Infelizmente não pude assistir a tudo o que eu queria no "Fim", Fim de Semana do Livro no Porto [cujo nome/apelido os organizadores insistiam em lembrar que era no sentido de finalidade, portanto, ler, não no de acabar]. Do que eu vi, poderia destacar vários pontos altos, mas dois, que não necessariamente são os mais altos, continuam a ecoar na minha cabeça.
O primeiro, logo na palestra inaugural, com Fábio Fernandes e Ronaldo Lemos. Com estilos bem contrastantes, Fábio mais caótico e informal, Ronaldo mais acadêmico sem soar nunca chato, os dois foram bem convergentes em suas falas, que formaram uma espécie de bate-papo sobre como a questão digital estaria influenciando na produção cultural atual.
Houve uma fala específica de Lemos que relembrou um trecho do artigo de semana passada de Hermano Vianna n'"O Globo", e ressoou dentro da minha cabeça. Os dois - Lemos e Vianna - lembraram em suas respectivas participações da supremacia do texto escrito sobre qualquer outro formato de texto na nossa tradição [é só lembrar do currículo escolar], mas disseram que essa opção, se já um dia refletiu a realidade, não mais está de acordo com o mundo lá / aqui fora.
"Será que esse arranjo acadêmico tem futuro longo?", escreve Hermano, "Nada contra livros ou escritores. Apenas sinto falta de ênfase na educação de outros sentidos, sobretudo o visual. Além disso, advogo que, há décadas, as escolas já deveriam ter disciplinas para estimular o olhar crítico e a produção dos alunos nas chamadas novas mídias, tarefa urgente."
Sem qualquer tom de lamúria, Lemos também confirmou que hoje as pessoas preferem cada vez mais uma imagem do que o texto [o que, aliás, me lembrou Debord, e, claro, e principalmente, Millôr], e citou como argumento a valorização, por exemplo, de uma rede social como o Instagram pelo próprio Facebook.
Por mais que eu seja alguém que valorize mais o texto à imagem, tendo a achar que as pessoas podem valorizar o que elas preferirem. Mas, ao mesmo tempo, essa história me conectou diretamente, e sem querer, ao Nilson Lage, um professor polêmico de Jornalismo, aposentado compulsoriamente [segundo a sua descrição do Twitter] na UFRJ e na UFSC [links e memória estão ainda mais conectados do que nunca, como se verá]. Recordo de uma palestra sua, há mais de década, em que ele defendia que devêssemos estudar - bem e bastante - o português única e exclusivamente para que tivéssemos a ferramenta necessária para entrar contato com os textos mais antigos e com a literatura produzida em outras épocas. Enfim, com a História.
Ou seja, de certa forma, o texto é um dos principais, e em alguns casos, o único, para se lidar com o passado. Ainda não temos a capacidade de sintetizar imagens diretamente de memórias. Teremos que recorrer a documentos antigos - na maioria dos casos, textos escritos - para produzir essas imagens que serão usados no futuro para lembrar do nosso passado. Ou simplesmente teremos um corte abrupto e ignoraremos o nosso passado.
Eu acho que esse esquecimento completo e generalizado bastante improvável. Já algo proporcional, com um apagamento crescente ad infinitum da memória [mas que nunca chega, paradoxalmente, ao todo], eu vejo como totalmente viável. E, para gente como eu, assustador.
É só pensarmos que, hoje em dia, já terceirizamos nossa memória pessoal para o Google. Recorremos ao buscador para lembrarmos de detalhes da nossa própria biografia, ou de assuntos que nos são caros, por exemplo. E que o próprio Google, numa tentativa de ser uma espécie de repositório único da informação do mundo, quer digitalizar os livros existentes [ver aqui, aqui e aqui, por exemplo].
A história, como aliás outros fatores da vida como a arte, será um luxo, a meu ver. Um penduricalho que vai te transportar instantaneamente para um grupo diferenciado, que não terá, entretanto, qualquer vantagem por conta desse "privilégio". Todo mundo poderá acessar a memória coletiva. Só não sabemos o que isso vai nos custar.
[O segundo ponto será publicado outrora.]
Ronaldo Lemos |
Houve uma fala específica de Lemos que relembrou um trecho do artigo de semana passada de Hermano Vianna n'"O Globo", e ressoou dentro da minha cabeça. Os dois - Lemos e Vianna - lembraram em suas respectivas participações da supremacia do texto escrito sobre qualquer outro formato de texto na nossa tradição [é só lembrar do currículo escolar], mas disseram que essa opção, se já um dia refletiu a realidade, não mais está de acordo com o mundo lá / aqui fora.
"Será que esse arranjo acadêmico tem futuro longo?", escreve Hermano, "Nada contra livros ou escritores. Apenas sinto falta de ênfase na educação de outros sentidos, sobretudo o visual. Além disso, advogo que, há décadas, as escolas já deveriam ter disciplinas para estimular o olhar crítico e a produção dos alunos nas chamadas novas mídias, tarefa urgente."
Sem qualquer tom de lamúria, Lemos também confirmou que hoje as pessoas preferem cada vez mais uma imagem do que o texto [o que, aliás, me lembrou Debord, e, claro, e principalmente, Millôr], e citou como argumento a valorização, por exemplo, de uma rede social como o Instagram pelo próprio Facebook.
Por mais que eu seja alguém que valorize mais o texto à imagem, tendo a achar que as pessoas podem valorizar o que elas preferirem. Mas, ao mesmo tempo, essa história me conectou diretamente, e sem querer, ao Nilson Lage, um professor polêmico de Jornalismo, aposentado compulsoriamente [segundo a sua descrição do Twitter] na UFRJ e na UFSC [links e memória estão ainda mais conectados do que nunca, como se verá]. Recordo de uma palestra sua, há mais de década, em que ele defendia que devêssemos estudar - bem e bastante - o português única e exclusivamente para que tivéssemos a ferramenta necessária para entrar contato com os textos mais antigos e com a literatura produzida em outras épocas. Enfim, com a História.
Ou seja, de certa forma, o texto é um dos principais, e em alguns casos, o único, para se lidar com o passado. Ainda não temos a capacidade de sintetizar imagens diretamente de memórias. Teremos que recorrer a documentos antigos - na maioria dos casos, textos escritos - para produzir essas imagens que serão usados no futuro para lembrar do nosso passado. Ou simplesmente teremos um corte abrupto e ignoraremos o nosso passado.
Eu acho que esse esquecimento completo e generalizado bastante improvável. Já algo proporcional, com um apagamento crescente ad infinitum da memória [mas que nunca chega, paradoxalmente, ao todo], eu vejo como totalmente viável. E, para gente como eu, assustador.
É só pensarmos que, hoje em dia, já terceirizamos nossa memória pessoal para o Google. Recorremos ao buscador para lembrarmos de detalhes da nossa própria biografia, ou de assuntos que nos são caros, por exemplo. E que o próprio Google, numa tentativa de ser uma espécie de repositório único da informação do mundo, quer digitalizar os livros existentes [ver aqui, aqui e aqui, por exemplo].
A história, como aliás outros fatores da vida como a arte, será um luxo, a meu ver. Um penduricalho que vai te transportar instantaneamente para um grupo diferenciado, que não terá, entretanto, qualquer vantagem por conta desse "privilégio". Todo mundo poderá acessar a memória coletiva. Só não sabemos o que isso vai nos custar.
[O segundo ponto será publicado outrora.]
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