sexta-feira, 8 de dezembro de 2006

monografia

Hoje, entreguei o meu terceiro trabalho de conclusão de curso. Subscrevo a conclusão.

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Paródia: essa é a chave para entender a obra de Woody Allen. Ou seja, Allen pega um objeto artístico que já existe e o retrabalha, de maneira que, assim, o transforme em um novo. É um multiprocessador cultural, que junta os cacos de qualquer arte, o desconstrói e o monta à sua maneira. Preenche a mesma estrutura com um novo substrato. Não à toa Veríssimo explica que ele produz cultura de segunda mão. Não no sentido de ser pior que a primeira mão, mas no sentido de aceitar que não há origem quando se aborda o assunto arte e dando uma nova visão para o mesmo assunto. Ele realça o trabalho primeiro dando o toque de humor característico, fazendo com que o fim se diferencie do início.

Allen age assim com a literatura, com o cinema de Fellini, com a própria vida e, principalmente, com Ingmar Bergman. Mescla sua tradição judia, de comediante de cabaré, com a absorção do cinema do sueco. Há exemplos diversos, mas um dos menos citados é “Desconstruindo Harry”, filme de Allen de 1997, com “Morangos Silvestres”, de Bergman (1957).

Naquele, o nova-iorquino vive Harry Block, um escritor com bloqueio criativo que usa a vida de pessoas próximas como material para as suas histórias. Claro que os companheiros não gostam dessa idéia e ele vai se isolando de todos. Uma clara referência, só que em termos cômicos, para o fato de críticos em todo mundo afirmarem que ele faz cinebiografias de si mesmo. Ou seja, uma paródia da própria vida. Também se pode citar, novamente, o Fellini de “8 ½”. Citações é o forte de Allen.

Junte à trama de “Desconstruindo...”, um convite para Block receber um prêmio na universidade que estudara e fora expulso. Só que é exatamente neste período que Block está isolado dos amigos. Para não fazer a viagem sozinho, ele arregimenta três companheiros: uma prostituta, um amigo cardíaco (que morre com um ataque do coração no caminho) e o filho, pego na porta do colégio, contra a vontade da mãe. Antes do destino final, ele ainda pára para visitar a irmã, uma judia ortodoxa.

O mesmo invólucro de “Morangos Silvestres”. Neste, Isak Borg (Sjöström) é um médico que viveu apenas pensando no seu sucesso profissional, se tornando frio e distante de todos os familiares. Ao receber um convite para retornar à universidade que concluiu, ele percebe que não tem com quem compartilhar a glória, já que se encontra sozinho. Entretanto, ele oferece carona para a nora e, no caminho, encontra três jovens que o fazem lembrar da própria juventude. Antes da universidade, ele visita a mãe, uma senhora quase centenária e gelada.

Claro que dentro desse mesmo recipiente, que poderíamos apelidar de road movie existencial, Allen e Bergman colocam conteúdos diferenciados. O nova-iorquino é satírico ao extremo, enquanto Bergman visita a infância e juventude na tentativa de explicar como foi construída a personalidade de seu protagonista. Mas é exatamente nessa diferença que ressalta a obra de Allen.

É como se ele invertesse o sinal de drama para o de comédia, sabendo que, no fim, ambos têm a mesma origem. O crítico Jaime Biaggio comenta esse ponto:

“Woody Allen é um comediante muito inspirado, e sabe como poucos imbuir de dramaticidade o riso. Por isso mesmo, quando se vale dessa arma, acaba por prestar belas homenagens indiretas ou mesmo diretas a Bergman (dá para encarar ‘Desconstruindo Harry’, pra mim talvez o melhor filme dele, dessa forma, por exemplo).”

Em uma pequena expressão: é um stand up comedian existencialista

quinta-feira, 30 de novembro de 2006

Masturbar

E então Ramon disse: "Let's play rock and roll", assim mesmo, em inglês, porque era a língua de Kurt Cobain e Tom Yorke, seus ídolos, e contou "one-two-three-four", como se fosse um dos Ramones, porque éramos dessa geração e começamos a tocar. Como sempre, o bar estava meio-cheio, meio-vazio, dependendo de quem o enxergasse. Não somos um sucesso, mas também temos amigos. Sempre há quem pague o couvert. Claro que não dá nem para a conta de luz, mas ninguém aqui tem essa como a principal fonte de renda – infelizmente.

Eu sou o baterista da banda. Nos apresentamos todas as quintas, um dia que seria de médio movimento mesmo. No fim de semana, temos que ganhar algum dinheiro com o estabelecimento. O bar é uma parceria entre alguns amigos de faculdade – eu incluído – para termos um lugar para escutar a música que gostamos, comer bem e encontrar conhecidos sem precisar enfrentar nenhuma fila ou esquentar a cabeça. Jonas sempre brincava, durante a faculdade, sobre o seu "Masturbar". Um dia, ele se emputeceu com o trabalho, resolveu pedir demissão e, com o dinheiro do fundo de garantia e ajuda financeira de todo mundo, montou-o. Temos um amigo que gosta de fazer drinques e o chamamos para ser o barman. Outro gosta de cozinhar e ficou responsável pelo menu, mais um é DJ e assumiu as carrapetas; a decoração ficou a cargo do Negão, que desenha, junto com a mulher do Jonas, que comprou os móveis do salão e todos os apetrechos femininos (luminárias, tapetes, copos etc.). Aline estava desempregada na época da inauguração e virou a hostess. Enfim: todos têm empregos fixos nas suas respectivas áreas e ganham um extra pelo bico. A verdade é que todo mundo trabalha no Masturbar porque gosta. A grana que levantamos não é nada demais. Às vezes dá até prejuízo. Mas o lugar se transformou na nossa casa em comum. Uma espécie de república, literalmente pública. Jonas é quem organiza tudo. É uma espécie de gerente-administrativo. Ao fim do mês, presta contas a todos e mostra balancetes, planilhas e gráficos. Todos recebem um dinheiro fixo da casa e o que sobra da grana – se sobra – ou é reinvestido no bar ou é dividido pelos sócios. A organização é uma espécie de condomínio, como os Diários Associados. Ou uma cooperativa. Ou seja lá como isso é denominado.

Participo da empreitada desde o início – sou uma espécie de sócio-fundador – pelos motivos acima, mas, principalmente, porque tocar bateria é a atividade que mais me dá prazer no mundo. Posso passar horas no banquinho com a baqueta na mão, atrás de bumbo, pratos, tons, que não percebo o tempo passar. Na noite de quinta-feira, não há Papa que morra que me faça ficar na redação. A propósito, meu ganha-pão é o jornalismo. Sou editor de um telejornal nacional. Se não coloco o nome do dito-cujo aqui é porque não o considero importante, apesar da audiência. O salário não é ruim, não posso reclamar. A montoeira de prêmios que já recebi parecem me dizer que a grana ao fim do mês é justa. O problema é que não tenho nenhum tesão por isso. Faço tudo no automático. Tento trabalhar bem, de maneira correta, e não deixar passar furo, mas nada é empolgante. Já virei noite dentro daquela sala imensa e fechada, sem nenhuma ventilação além do ar-condicionado, já entrevistei ministro, governador, bandido, já consegui matérias exclusivas, já acabei com a carreira de militares com informações privilegiadas, já sustentei programas de assistência, mas nada disso é importante. Se me levanto diariamente e vou ao trabalho é para manter o luxo de poder sentar às quintas-feiras à bateria d'Os Escroques.

A verdade é que não sou um bom baterista. Dos músicos (Ramon na guitarra e voz, Alexandra no baixo e backing, Índio na outra guitarra e eu), sou, sem sombra de dúvida, o pior. Todos sabem disso, ninguém faz questão de esconder e essa sinceridade não me magoa. Já o fato em si, ou seja, eu ser ruim nas baquetas, ah, isso sim me incomoda. Porque por mais que eu pratique – e todo o meu tempo livre eu fico em casa a batucar: cheguei a reformar um quarto colocando proteção acústica, para poder treinar mais – por mais que eu me esforce, parece que não é o suficiente. Já melhorei muito, mas nunca serei igual aos outros escroques. Nem me comparo aos grandes bateristas da História do rock (Neil Peart encabeçando a lista), mas queria me equiparar aos meus amigos.

Já pelo outro lado, na minha versão Jeckill, sou considerado bom. Ou seja, não faço um esforço absurdo para tal e tenho recompensa. Claro que já saí exausto da redação, é até comum que isso aconteça. Mas imagino que este é o resultado normal de todos os trabalhos do mundo em que a tensão é alta o dia inteiro. A questão é: eu não me dou por completo para o jornalismo. Sou, na minha avaliação interna, burocrático, mediano, medíocre até. Faço o mínimo para que não me mandem embora. E esse mínimo é visto como algo acima da média.

Não pensem que eu quero legislar em causa própria, não, por favor. A causa é outra. Estou mais reclamando do mundo e questionando o sucesso que me elogiando. Também não é uma questão de baixa qualidade dos coleguinhas. Há sujeitos sensacionais sentados ao meu redor naquela redação. Gente com doutorado em História, arte, sociologia, que sabe falar cinco, seis línguas. A média cultural é elevadíssima. A grande maioria tem a mesma quantidade de prêmios que eu, se não mais. Ou seja, não é uma questão de dizer que os meus pares são ruins, mas que, talvez, sem querer, eu tenha talento para o jornalismo. Mesmo contra a minha vontade. E, por outro lado, na música, que é a minha paixão, estou qualificado na vergonhosa casta dos "esforçados".

Imagino se tal situação não ocorre exatamente por isso. Por estar aficionado com a banda, eu fico tão tenso que não absorvo a essência da música. Para mim, tocar seria algo cerebral, nunca entranhado na minha carne. Talvez se não me importasse tanto, se deixasse para lá, talvez conseguisse ser contaminado com essa espécie de radiação. O pensamento, a preocupação seria uma barreira entre mim e a música. Com o jornalismo, como eu não dou a mínima para ele, seria exatamente o oposto. Ele viria atrás de mim. Eu faria tudo no piloto automático, teria o faro para a notícia marcado no meu DNA, o texto jornalístico tatuado no meu cerne.

Talvez eu devesse apenas relaxar com relação à música. Exatamente como acontece naquela fábula oriental em que a monja estuda diariamente para alcançar o nirvana e só consegue quando um dia, em uma caminhada de volta do riacho com um pote de água, tropeça e deixa o pote cair. Ao se assustar com a água desperdiçada, ao se desligar de sua procura constante pela iluminação, ela a encontra. Talvez não consigamos encontrar nada que procuremos. O ruim é que, infelizmente, não acredito nisso.

Para mim, o problema é a simples falta de talento. Para a música, apesar dos meus esforços, tudo é em vão. Não nasci talhado para isso. A minha compleição física não é a de bateristas. Tenho braços curtos, sou baixo e a minha coordenação motora é risível. Já para o jornalismo, parece que meu caráter foi escolhido a dedo: sou extremamente curioso, gosto de ler, abomino injustiças, e não me saio mal escrevendo. Ou seja, dois pesos e duas medidas.

Entretanto, ultimamente, estou ficando cansado de procurar um sentido no mundo. O que faço, agora, é estudar, mais e mais, para tentar, com esforço, melhorar a minha técnica. Sei que os meus companheiros de banda não vão me mandar embora. Todos nós não temos intenções comerciais além do Masturbar. Sabemos das nossas limitações e do nosso pouco tempo livre para tocar o projeto. Temos até algumas músicas gravadas e colocadas na internet. Quem sabe, assim, sem pretensão, conseguimos alguma coisa?

quinta-feira, 23 de novembro de 2006

O novo Jeff Buckley

escrevi sobre ele. Já escrevi esse mesmo título num e-mail para um amiga. O último álbum que ele lançou foi em 2005. Mas não importa: a minha descoberta do ano foi Sufjan Stevens. Por isso, inclusive, o título deste post. Tudo porque, 11 anos atrasado, descobrira o Buckley filho ano passado. E, principalmente, porque, com os dois, fiquei vidrado em apenas um álbum. "Grace", do filho do Tim, "Illinoise", de Stevens. Será que terei uma grande surpresa positiva na música por ano? (Qual será a do ano que vem?)

Mas, estava pensando nesse título quando li no wikipedia: "He has contributed covers of Tim and Jeff Buckley and The Beatles to various tribute albums." Será que eu, agora, gosto de folk? Será que eu estou ficando velho?

Tudo isso porque eu ouvi, hoje, e só hoje, o segundo (na minha cronologia e na dele também, mas por vias tortas) álbum: "Michigan".

Apesar de ter algumas idéias melódicas que se repetem em "Illinoise", o álbum sobre o estado natal é simplesmente excelente. De chorar de bom.

sábado, 11 de novembro de 2006

Ainda o seqüestro

Dia seguinte ao seqüestro de Francisco Cuoco, mais uma situação esbarrou na semântica. Para quem estava na Austrália, uma leve explicação: um homem, chateado com a separação da mulher, resolveu, para, sei lá, impressioná-la, seqüestrar um ônibus, com ela dentro. A situação tinha tudo para ser trágica, mas, ao fim, foi quase tragicômica.

O problema ficou a cargo da seguinte situação: o homem não obrigava ninguém a fica dentro do ônibus - além da própria ex-mulher, claro. Os últimos passageiros ficaram no intuito de persuadi-lo da tentativa de matá-la e, em seguida, cometer o suicídio. Resultado: o promotor não quer apresentar denúncia pro seqüestro. Já o delegado, que é que conduz o inquérito, discorda.

Ou seja, semanticamente, ele seqüestro, raptou e qualquer outra palavra que queria sintetizar o ato de violência que impede uma pessoa de usufruir da própria liberdade. Seria, então, correto chamar o sujeito de seqüestrador? Eu acho que sim.

sexta-feira, 10 de novembro de 2006

Semântica e ética

Ontem, o ator Francisco Cuoco foi seqüestrado por cerca de 20 minutos no Rio. Sete homens armados e em dois carros (três, dependendo da versão) abordaram o veículo de Cuoco - que ia para o teatro Miguel Falabella, em Del Castilho - para assaltá-lo, mas decidiram levar o ator para sacar dinheiro em bancos. Ao reconhecerem-no, desistiram da ação e o largaram perto da Barreira do Vasco.

Por mais que ele tenha ficado em poder dos bandidos por quase meia-hora, os jornais insistem em dizer que ele foi "levado por" ou que "ficou em poder dos". O argumento é: a palavra "seqüestro" tem uma conotação muito negativa, denotando ação com planejamento, escolha da vítima, pedido de resgate. Nem a sua modalidade fast-food, o seqüestro-relâmpago, foi citada - mesmo que o caso seja CLARAMENTE esse: bandidos pararam um carro para levar um dos ocupantes e tentar fazer saques em dinheiro em bancos. Quando perceberam que ele era uma pessoa conhecida, raciocinaram que teriam problemas e desistiram, não antes de ganhar algum (roubaram dinheiro, cartões, documentos, senhas de banco e o próprio carro de Cuoco).

Segundo o wikipédia, seqüestro, "quando se refere a uma pessoa, trata-se do ato de privar ilicitamente uma pessoa de sua liberdade, mantendo-a em local do qual ela não possa livremente sair". Mais a frente, mais explicações: "Em geral, o seqüestro de pessoas é feito com o intuito de extorsão, ou seja, de coação do próprio seqüestrado ou de outras pessoas por meio de violência ou ameaça, e com o intuito de obter qualquer tipo de vantagem, seja dinheiro, bens materiais, ou mesmo utilizar o seqüestrado como "moeda de troca" a fim de obter a libertação de um ou mais indivíduos presos, etc." O Houaiss concorda: "ato pelo qual, ilicitamente, se priva uma pessoa de sua liberdade, mantendo-a em local de onde não possa sair livremente ".

