Deus não
é um deus vivo quando [nas palavras de Heidegger]:
1/
insistimos em tentar conquistar o real sem levar em conta deus e
colocando-o como um problema antes de mais nada;
2/
insistimos nessa conquista do real sem ponderar se o homem já
amaduresceu para essa essência em que, de fora do Ser, ele está
sendo arrastado;
3 / o
homem pode evitar e superar o destino que vem de fora de sua essência
e não ser arrastado apenas com a ajuda fraca de meros expedientes.
Ou seja,
Heidegger não é contra a ideia de um deus – como, aliás, deixa
bem claro na entrevista que dá para a revista Der Spiegel.
O ponto, para ele, é não deixar ser escravizado – para usar um
termo caro a Nietzsche – por esse deus. Heidegger, inclusive,
acredita na necessidade de um deus – ele demonstra que deus está
morto quando o vemos como um problema, por exemplo. Mas ele também
mostra que para dominar esse deus vivo, o homem deve estar preparado,
o homem não pode ser o homem-até-aqui, que se deixa levar. Ele tem
que enxergar e agir de acordo com a vontade de potência. Porque, se
não for, ele acabará “arrastado” com a “ajuda fraca de meros
expedientes”, a saber, as ordens saídas de um deus qualquer.
Para
Heidegger, com a morte do Deus ou deuses, e com a liberação da
vontade de potência como o princípio que que governa o que for,
então a dominação sobre o que quer que seja, passa a ser a nova
vontade do homem determinada pela vontade de potência. Ou em outras
palavras, como o próprio Heidegger explica, citando Nietzsche:
"Mortos estão todos os deuses: agora nós desejamos que o
além-do-homem viva!". Deus, esse deus novo, vivo, deve estar
dentro do homem, representado pela vontade de potência.
Mas,
reparem, Heidegger não está substituindo um termo por outro, não
está atribuindo uma função que não deveria existir para o homem,
um peso para ele carregar, uma responsabilidade maior do que as sua
pernas poderiam aguentar. Ele afirma que quem acredita que o homem
iria substituir deus nessa posição central não sabia quais eram as
verdadeiras atribuições de deus. A posição de deus, ele explica,
o papel de deus é que traz e preserva o que quer que seja. A função
de deus é, portanto, para Heidegger, a preservação. Conhecer os
limites, saber o que se pode e o que não se pode fazer. E essa
posição pode ficar vazia. Em vez desta posição divina, digamos
assim, uma outra posição correspondente metafisicamente pode se
aproximar no horizonte, um lugar que não é idêntico nem com o
domínio essencial que pertence a deus, nem com o do homem. Porém é
idêntica [em relação a função, não com relação à posição
central, que emana força única, como se fosse contra os demais] ao
homem que se apresenta com uma relação distinta, o além-do-homem.
Porque o
além-do-homem nunca entra totalmente, ou exatamente, no lugar de
deus. Em vez disso, o lugar que sua vontade entra, o que ele
realmente deseja é um outro domínio, pertencente a um outro
fundamento que é neste outro Ser. E esse outro Ser se tornou
subjetividade. E é neste momento que, para Heidegger, marcamos o
início da metafísica moderna.
O início
da moderna metafísica acontece após a morte de deus, decretada por
Nietzsche. O além-do-homem não substitui deus, em sua totalidade de
funções, como um farol que emana luz para todos os homens, mas
individualmente, sua vontade é o seu próprio Ser. Sua vontade faz
um papel idêntico, que no caráter individual é idêntico. Como se
não houvesse mais limites, ou situações limitadoras, ou algo que o
impedisse de seguir seu Ser, sua vontade. Como se dissesse que deus está
morto, longa vida ao Ser.
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