica divisão metafísica da história da filosofia - e de novo estaríamos em Platão.
[Essa divisão leva a pensar que a preocupação metafísica identificada e combatia por Nietzsche, e restaurada por Heidegger, era um foco de estudos alemães. Ou melhor: foi reconhecido como um problema por Nietzsche e então se transformou em uma forma de pensar a trajetória de pensamento - fazendo referência a Aristóteles, claro.]
"Os ingleses tinham às suas disposições teóricas o empirismo e o pragmatismo que significava que o desvio sugerido por Nietzsche não era de grande valor para eles", escreve Tomlinson, falando que a academia não se reconhecia naquilo que o alemão do bigode combatia. Eram questões que, para os adoradores de ales, não faziam muito sentido. "Na Inglaterra, portanto, Nietzsche foi somente uma influência para novelistas, poetas e dramaturgos: foi uma influência prática, emocional, mais que uma influência filosófica, lírica mais que teórica."
O que é curioso e corrobora uma opinião de Antonio Cícero, que além de poeta e letrista, é formado em filosofia, por uma universidade inglesa, exatamente em lógica. Cícero não vê Nietzsche como um filósofo, porque aí ele deveria ter encarado a academia e as suas regras, criado um sistema próprio e sobrevivido - como se sabe, ele não fez nada disso, falhando, inclusive na última parte da equação. Não que os súditos da rainha desmereçam sua importância, mas o colocam numa posição quase inócua de "pensador", como se fosse um franco-atirador, que até acertou alguns alvos, mas que não deve ser enterrado no mesmo panteão que outros filósofos "de verdade".
Por isso tudo, não deve ser uma surpresa o crescimento da lógica da filosofia da linguagem exatamente na Inglaterra, e a cientificação quase positivista, quase binarização do conhecimento capitaneada pelos países de língua inglesa. Um pragmatismo que não aceita muito retruque. E que é visto por Heidegger, pelo que eu entendi, como o motor que afunda a civilização na ideia tecno-científica.
O que nos preocupa, a nós, identificados na história da literatura de maneira bem inteligente por Antônio Candido, como uma espécie de filhos de portugueses e netos de franceses, é que agora, agorinha mesmo, queremos mudar de parentesco. E não é para termos pais chamados Friedrich ou Hannah.
Ps. Não deixa de ser bastante significativo que uma enorme parte do nosso imaginário do que seria o Ocidente, esse lugar mitológico, tenha sido escrito em alemão, francês e inglês. Sem desmerecer espanhóis, italianos, portugueses, e todo o norte europeu, são essas as três línguas mais poderosas deste lado do planeta.
Principalmente, porque, segundo ele, os dois principais sistemas de pensamento que o alemão combatia eram o racionalismo francês, talvez representado por Descartes, que, também talvez, fosse uma espécie de atualização do "ideal" platônico; e a dialética alemã, que é mais comumente associada a Hegel, mas que na verdade apenas continua de uma forma curiosa a metafórica divisão metafísica da história da filosofia - e de novo estaríamos em Platão.
[Essa divisão leva a pensar que a preocupação metafísica identificada e combatia por Nietzsche, e restaurada por Heidegger, era um foco de estudos alemães. Ou melhor: foi reconhecido como um problema por Nietzsche e então se transformou em uma forma de pensar a trajetória de pensamento - fazendo referência a Aristóteles, claro.]
"Os ingleses tinham às suas disposições teóricas o empirismo e o pragmatismo que significava que o desvio sugerido por Nietzsche não era de grande valor para eles", escreve Tomlinson, falando que a academia não se reconhecia naquilo que o alemão do bigode combatia. Eram questões que, para os adoradores de ales, não faziam muito sentido. "Na Inglaterra, portanto, Nietzsche foi somente uma influência para novelistas, poetas e dramaturgos: foi uma influência prática, emocional, mais que uma influência filosófica, lírica mais que teórica."
O que é curioso e corrobora uma opinião de Antonio Cícero, que além de poeta e letrista, é formado em filosofia, por uma universidade inglesa, exatamente em lógica. Cícero não vê Nietzsche como um filósofo, porque aí ele deveria ter encarado a academia e as suas regras, criado um sistema próprio e sobrevivido - como se sabe, ele não fez nada disso, falhando, inclusive na última parte da equação. Não que os súditos da rainha desmereçam sua importância, mas o colocam numa posição quase inócua de "pensador", como se fosse um franco-atirador, que até acertou alguns alvos, mas que não deve ser enterrado no mesmo panteão que outros filósofos "de verdade".
Por isso tudo, não deve ser uma surpresa o crescimento da lógica da filosofia da linguagem exatamente na Inglaterra, e a cientificação quase positivista, quase binarização do conhecimento capitaneada pelos países de língua inglesa. Um pragmatismo que não aceita muito retruque. E que é visto por Heidegger, pelo que eu entendi, como o motor que afunda a civilização na ideia tecno-científica.
O que nos preocupa, a nós, identificados na história da literatura de maneira bem inteligente por Antônio Candido, como uma espécie de filhos de portugueses e netos de franceses, é que agora, agorinha mesmo, queremos mudar de parentesco. E não é para termos pais chamados Friedrich ou Hannah.
Ps. Não deixa de ser bastante significativo que uma enorme parte do nosso imaginário do que seria o Ocidente, esse lugar mitológico, tenha sido escrito em alemão, francês e inglês. Sem desmerecer espanhóis, italianos, portugueses, e todo o norte europeu, são essas as três línguas mais poderosas deste lado do planeta.
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