Estávamos diante de um caso em que usar a palavra ajustada (seqüestro e seus derivantes) estaria semanticamente correto, mas eticamente incorreto. Poderia criar um pânico na população ainda maior do que será criado naturalmente com o evento. É função da imprensa informar sobre acontecimentos que importam ao cidadão, e isso quer dizer um seqüestro a uma figura pública, mas não assustar um povo que anda, de maneira coletiva, com síndrome do pânico.

O mais curioso é que a imprensa em geral não quis usar nem o seu irmão-eufêmico: rapto.

quarta-feira, 8 de novembro de 2006

Opinião popular

"Este será um post rápido e direto ao ponto. A forma correta de se referir a uma pessoa portadora de deficiência física é dizendo "pessoa portadora de deficiência física", e não deficiente ou outro termo pejorativo. Então eu pergunto, camaradas, porque motivo nosso maior artista barroco é chamado de Aleijadinho? Essa é outra mudança de extrema importância cultural que eu digo que deve ser feita: seu apelido deve ser trocado para Portadorzinho de Deficiênciazinha Físicazinha. É inadmissível que até hoje o governo não tenha se dado conta de tal absurdo e feito nada a respeito.

Esse é apenas um alerta para que todos nós, camaradas, atentemos às artimanhas do preconceito em nossa sociedade. Ele está tão encrustado na mente desse povo alienado e doutrinado pela mídia que o domina como um cachorrinho, que poucos percebem toda vez que nos referimos a esse grande artista nacional, damos valor apenas à sua deficiência física. Acredito que a única solução, pelo menos a curto prazo, é adaptar seu apelido à sua versão politicamente correta"

Escrito por Rapper feminista.

Dica do Träsel que, por sua vez, seguiu o Pilger. Ri por um bom tempo.

Velharias: servição

Gosto de coisas antigas, daquelas sem muita utilidade. E, se tiver algum uso, gosto ainda mais. Um dos meus programas favoritos é andar na feirinha do Rio Antigo, na Rua do Lavradio, na Lapa e observar aqueles cacarecos do século xx.

Há duas semanas, fui à feirinha que acontece todo sábado na Praça xv. É uma aula sobre História recente. Próximo do fim do Aterro, os mendigos colocam para vender tudo o que recolheram durante a semana. Você encontra um pé de sapato (um pé só), espelhos quebrados, canetas usadas (comprei um Mont Blanc sem carga por R$ 1. Depois, percebi que estava gravado o nome do ex-dono), revistas pornográficas com páginas coladas, fotos de gente que você nunca viu, filmes super-8 já queimados, maçanetas de portas, fios velhos...

A melhor coisa encontrada foi uma coleção de Machado de Assis com inúmeros tomos, sendo que o vendedor queria R$ 1 por cada livro. Como ele não tinha sacola e eu não tinha braços para carregar todos os muitos livros, fiquei com uma dor no coração, e vim embora.

Mais a frente, próximo da estação das barcas, a feira vira classe A. Os antiquários do Rio expõem algumas das suas mercadorias para vender ali. É possível encontrar santos barrocos, pinturas, luminárias, milhares de barraquinhas de fotos com câmeras, lentes, tudo analógico, enfeites de madeira, discos de vinil, filmes antigos, projetores de cinema e uma infinidade de produtos completamente desnecessários, mas que fariam a vida de qualquer pessoa mais feliz. Comprei dois DVDs ali, um do Fellini ("8 1/2") e outro do Woody Allen ("A rosa púrpura do Cairo").

Mas se eu fiquei triste por não comprar os Machados, anteontem passava pela Praia de Botafogo quando um sujeito que faz ponto entre a São Clemente e a Voluntários estava com uma coleção de livros que me chamou atenção. Eram 11 exemplares de uma coleção editada em 1962 dividida - não entendi muito bem o critério - em contos italianos, alemães, de terror, fantásticos, mundiais, novelas brasileiras e outras denominações que não se fecham a uma norma. Curioso, perguntei quanto custavam os livros. Ele me respondeu que só vendia a coleção completa. Perguntei quanto era, então, a coleção. Ele disse: R$ 30. Eu: Tem sacola? Ele: sim. Trouxe para casa e só me surpreendo positivamente com os autores do tomo "contos fantásticos". O mais conhecido até agora é Guy de Maupassant. O restante, nunca tinha ouvido falar.

Outro promoção de "antiguidade" acontece no Vídeo Estação, no Estação Botafogo, na Voluntários da Pátria. O povo da locadora quer investir em DVDs, mas não tem espaço físico. Por isso, eles estão fazendo uma liquidação de VHSs por R$ 4. Comprei 14. De "Felicidade", do Todd Sollontz, até "Seven", do Fincher, passando por "Touro indomável", do Scorsese, e "Era uma vez no Oeste", do Sérgio Leone. Vale muito a pena dar uma passadinha lá.

segunda-feira, 6 de novembro de 2006

Liberdade de criação

Para quem ainda não sabe o que é Creative Commons, aqui está um artigo feito pelos dois "pais" do projeto brasileiro.

Um trechinho? Está bom:

"Há muita gente hoje querendo, com a melhor das intenções (tentando proteger essas culturas), estender para todas suas manifestações (músicas, rituais, artes visuais corporais, conhecimentos sobre a natureza etc. etc.) a propriedade intelectual tal como foi concebida pela indústria cultural ocidental (e que tem sua rigidez hoje questionada por projetos como o Creative Commons, ou o próprio movimento do software livre).

Imagine que essa "proteção" vire lei. Por exemplo: quem quisesse fazer sua música baseada no ritmo do maracatu deveria pedir permissão ou fazer pagamentos tipo royalties para os grupos culturais considerados pela lei detentores da propriedade intelectual do maracatu. Imagine que o Chico Science e a Nação Zumbi, na hora de inventar seu mangue beat, tivessem pedido autorização e a resposta tivesse sido negativa (por inúmeros motivos, que poderiam ser até ideológicos - os detentores teriam decidido que misturar maracatu com hip hop seria uma traição à tradição - ou comerciais - a banda iniciante não teria verba para pagar os direitos). Essa situação teria sido absolutamente contraprodutiva para os próprios grupos tradicionais do maracatu, que hoje conseguiram muito mais visibilidade e vitalidade (e consequentemente: auto-estima) justamente porque o mangue beat fez milhares de jovens, no mundo inteiro, descobrirem aquilo que estava se transformando em quase um segredo pernambucano. O uso não-ortodoxo, sem pagamento de direitos, fortaleceu (até gerando mais dinheiro para todos) mesmo a tradição mais ortodoxa."

quarta-feira, 25 de outubro de 2006

Dois filmes

"Pequena Miss Sunshine" segue o principal mandamento da cartilha dos filmes americanos ditos alternativos: foca a sua trama em conflitos de família. Isso prova algumas coisas: a) o núcleo familiar americano está se desfacelando; b) é ainda possível fazer alguma coisa boa com uma temática tão explorada.

"Pequena..." é leve, diferentemente dos seus pares - de "A lula e a baleia" a "Igby goes down". Eles (os diretores Jonathan Dayton e Valerie Faris que dirigiam clipes de gente como R.E.M., Red Hot, Weezer...) forçam a caricatura - no bom sentido - dos personagens estruturais. Tipo: o pai é um professor de um curso de auto-ajuda. O filho é um adolescente estudioso de Nietzsche que faz voto de silêncio para entrar na academia de aviação. O avô é um ex-atual-hippie desbocado e junkie. O tio é gay, intelectual e que tentou o suicídio há pouco tempo. A mãe tenta juntar os retalhos dessa colcha multi-facetada. E a filhinha é a cherry on the top. Feliz, alegre, aquela que aponta o caminho de toda a história.

