terça-feira, 30 de outubro de 2012

O livro total de Guimarães Rosa

Foi Mallarmé [não foi?] quem propôs a procura pelo livro de todos os livros, o livro total, o livro que contivesse todos os demais livros. Borges ampliou a metáfora para uma biblioteca, que continha todos os livros existentes e os que ainda existiriam. Esta busca por um livro dos livros, por mais metafórica e indecisa que a ideia seja, aconteceu desde sempre. Pense n'"As mil e uma noites". No "Quixote".

O livro definitivo que contivesse todas as demais histórias é típica dos grandes clássicos. Pense na "Odisseia", na "Divina comédia". Claro que esses livros não abarcavam "todos os temas" que há, mas como toda obra de arte, elas podem ser reinterpretadas de maneiras infinitas, por cada um de seus leitores. O caso acontece, como não deixaria de ser, com "Grande sertão: veredas".

Como começar a falar sobre a obra-prima de Guimarães Rosa? Qual aspecto merece ser destacado em primeiro lugar como o mais importante? São tantas as formas de abordagens que aparentemente qualquer escolha parece apropriada - e injusta ao mesmo tempo.

"Grande sertão: veredas" pode ser descrito [sem ordem] como: uma discussão sobre gêneros [masculino x feminino]; uma crônica histórica-romantizada dos cangaceiros do norte-nordeste de Minas; um exercício extremo de linguagem; uma abordagem filosófica sobre o meio, sobre os extremos. Só para ficar entre as formas mais simplistas, as primeiras visões. Há ainda temas como política da região, as guerras entre bandos, a relação amistosa entre os cangaceiros etc. etc. etc. Qualquer busca um pouquinho mais aprofundada, vê muito mais interpretações.

Até dois terços da obra, Rosa substitui os assuntos numa velocidade que lembra produções mais recentes [depois, dá uma parada, para preparar o grande final]. Anotar todos os assuntos citados daria um trabalho tão grande quanto escrever um outro livro.

O principal gênero da obra é o épico, e aí, talvez, esteja a resposta de todas as nossas perguntas. Porque dentro do épico todos os temas podem ser acomodados, podem encontrar o seu espaço. Rosa narra a jornada dos jagunços pelo sertão, com várias reviravoltas, que catapultam a ação à frente.

Numa segunda parte do livro, após o julgamento feito pelos próprios jagunços - que eu marco como o meio da obra -, o escritor descreve os personagens desse sertão, os homens tremendamente rústicos, cuja dificuldade na comunicação demonstra como vivem longe do ideal civilizatório ocidental. Como o fazendeiro, de quem Riobaldo, o personagem principal, chega a dizer que tem "uma permanência maior, uma marca mais clara", enquanto os jagunços todos são mais pueris, sem tanta identidade, tanta individualidade. O fazendeiro é único, os jagunços se confundem entre si [apesar de Rosa, por meio de seu narrador-personagem, fazer questão de nomeá-los, um a um, às vezes num exercício até meio enfadonho]. É como um censo dos homens dessa região bem central do Brasil. Um retrato desse sertanejo, que é quase uma metonímia do povo brasileiro, e que tende a ser colocado à parte pelas nossas classes dominantes.

Talvez essa seja a principal marca do livro.

Episódio da minissérie de 1985

Nenhum comentário: