[Agora, segurem. É o início do ensaio do projeto. Sua primeira página. Só para registrar.]
Claro que o ateu Heidegger não está falando do deus cristão. Ou não está falando apenas dele. Mas de uma ideia de um ente transcendental, portanto além do homem, que dê um “sentido” ou um “valor” para a vida do homem. É como se, na entrevista, Heidegger não acreditasse mais na possibilidade de um deus aparecer. Ou de um deus novo aparecer. Como se após quase um século após Nietzsche ter escrito a sentença que para sempre ficaria associada à sua biografia, “Deus está morto”, nenhum outro ícone tivesse se apresentado para substituí-lo. Daí a sua pouca confiança no papel da filosofia no tempo em que deu a entrevista, e daí, igualmente, a crença de que a cibernética seria a forma de pensar que a substituiria. Seríamos uma sociedade cada vez menos humana e cada vez mais tecno-científica. Era um Heidegger, como dito, decepcionado com os caminhos tomados pela humanidade.
O interpretação do tema da morte de deus é uma constante na obra de Heidegger. Aparece, pelo menos, já em “Beiträge zur Philosophie (Vom Ereignis)”, escrito entre 1936 e 1938, e publicado em 1989. Ou ainda antes, nos seus cursos sobre Hölderlin de 1934/35. Mas há um momento específico que ele toca diretamente no assunto para opinar sobre a interpretação de seu conterrâneo Friedrich Nietzsche (1844-1900) sobre o caso. É o texto “Nietzsches Wort ‘Gott ist tot’”, de 1943 (numa tradução livre: “A palavra de Nietzsche: ‘Deus está morto’”.
Como explica Benedito Nunes, em “Crivo de papel”, num primeiro momento da filosofia de Heidegger, ele se diz favorável à ideia de uma filosofia apartada de deus, ou uma filosofia ateia, simplesmente para dar vazão à sua preocupação, pelo que parece, fenomenológica, de se ater às questões materiais, ou melhor, factíveis, factuais, relativas ao que existe. Portanto, não nega, em princípio e/ou necessariamente, a existência de deus, mas não o considera como o seu principal tema de estudo ou de foco de pensamento. Nesse primeiro momento, Heidegger veda a participação da fé cristã. Mas, de acordo com Nunes, essa atitude ateística de Heidegger problematiza a fé - porque não explica nem acaba com a existência do deus, apenas o coloca em suspenso -, e aponta para como a ideia do deus hebraico-cristão penetrou na concepção do homem, como nós o conhecemos atualmente, ou o Dasein, na terminologia heideggeriana.
[Continua...]
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