Com momentos impagáveis, roteiro (o primeiro de Michael Arndt) muitíssimo bem amarrado, situações hilárias, a "Pequena Miss Sunshine" reflete situações do cotidiano de qualquer um que o veja. Uma espécie de comédia da vida privada só que elevada ao cubo.

Já "Dália Negra"... Brian De Palma não é lembrado - nem será - como um diretor que inovou na arte de narrar histórias no cinema. Suas incursões mais famosas foram homenagens ao seu cineasta preferido (Hitchcock), vide "Vestida para matar" e "Dublê de corpo". Em outros momentos, ele cita cineastas clássicos, como na cena da escada de "Os intocáveis" que evoca "O encouraçado Potemkin", ou "Scarface" que é um remake.

Isso tudo para dizer que Brian De Palma é um excelente diretor. Com "Dália...", podemos comprovar isso. Todas as cenas parecem desenhadas, de tão perfeitas. Todo o clima de filmes noir foi reconstruído. Parece que assistimos a um filme de 1940. E é exatamente nisso que ele peca: parece que assistimos a um filme de 1940! O longa tem duas horas, mas pareceram umas sete para mim. Só não olhei para o relógio algumas vezes porque não tenho relógio.

Nada contra os filmes de 1940 - eu, particularmente, os adoro -, mas parece que víamos uma sucessão de imagens que estávamos acostumados desde antes de nascermos. Tudo era igual a alguma coisa que já tínhamos visto. Em uma palavra: chato.

sexta-feira, 13 de outubro de 2006

Quarenta e nove livros vendidos depois

Foi bacana. Me diverti de uma maneira estranha: escrevendo pequeninos textos na primeira página dos 48 exemplares vendidos na hora. A primeira pessoa a comprar o "A primeira pessoa" foi uma amiga de São Paulo, pelo site. Surpreendeu-me positivamente. Não me importa a quantidade comercializada na data do lançamento, mas que todo mundo ali leia os exemplares. E, na medida do possível, comente comigo o que achou das abobrinhas impressas.

As vendas continuam pelo site e, em breve, em algumas livrarias escolhidas com cuidado - editora pequena, poucos exemplares na primeira edição...

De qualquer forma, muito obrigado a todos.

quarta-feira, 11 de outubro de 2006

Os bombeiros e o candidato

Um passarinho vermelho, cáqui e de quepe contou que um comandante dos bombeiros “sugeriu”, em reunião oficial, que os seus subalternos votassem na próxima eleição no candidato que continuaria as políticas de segurança iniciadas no atual governo estadual. Tudo muito velado porque, sabe como é, o voto continua secreto e qualquer suspeita de uso da máquina pública para favorecer um ou outra candidata seria crime eleitoral.

Além desse – chamemos assim – pedido, houve também um convite. Os bombeiros devem / tem que comparecer no próximo dia 18 de setembro na casa de shows Olimpo, em Olaria, a um encontro amigável, nada a ver com política, com o candidato em questão. Segundo o tal comandante, o dito-cujo-candidato foi privilegiado com o evento apenas porque pediu. Se a outra candidata também tivesse feito o mesmo pedido, eles também aceitariam... Tá bom, então.

sábado, 7 de outubro de 2006

Ainda o lançamento...

Como terça-feira ainda não chegou, coloco que saíram, humildemente, duas notinhas nos respectivos cadernos literários do JB e d'O Globo. (O JB precisa fazer um megacadastro e eu estou com preguiça. Estou trabalhando desde às 7h, me perdoem. Mas a nota é, impressionantemente, igual.)

Pausa para dizer que o Arquivo N é sobre Borges. Fim da pausa.

quinta-feira, 21 de setembro de 2006

Amigos,

depois de anos de preparação, foi marcada a data do lançamento do meu libreto: "A primeira pessoa". Será no dia 10 de outubro, uma terça-feira, no Mistura Carioca, na Lapa. Gostaria muito que todos fossem.

Abaixo está o release que será divulgado para a imprensa. Estamos, também, fazendo um banner. Quem quiser/puder ajudar colocando-o em sites, blogs ou qualquer outra coisa internética, basta me avisar. Qualquer dúvida, sugestão, ou reclamação, é só comentar.


bjs

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Ronaldo Pelli revela o rosto sob a máscara do eu

A Editora Multifocos tem o prazer de convidá-lo para a festa de lançamento do primeiro livro de contos do escritor e jornalista Ronaldo Pelli: "A primeira pessoa".

Sua estréia traz 17 narrativas curtas que usam referências tiradas dos mundos literário, cinematográfico ou mesmo do cotidiano do escritor de 25 anos. Na obra, Ronaldo Pelli faz um conjunto de narrativas que reverenciam as literaturas de Kafka e Camus, o cinema de Woody Allen. E o escritor Jorge Luis Borges, sempre.

Ronaldo produz contos cheios de interpretações que divertem o leitor enquanto escreve à margem do pedantismo. Lidas no piloto-automático, e trazendo as mais diversas reflexões. Quase todos escritos sob a máscara do eu.
O lançamento do livro "A primeira pessoa" será no dia 10 de outubro, às 20h30, no Mistura Carioca, à Rua Gomes Freire 791, Lapa. Para animar o evento, o grupo de samba Batifundo promete tocar clássicos de Paulinho da Viola, Cartola e Clara Nunes.

Junto a isso, a editora Multifocos vai fazer a "inauguração oficial" do seu site para poder lançar cada vez mais livros e escritores como Ronaldo.

Contato com a Editora Multifocos:
Assessor de Imprensa
Paula Grassini
Telefone: (21) 3234-0888 - 9287-6672
Endereço: www.editoramultifoco.com.br
E-mail: contato@editoramultiofoco.com.br
imprensa@editoramultifoco.com.br

sexta-feira, 8 de setembro de 2006

Falta de assunto

Há quase uma semana do desastre na Lagoa, com a morte de cinco garotos e garotas, os assuntos acidente de trânsito + jovens embriagados + falsificação de documentos não saem de moda. Na minha humilíssima opinião, isso acontece por dois fatores: 1) a falta de assunto dos jornais em um fim de semana de quatro dias – por ocasião do feriado; 2) o confronto com a morte de seres, em tese, imortais: os pré-adultos.

A morte, principalmente para meninos e meninas que nem saíram das casas dos pais, é um tema que choca e muito a choldra. Os envolvidos – pais e filhos – acreditam, como num dogma religioso, que vão morrer antes (os primeiros) e que nunca vão morrer (os segundos). É complicado quebrar a fé nesses aspectos.

Além disso, todo o evento é muito familiar (sem trocadilho) para o povo de classe-média. Eles se vêem na posição de um dos mortos. Seja o motorista irresponsável, sejam as três amigas que vão dormir na casa de uma delas, seja o carona.

Não senti nenhum tipo de pena ou remorso – pelo contrário, admito – porque sempre fui muito, digamos, disciplinado para passar por uma situação semelhante. Sou daqueles (chatos) que respeitam as regras e agem da maneira correta, sempre (quase sempre, vá lá). Até que...

Até que, hoje, leio a carta escrita a várias mãos, por familiares de um dos mortos, o mais velho, o carona do sexo masculino. E, já pela chamada, senti uma pontada aqui dentro, aquele sentimento inexplicável que tanto pode ser um nó na garganta, um aperto no coração ou um frio na barriga. Dizia que o menino, de 22 anos, quase a minha idade, escolhera não dirigir, quando fez 18.

