[...] de certa forma, os portugueses estão familiarizados com a nossa cultura, seja por causa das novelas ou das músicas brasileiras que tocam no rádio de lá. Eles têm essas referências. Mas nós, não. Estamos mais ligados nos Estados Unidos do que em Portugal. Temos uma certa arrogância e uma postura imperialista em relação a Portugal, o que não deixa de ser irônico. - Fernando Caruso, n'"O Globo" de hoje.Quando leio declarações dessa maneira, sempre me lembro de todas as gafes que eu cometia em Londres quando, ao fazer qualquer comentário depreciativo em relação aos EUA, ser respondido com uma cara, ora irônica, ora agressiva, ora plácida e sincera de "não entendi". A relação EUA-Reino Unido é muito mais franca, aberta e sem ressentimentos que a nossa com Portugal.
A nossa se parece muito mais com a relação dos britânicos com os indianos, com os caribenhos, com os africanos. O curioso é que, ao se ter contato com vários portugueses, você percebe como somos realmente filhos deles. Ou, como diria Manuel Bandeira, netos. Nós dividimos muito mais que a língua, essa nossa pátria em comum, como diria em outro contexto outro poeta, Fernando Pessoa, na pele de Bernardo Soares. Nós dividimos história, hábitos, comportamentos.
Conversava com uma sommelier portuguesa que reclamava exatamente como os portugueses tinham o hábito de valorizar todos os vinhos importados de França e Itália e ignoravam os produzidos em seu próprio país, mesmo que fossem infinitamente melhores. Não pude sentir uma certa familiaridade com essa posição de achar que o que vem de fora é sempre melhor que o que é produzido dentro.
Talvez a relação entre EUA-Reino Unido seja melhor que a nossa porque eles não tiveram uma postura tão acentuada de desnível de forças, uma relação tão clara do que ficou conhecido como colonizador e colonizado. Eles não guardam rancor e um exemplo disso é a quantidade de vezes que ambos os países se meteram em guerras juntos ao redor do mundo. E como os ingleses até hoje agradecem o fato de os norte-americanos terem entrado na Segunda Guerra Mundial. Provavelmente Londres não teria aguentado muito mais tempo.
Já os brasileiros tendemos a culpar todas as nossas mazelas, todos os nossos problemas histórico-sociais à nossa colonização, basicamente extrativista, sem uma preocupação com o país como um ente à parte, mas sempre ligado à metrópole. Por isso, essa nossa ignorância, esse sentimento de não querer fazer parte é muito parecido ao do filho cujo pai o abandonou ao léu e agora, depois de anos, conseguiu se firmar, progredir, mas, magoado, ressentido, não quer ter qualquer tipo de relação com o pai.
Mal sabemos - ou queremos saber -, nós, os filhos [ou netos] que puxamos muito do comportamento do nosso paí [ou avô]. Negar essa herança é, de certa forma, negar a nós próprios, um pedaço significativo do que nós somos, ou nos tornamos, ou estamos nos tornando. Ao não estarmos satisfeitos com o que somos, tentamos nos espelhar em outros países, que "deram certo", à força. Tentamos nos enfiar em outras famílias, quando na verdade, pertencemos a uma já constituída, com todos os seus defeitos - mas quem não os têm? - e, certamente, qualidades [que tentamos nos apropriar sem olhar suas origens].
Acredito que só pudemos nos entender como um país único, com uma identidade própria, mesmo que miscigenada, ou exatamente por isso, quando nos entendemos de onde viemos, de que terra fomos constituídos, quais são nossas origens. Aceitar nossos constituintes não quer dizer nos orgulhar de tudo o que fizemos, passamos, ou fomos forçados, mas saber, adultamente, que, gostemos ou não, somos assim. Irremediavelmente. E só a partir daí podemos ser nós próprios.
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