quinta-feira, 23 de maio de 2013

Deus está morto, longa vida ao Ser


Deus não é um deus vivo quando [nas palavras de Heidegger]:

1/ insistimos em tentar conquistar o real sem levar em conta deus e colocando-o como um problema antes de mais nada;

2/ insistimos nessa conquista do real sem ponderar se o homem já amaduresceu para essa essência em que, de fora do Ser, ele está sendo arrastado;

3 / o homem pode evitar e superar o destino que vem de fora de sua essência e não ser arrastado apenas com a ajuda fraca de meros expedientes.

Ou seja, Heidegger não é contra a ideia de um deus – como, aliás, deixa bem claro na entrevista que dá para a revista Der Spiegel. O ponto, para ele, é não deixar ser escravizado – para usar um termo caro a Nietzsche – por esse deus. Heidegger, inclusive, acredita na necessidade de um deus – ele demonstra que deus está morto quando o vemos como um problema, por exemplo. Mas ele também mostra que para dominar esse deus vivo, o homem deve estar preparado, o homem não pode ser o homem-até-aqui, que se deixa levar. Ele tem que enxergar e agir de acordo com a vontade de potência. Porque, se não for, ele acabará “arrastado” com a “ajuda fraca de meros expedientes”, a saber, as ordens saídas de um deus qualquer.

Para Heidegger, com a morte do Deus ou deuses, e com a liberação da vontade de potência como o princípio que que governa o que for, então a dominação sobre o que quer que seja, passa a ser a nova vontade do homem determinada pela vontade de potência. Ou em outras palavras, como o próprio Heidegger explica, citando Nietzsche: "Mortos estão todos os deuses: agora nós desejamos que o além-do-homem viva!". Deus, esse deus novo, vivo, deve estar dentro do homem, representado pela vontade de potência.

Mas, reparem, Heidegger não está substituindo um termo por outro, não está atribuindo uma função que não deveria existir para o homem, um peso para ele carregar, uma responsabilidade maior do que as sua pernas poderiam aguentar. Ele afirma que quem acredita que o homem iria substituir deus nessa posição central não sabia quais eram as verdadeiras atribuições de deus. A posição de deus, ele explica, o papel de deus é que traz e preserva o que quer que seja. A função de deus é, portanto, para Heidegger, a preservação. Conhecer os limites, saber o que se pode e o que não se pode fazer. E essa posição pode ficar vazia. Em vez desta posição divina, digamos assim, uma outra posição correspondente metafisicamente pode se aproximar no horizonte, um lugar que não é idêntico nem com o domínio essencial que pertence a deus, nem com o do homem. Porém é idêntica [em relação a função, não com relação à posição central, que emana força única, como se fosse contra os demais] ao homem que se apresenta com uma relação distinta, o além-do-homem.

Porque o além-do-homem nunca entra totalmente, ou exatamente, no lugar de deus. Em vez disso, o lugar que sua vontade entra, o que ele realmente deseja é um outro domínio, pertencente a um outro fundamento que é neste outro Ser. E esse outro Ser se tornou subjetividade. E é neste momento que, para Heidegger, marcamos o início da metafísica moderna.

O início da moderna metafísica acontece após a morte de deus, decretada por Nietzsche. O além-do-homem não substitui deus, em sua totalidade de funções, como um farol que emana luz para todos os homens, mas individualmente, sua vontade é o seu próprio Ser. Sua vontade faz um papel idêntico, que no caráter individual é idêntico. Como se não houvesse mais limites, ou situações limitadoras, ou algo que o impedisse de seguir seu Ser, sua vontade. Como se dissesse que deus está morto, longa vida ao Ser.

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