Os argumentos eram basicamente de origem da responsabilidade para com o carro. Ou seja, estacionamento, preocupações com flanelinhas, receios de assaltos e furtos, necessidade de parar de beber para dirigir... Enfim. Na carta resumiam os motivos em (acho que foi algo assim): “ficar refém (ou escravo) do carro”. Se colocassem um medo excessivo de causar acidentes e machucar outrem, poderiam dizer que o personagem da missiva sou eu. Ou seja, de certa forma, arranjei o sujeito para com quem me identificar.

Mas, não sei. Não senti nada muito especial. Não fiquei exatamente triste. No fim e no fundo, creio que talvez seja porque encaro – de maneira arreligiosa, por favor – a morte de uma maneira mais prática. Não quero parecer egoísta e não pensar nos outros. Entretanto, como é algo inevitável, fico pensando “e por que não agora?” e isso me mostra que este pode ser o último momento da minha vida. Não é um incentivo ao carpe diem, mas uma proposta de encarar a morte como algo mais, digamos, óbvia.

Mais uma vez: sei lá. Acho que isso tudo é apenas obra da minha falta generalizada de projetos em longo prazo. Da minha ausência de sonhos e de planos concretos para a minha vida. Porém, seria isso um grande erro do meu caráter?

sábado, 2 de setembro de 2006

Tortoise

Foi o mais próximo que cheguei de um show ao vivo do Pink Floyd, ontem, no Circo Voador. Melodias complexas, instrumentos incomuns (um xilofone, um vibrafone, duas baterias – às vezes – tocando ao mesmo tempo, um sintetizador, um Mac), músicos que tocam bem, no mínimo, três instrumentos, flerte com outras vertentes musicais, seja o jazz, seja a música eletrônica. Mas as semelhanças com o progressivo param aí. Nada de solos complicadíssimos para mostrar quanto eles são bons ou uma pose de grandes músicos com roupas espalhafatosas. Apesar de já não serem exatamente garotões, eles são roqueiros na melhor acepção da palavra. Ou seja: não tem frescura alguma.


Na montagem dos instrumentos antes do quinteto adentrar, já dava para arquear um sobrolho de curiosidade. Por que duas baterias? De um lado um xilofone, mas e aquele outro ali? O que é? (depois descobri que era um vibrafone). E tome computador, teclados, botões de apertar, rodar, girar. Ué, mas não era um show de rock? E foi. Tudo bem que não exatamente tradicional. Esqueça os vocais, por exemplo. Eles abdicam desse instrumento. Também não espere canções pops que grudam no ouvido na primeira audição – apesar de que, até agora, estar com "TNT" na cabeça. E, a cada música, podemos ouvir algo que se aparenta com chill out, e depois heavy metal, em seguida dub, mais a frente be bop... Cada músico passa por instrumentos diversos. É impossível identificar a posição original de cada um lá para o meio do show. Não existe “o” tecladista, como também não há “o” baixista. John Herndon, o único sujeito com estatura mediana – os outros são muito altos – e de perfil latino, até que fica muito tempo com as baquetas nas mãos, mas também se arrisca no xilofone, no vibrafone e no teclado. E isso acontece com todos (os outros integrantes são: John McEntire, Jeff Parker, Douglas McCombs e Dan Bitney).

Talvez seja esta a grande vantagem do que se acostumou chamar de “pós-rock”. Bandas como Mogwai, Sigur Rós, God Speed Your Black Emperor, e o próprio Tortoise, trazem um pouco mais de complexidade aos três acordes que as bandas juvenis apregoam, mas sem, para isso, esquecer que eles são roqueiros oriundos de uma tradição do-it-yourself.
Ou seja: mais acordes, sim, mas sem deixar de ser roqueiro, jamais.
Na raia quatro

Na raia quatro, representando o clube Nacional, do Rio de Janeiro, Fernando Barbosa. Ele levanta o braço para se apresentar ao público nas arquibancadas quase vazias. 200m livre, a prova que ele mais gostava de nadar. Balizado com apenas dois segundos e meio acima do recorde brasileiro da categoria: seu tempo é 2’00”93; a marca história, 1’58”25. Ao seu lado, nas raias cinco, um garoto do Espírito Santo que ele já tinha visto em outros eventos. Fernando tentava imitar o ídolo Gustavo Borges e o russo Yevgeny Sadovyi. De Borges copiava o estilo impecável. De Sadovyi, que era um grosso nadando, a estratégia. O russo fazia a maioria das provas em negativo, com a segunda parte mais forte que a primeira. Geralmente enganava os adversários e conseguia ultrapassá-los no sprint final. Era um nadador cerebral que tinha completa noção de sua própria capacidade e não se deixava influenciar por desdobramentos da prova. Fernando só vira Sadovyi nadar ao vivo uma única vez. Foi na piscina na praia, em Copacabana. Mas, ironicamente, Sadovyi perdeu para um desconhecido que lhe aplicou a mesma tática.

O juiz assopra o apito para que todos subam no bloco de partida. Fernando tenta apagar todos os pensamentos para focar somente na largada. Já havia imaginado como seria cada centímetro dos 200m. A queda na água, as pernadas até o corpo emergir, as braçadas por volta, as respirações, a distribuição da força, tudo. Tinha repassado cada detalhe até chegar ao nervosismo, antes de ir para o banco de concentração. “Às suas marcas”, pede o juiz e todos se abaixam: BIP. Os oito competidores mergulham.

Fernando sente a água gelada pelo corpo e, imediatamente, começa a bater as pernas. Em menos de um segundo, já emerge e roda os braços imprimindo um ritmo forte. Ao seu lado o capixaba dispara. Dá um tiro de 50m como se a prova fosse outra, mais curta. Fernando raciocina que ele deve fazer a sua prova, sem pensar nos adversários que, provavelmente, vão “morrer” antes do final. O garoto da raia cinco, entretanto, abre quase um corpo antes da primeira virada.

A tática de Fernando é forçar mais a cada 50m, contando que o primeiro quarto de prova seria o mais rápido de qualquer jeito por causa do impulso de largada. Logo, ao bater na parede, suas pernadas se crispam e ele aumenta a velocidade dos braços. Antes da bandeirinha de 15m, ele já tirou metade da diferença. Já está na cintura. O capixaba segura e consegue manter esta diferença até os 100m. Nova virada e Fernando força mais as braçadas, tentando não perder o estilo, como Borges consegue fazer. Tira um pouco mais da distância para o capixaba, mas o adversário, surpreendentemente, ainda não “morreu”. Fernando tem paciência. “A prova é de 200m”, raciocina debaixo d’água.

A distância de um para o outro se mantém igual até os 150m. Fernando nada nas costelas do raia cinco. Os outros adversários estão distantes. A prova vai ser decidida por esses dois. Ou um ou o outro vai ser campeão brasileiro. Toda a pequena torcida da arquibancada começa a gritar pelo seu favorito.

Na virada, Fernando repete a estratégia de aumentar a velocidade, mas o capixaba também força mais e consegue manter a pequena vantagem. Nos 25m finais, Fernando alcança o ombro do capixaba. Pega o ar mais uma, duas vezes e prende a respiração para o sprint. O adversário retira forças de não se sabe onde e tenta, todo desengonçado, manter a liderança. Fernando mantém o estilo clássico e só aumenta a velocidade. Na bandeirola dos últimos cinco metros não é possível determinar quem está na frente. No “T”, Fernando faz um rolamento maior e se estica todo para bater na borda. A arquibancada está em polvorosa. Alguns gritam de alegria, outros de tristeza, a algazarra é geral. São centésimos de segundos até os dois tirarem os óculos e se virarem ao mesmo tempo para ver o resultado no placar eletrônico...

Toca o despertador. Está na hora de Fernando ir para o trabalho. Antes de se levantar, ele olha o teto branco, vazio, tentando lembrar de cada detalhe do sonho. Já fazia tanto tempo que não nadava que ele nem mais tinha certeza do que aconteceu naquela tarde-noite. Ele tinha ganho ou perdido? Achava, agora, depois do sonho, que vencera.

quinta-feira, 24 de agosto de 2006

Tirado da gaveta

Emprego quase-novo, vida totalmente nova. Um textinho para um especial de 25 filmes sobre bordões em peças publicitárias direto do túnel do tempo.

Meu comercial favorito

Os melhores bordões publicitários

Neste caso, parece e é. As expressões que estão no prêmio ‘Meu Comercial Favorito’ desta semana ficam gravadas na nossa memória para sempre. E sempre cabe mais uma. Nem adianta tomar o remédio contra dor de cabeça que elas não sumirão. Você pode até não se lembrar da voz da moça do comercial de xampu; ou, numa bobeira, se esquece da bicicleta do seu filho; ou pior, sai de casa sem aquele cartão de crédito. Mas, se preciso, canta de cor toda a música daquele leite que tem as crianças vestidas de bichinhos, e, no final, faz coro ‘Tomou?’.

Tem coisas que só uma empresa de eletrônicos faz por você. Isso sem usar a ‘lei de Gérson’, aquela que prega a vantagem sobre tudo, a qualquer preço. E, se lhe perguntam: ‘Quer pagar quanto?’, você logo levanta o dedo e pede a número um, confirmando que isso foi uma boa idéia

Recorda-se perfeitamente: Não basta ser pai, tem que participar. E aponta com facilidade quais japoneses são os mais criativos, além de saber que eu sou você amanhã. Contudo a questão fica: as férias para os seus pés não têm preço ou valem por um bifinho? Se estiver duro para responder, tome um conhaque.

Mas, nós viemos aqui para votar nos comerciais mais criativos ou para conversar? Distribua as notas de um, para as que não são aquela geladeira (‘detestei’) a dez, como as camisas do Fernandinho (‘adorei’).

segunda-feira, 21 de agosto de 2006

Está explicado:

Osama bin Laden teria uma paixão secreta pela cantora americana Whitney Houston. É o que garante Kola Boof, uma mulher sudanesa de 37 anos que afirma ter sido escrava sexual do líder da al-Qaeda. Em sua autobiografia, "Diário de uma jovem perdida", Kola escreve que Bin Laden se sentia tão atraído pela cantora que, em um certo ponto, pensou em pagar um assassino de aluguel para matar o marido dela, Bobby Brown. "Me disse que Whitney Houston era a mulher mais bela que ele já tinha visto, que a desejava ardentemente e que, apesar da música ocidental ser considerada uma manifestação do mal, gostaria de ir aos Estados Unidos para organizar um encontro", afirma a mulher em trechos do livro obtidos pelo jornal "The New York Post". A autobiografia estará à venda em setembro nos Estados Unidos. (ANSA)

sexta-feira, 18 de agosto de 2006

O Matias tá fazendo uma série de entrevistas com sujeitos envolvidos com internet, música, literatura, jornalismo, enfim, gente que faz na atualidade, sobre novas tecnologias, o fim do CD, P2P, essas coisas.

De todas as perguntas, a única que me entusiasma a responder é a segunda: "2) Como a música será consumida no futuro? Quem paga a conta?"

E eu penso: conta? Que conta? Se o cara quiser fazer música, vai ter dois caminhos: se adequar à nova realidade, ou seja, vender música para ringtone, alugar para comercial, fazer show para danar, ter merchandising e uma série imensa de etc. Se não, não ganha dinheiro. Simples assim. Faz música porque gosta de fazer música. Se disserem que, assim, não teremos músicos, porque ninguém vai querer fazer música ganhando pouco, respondo que assim não teremos mercenários.

E isso se adequa a qualquer outra categoria da dita arte. Escritores terão blogues para espaço publicitário, fotógrafos farão campanhas encomendadas, artistas plásticos serão patrocinados. Ou todo mundo terá duas profissões - uma na teoria e outra na prática. A arte não morrerá e viveremos como hoje em dia. Nem perceberemos a diferença, provavelmente.

ps. Nome devidamente corrigido depois da puxada de orelha.

quinta-feira, 10 de agosto de 2006

Encontrei na internet, o poema que ilustrava a capa do meu primeiro livro de literatura. Incrível que, a partir daí, muitas coisas mudaram e me inclinei, mais e mais, para o lado das letras. Ainda não estou no ponto que almejo, mas tenho paciência (pouca, mas, por enquanto, o suficiente). Mais incrível ainda é saber que eu tinha uma relação de relutância com a matéria em si. Meus amigos mais velhos do colégio diziam que era chata. Eu, que ainda não tinha encontrado a chave, acreditava neles. Como estava enganado...

Copio a parte que encadernava o livro:

Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:
Trouxeste a chave?


Estes pequeninos versos foram os responsáveis por eu ter vontade de escrever. Não como hoje eu tenho, mas eu ficava imaginando que faces poderiam ter cada palavra. Como eu poderia ser um escafandrista num oceano alfabético. E fiquei com vontade, pela primeira vez, de mergulhar.

Todo o poema do Drummond com o próprio declamando está aqui.

domingo, 6 de agosto de 2006

O mito de Sísifo (ou a busca pelo Nirvana)



A Stylus Magazine fez uma lista com os 100 melhores videoclipes feitos na História. Este aí de cima é o campeão. "I'm a rabbit in your headlight". Como em qualquer eleição, é difícil dizer se eles acertaram ou não. Gosto é uma comparação estética. Ou, em outras palavras - é que nem bunda. Mas o vencedor tem a qualidade (ou seria defeito?) de simplesmente apagar, ou melhor, sobrepujar a música em questão. E olha que estamos falando de U.N.K.L.E com Thom Yorke cantando.

Cortesia Trabalho Sujo.

sexta-feira, 4 de agosto de 2006

"Uma galinha na qual nasceram crista e cauda e que começou a cantar como galo causou estragos no galinheiro, onde o galo de verdade, Henrique VIII, começou a apresentar sinais de loucura, informou a imprensa sueca. "Henrique VIII está muito chateado. As outras galinhas estão surpresas, mas parece que a estão aceitando", explicou a dona do galinheiro, Christel Hammar-Malmgren, segundo o jornal "Blekinge Laens Tidning". Christel acordou numa manhã de julho com o canto de dois galos, em vez de um. Surpresa, correu para o galinheiro e descobriu que uma de suas galinhas pretas, Anne Boleyn, havia sofrido uma transformação. A galinha "transexual" chegou ao galinheiro há um ano e, desde o princípio foi diferente das outras. Não se interessava pelas atividades típicas de uma galinha e punha ovos de má qualidade, segundo a dona das aves. Apesar da mudança repentina de sexo, a proprietária garante que não tem a intenção de acabar com a vida de Anne Boleyn antes da hora.

As informações são da AFP."

E a péssima redação é do Globon.

quarta-feira, 2 de agosto de 2006

Alguns outros links

Make my people sing - crie musiquinhas de 30 segundos que são, sempre, divertidíssimas. É possível gravar, reproduzir e colocar na juke box do site. Tende a viciar.

Infinite Wheel - inúmeras possibilidades de criar um dub. É possível passar horas brincando de fazer música.

Gabbly - você pode conversar com quem usar o mesmo programa e estiver na mesma página... É, eu sei, é complicado... Mas tem essa opção aqui.

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Cortesias: Interney, Compipoca, Portal Cab, respectivamente.

Edição estranha

"A candidata do P-SOL, senadora Heloisa Helena, se reuniu no gabinete com assessores e buscou novas informações sobre a CPI das Sanguessugas. Defendeu a reforma agrária. Disse que quer assentar um milhão de famílias. Para isso, falou que usaria o orçamento e títulos da dívida agrária, mas não deu detalhes de como conseguiria os recursos" - dia 01/08/06

"Heloisa Helena, candidata do PSOL, passou o dia em São Paulo e afirmou que não existe rombo nas contas da Previdência. (...) De acordo com o governo, no ano passado, o déficit no setor publico foi de R$ 39 bilhões e no setor privado, de R$ 37,5 bilhões. Um total de R$ 76,5 bilhões. Mas a candidata tem outra avaliação.

'Não existe rombo da Previdência. Basta qualquer pessoa séria, que quer analisar tecnicamente os dados, ler o relatório do Tribunal de Contas da União, que mostra o superávit da seguridade social em R$ 52 bilhões', afirma ela" - 29/07/06

"(...) Heloisa Helena disse que pra gerar empregos é preciso cortar os juros pela metade e usar dinheiro do BNDES. O dinheiro do banco seria para financiar exportações. Questionada se pretende mesmo baixar os juros por decreto, como vem dizendo, a candidata se irritou.

'Meu amor, olha, quem não é imbecil intelectualmente sabe que até poderia ser por decreto presidencial, mas não será preciso um decreto presidencial, porque o conselho monetário nacional será composto de homens ou mulheres que não são moleques de recado do capital financeiro', afirmou a senadora Heloisa Helena (P-SOL – AL), candidata à presidência" - 24/07/06

É impressão minha ou há alguma perseguição explícita contra a Heloísa Helena no JN?

terça-feira, 1 de agosto de 2006

Sonho (dormindo) II

Começa num campeonato brasileiro de natação juvenil. Eu sempre sou juvenil nos meus sonhos de natação. Compeço nos 200 m borboleta, prova que nunca fui especialista, mas que queria, um dia, nadar bem.

Caio na piscina e parece que não há nenhuma diferença de quando eu nadava diariamente, há 10 anos. Incrível porque é como se soubesse que não estou na água, não fico cansado, mas estou inexplicavelmente ligado àquele que arremessa os braços à frente e os puxa por baixo d'água a ambos, em uníssono.

A prova é razoavelmente longa. Não sei o tempo que faço, mas venço. Corta.

Estamos em uma outra piscina. Parece que acompanho através de uma espécie de transmissão pela TV. A câmera - ou whatever - focaliza apenas a raia quatro. Sei, incompreensivelmente, que é uma prova de 400 m borboleta, embora não haja igual oficialmente. Era esse o gancho para a tal transmissão. Sei também que vou nadar. Fui convidado porque havia ganho o campeonato da minha categoria para os 200 m. Quero conscientemente estar na raia seis, mas estranhamente fico na oito, a pior de todas. Talvez o meu inconsciente quisesse apenas dar mais "realismo" à cena. Outra curiosidade é que não me reconheço entre os competidores. A "câmera" focaliza apenas o raia quatro e um sujeito à direita (esquerda do competidor, ou seja, nas raias cinco, seis, sete ou oito) bem gordinho. Começa a prova.

Não estou mais na arquibancada, nem vendo através de uma TV. Estou na água. Novamente não faço exatamente força, mas me sinto nadando, como era na minha época. Meu estilo, inclusive, parece o mesmo só com uma diferença: respiro muito mais que o meu normal e para o lado - todas as vezes que tento para a frente, me sinto cansado.

Nos primeiros 100 m, eu e o raia quatro nos distanciamos do restante dos competidores. Eu estou um pouco à frente dele. Nos 200 m, nos isolamos na liderança: continuo em primeiro. Na virada, erro o impulso na parede e ele me passa. Percebo que a minha braçada está lenta. Quando entro com a mão na frente, dou um pequena parada que me custa na agilidade. Resolvo, durante a prova, aumentar a velocidade, mesmo que me custe mais energia.

Viramos os 300 m juntos. Não é possível saber quem vai ganhar. 350 m: estou um pouco à frente, mas não posso diminuir o ritmo senão ele passa. Os outros competidores não ameaçam mais. Estão quase 20 metros atrás. Nos últimos 25 m, tento ainda um sprint e páro de respirar. Ganho a prova e acordo. Completamente suado.

segunda-feira, 31 de julho de 2006

Sonho (dormindo)

Estava num ônibus e poltronas à minha frente estava Heloísa Helena com algum assessor ou miquinho amestrado - não há muita diferença. E eu, só pensando, "que popular, que povão".

Depois, estávamos em um descampado e, por acaso, me deparei com ela. Não titubeei: "Helô, você acha que conseguirá passar desse limite de 10%?" E ela, à perfeição da personagem, talvez só com um ou outro detalhe incorporado da minha imaginação sonífera, subiu num monte de terra que apareceu logo atrás dela, puxou um cigarro, o acendeu e começou a falar com aquela voz de taquara rachada, mas que logo chamou a atenção de todos presentes (estava bem lotado), de maneira messiânica: "Se eu tiver 25 soldados e eles me perguntarem se vamos vencer a guerra, já estaremos perdidos. Mas se eu tiver 10 forminhas (1), poderemos ganhar a batalha". Nessa hora acordei. E percebi que estou com bruxismo.



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Minhas interpretações (se não quiser saber, pode parar de ler agora): Estive cara-a-cara com o Minc no sábado e fiquei com uma vontade danada de perguntá-lo por que ele não havia abandonado o PT, como a maioria dos militantes mais conhecidos do partido. Também queria inquiri-lo sobre a sua falta de ambição política: há anos ele só tenta - e consegue - se eleger para deputado estadual.

Domingo, conversei com dois amigos que são geniais. E eles estavam decepcionados com a política. Curiosamente, tendem a votar no Lula, mas um deles ainda cogita o voto de protesto na Heloísa Helena.

(1) Forminha, na minha cabeça sonífera, seria um reprodutor de informação - foi o que eu pensei no instante em que acordei. No contexto queria dizer, creio eu, aquele que passará adiante a minha palavra - para usar uma conotação apostólica, bem apropriada ao messianismo presente na fala.
Algumas recomendações:

Inagaki fazendo uma bela definição sobre o que é blog, aproveitando o gancho de ter sido eleito um dos mais importante blogueiros da blogosfera tupiniquim.

Cadeia de Palavras - basicamente Daniela Abade e Sérgio Rodrigues (e outros menos participativos) escrevendo uma novela com capítulos que só podem se iniciar com uma única letra do alfabeto, indo do "a" ao "z". Surreal. Divertido.

Aliás... para quem acha que essa "Mulheres Apaixonadas, versão III" é a melhor coisa que a TV já fez na vida, aprenda a escrever uma cena do Manoel Carlos (by Daniela Abade).

quarta-feira, 26 de julho de 2006

Se o Kazan (ver post abaixo) é um moralista, John Ford é amoral. Em "No tempo das diligências", ele coloca na mesma carruagem um médico bêbado, uma prostituta, um foragido da justiça (John Wayne), um viciado em jogo, um banqueiro picareta, um quase pastor e a mulher de um soldado, sendo que os três primeiros são os protagonistas da história. Ford sempre retrata os negros e mexicanos em posições subalternas (ou seja, realistas para a época), mas com caráter irrepreensível. E sempre mata índios.

Isso me lembra aquela música do Bruce Dickinson, no "Balls do Picasso": "where's John Wayne / where's your sacred cowboy now / there's no indians on the hills / there's no indians more to kill".

terça-feira, 25 de julho de 2006

Visão nada distanciada

Em "Sindicato dos Ladrões", Marlon Brando faz um estivador que, depois da pressão da namorada e do padre, e da morte do irmão, denuncia um assassinato cometido pelo presidente do sindicato para uma comissão que investigava esses assuntos.

O fato seria "apenas" o resumo da trama de um dos maiores sucessos do cinema de todos os tempos se o filme não fosse dirigido por Elia Kazan. Kazan ficou famoso por, além de dirigir inúmeros sucessos da Broadway, delatar alguns homens do teatro / cinema / TV na famigerada comissão anti-comunista do senador McCarthy.

Ou seja, os paralelos são óbvios demais para passar em branco. O filme em si é bom, não excelente. O roteiro é bem construído, Marlon Brando está no auge da fama e deve muito do que o seu nome hoje representa a Kazan. Mas admito que não consegui me desvencilhar. Principalmente porque o filme tende a ser no mínimo maniqueísta.

Ao comparar a delação de Terry Malloy (Brando) com a sua, Kazan traça um paralelo entre criminosos e comunistas - no mínimo um absurdo. O que no primeiro caso é, além de defensável, a única maneira para sobreviver como indivíduo, no outro é uma vingança mesquinha e covarde que tinha o intuito (não único) de tirar o foco das atenções de sobre ele (Kazan havia sido comunista anos antes, mas desistira decepcionado com Stálin e todos os stalinistas - com toda a razão).

Sei que não é aconselhável avaliar uma obra através de uma lente que já nasce manchada, mas é difícil escapar desse viés quando percebemos um alto grau de puritanismo e moralismo na obra. Malloy se admite um vagabundo, sem muita inteligência e que tem na força física seu maior trunfo. Mas o estivador só muda de opinião quando influenciado pela família (a namorada) e pela igreja (o padre). Além disso, Edie (a namorada) insiste que o porto da cidade grande não seria o lugar certo para ele, depois da delação. Restando, apenas, o interior (country) do país. Ou seja, deveria se juntar aos seus, à América mais reacionária que há.

No todo, vale a pena e muito assistir a "Sindicato...". Como diz o site McCarthyism and the movies, só pelo diálogo entre os irmãos Malloy dentro do táxi (1) já valeria. O problema é que sempre fica com o gosto de defesa de tese, mal disfarçado na garganta. Roger Ebert que o diga (2).

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(1)
"Charlie: Look, kid, I - how much you weigh, son? When you weighed one hundred and sixty-eight pounds you were beautiful. You coulda been another Billy Conn, and that skunk we got you for a manager, he brought you along too fast.
Terry: It wasn't him, Charley, it was you. Remember that night in the Garden you came down to my dressing room and you said, "Kid, this ain't your night. We're going for the price on Wilson." You remember that? "This ain't your night"! My night! I coulda taken Wilson apart! So what happens? He gets the title shot outdoors on the ballpark and what do I get? A one-way ticket to Palooka-ville! You was my brother, Charley, you shoulda looked out for me a little bit. You shoulda taken care of me just a little bit so I wouldn't have to take them dives for the short-end money.
Charlie: Oh I had some bets down for you. You saw some money.
Terry: You don't understand. I coulda had class. I coulda been a contender. I coulda been somebody, instead of a bum, which is what I am, let's face it. It was you, Charley."

(2)
"In the film, when a union boss shouts, `You ratted on us, Terry,' the Brando character shouts back: `I'm standing over here now. I was rattin' on myself all those years. I didn't even know it.' That reflects what some feel was Kazan's belief that communism was an evil that temporarily seduced him, and had to be opposed"

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Curiosidade: Eva Marie Saint, que faz Edie, a namorada de Malloy, é Martha Kent na versão 2006 de "Superman".

segunda-feira, 24 de julho de 2006

Fama internacional

R(eel) I(mportant) P(eople)




















via Cinematical.

South Park x Monty Python



via Parada.
"Agora que a justiça encontrou o seu lugar e condenou Suzane Von Richthofen e os irmãos Cravinhos há 40 anos de cadeia, podemos falar com menos sensacionalismo sobre o assunto. Em um julgamento onde os três eram claramente culpados por igual, só restou uma pergunta pertinente a ser respondida: você pegaria a Suzane?"

Do povo do Insanus.
E agora, Dunga?

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Bem que o Fernando Duarte já havia cantado a pedra...

sexta-feira, 21 de julho de 2006

É pop e é ótimo

Já havia comentado anteriormente sobre o Gnarls Barkley, mas havia ouvido apenas uma ou outra música. Agora, completamente tomado pelo disco inteiro, cantarolando cada uma das melodias, TENHO que repetir.

Ao ouvir o CD, "St. Elsewhere" você fica com sentimentos ambíguos. Se por um lado é capaz de sair dançando nas ruas com "Crazy", "The Last time" e, a minha preferida, "Smiley Faces", por outro fica com raiva das rádios que só tocam jabás. Soube que "Crazy", pelo menos, toca em algumas estações. Ou seja, Gnarls Barkley é um lançamento parrudo. Mas, isso poderia ser estendido a outros grupos parecidos... Enfim, não choremos pelas desgraças do mundo, falemos de coisas mais amenas.

O duo (o raper de timbre encorpado e métrica diferenciada, Cee-lo, e o produtor de gente parruda como o Gorilaz, Danger Mouse) é classificado em várias oportunidades como hip-hop, mas a definição apenas pode ser utilizada se você encarar o todo, sem entrar nas particularidades. E que partes.

Talvez só "St. Elsewhere", a música, "Feng Shui" e "Necromancer" possam ser encaradas realmente como um rap, daqueles tradicionais. "Gone Daddy Gone" é quase um rock anos 1980. A própria "Crazy" parece saída do primeiro disco do Moby, lotada de soul e teclados. "Boogie Monster" tem uma levada sombria, mas sem perder o humor jamais. "Who Cares" parece um ska-reggae do Sublime; "Storming Coming" devolve a tradição do miami bass para os anglo-saxões (ok, forcei um pouco a barra). Isso só para ficar em exemplos genéricos.

O certo é que, como ouvi por aí, Gnarls Barkley é o irmão gêmeo do Outkast nessa segunda metade da primeira década de 2000. A melhor música pop que há no momento.
Ainda tenho esperança.

quinta-feira, 20 de julho de 2006

Clímax

Mandei o conto abaixo para duas amigas minhas lerem. Uma disse que ficou esperando algo acontecer, não que o texto em si fosse previsível. Apenas tudo estava dando certo demais para o protagonista. Percebi, então, que sou "clássico", quando se trata de escrever.

Ricardo Piglia teceu uma espécie de teoria para os contos em seu "Breves relatos". Segundo o argentino, nas histórias curtas, há sempre duas tramas: uma óbvia e outra, subterrânea, que só se revela ao fim. Tal paradigma teria sido criado por Edgar Allan Poe. A estrutura é óbvia: narra-se uma situação, aparentemente comum, ou que leva a crer numa normalidade e, antes do fim, há a reviravolta/ clímax, e é revelado a verdadeira história, que estava escondida.

Segundo ainda o autor de "Respiración Artificial", tal estrutura imperou até o século XX quando Joyce, Cortázar e outros trataram de ignorá-la. Em "Dublinenses", por exemplo, há recortes da vida das personagens, uma sucessão de acontecimentos incomuns de suas trajetórias. Não há história escondida, como também não há clímax. O fim chega quando o autor decide que aquela trama deve ser interrompida. Se deixassem, ela - a história - se transformaria em algo maior (em quantidade). Cortázar, por sua vez, fez narrativas completamente surreais - literalmente. Não há início-meio-fim, em (se eu não me engano) "Las puertas del cielo", do "Bestiário", mas uma espécie de história circular, sem muita razão, nem porquê.

Já eu... Eu gosto de clímax. Acho que a leitura deve levar para uma espécie de epifania. Mesmo que perca na imprevisibilidade. Não era Borges que dizia que sempre líamos os mesmos livros? Pois então.

Helô-Helê

Hoje me decidi em quem votar para presidente: Heloísa Helena. Já estava meio certo disso, mas nesta tarde, retirei as minhas últimas dúvidas.

Disse para os meus colegas de trabalho que a candidata do Psol é o Lula de 1989 - e causei polêmica. Mas claro que eu não estou comparando à exatidão os dois políticos. Mas como símbolo. Nesta eleição, Helô-Helê representa a esperança, o PT que não se entregou (nada de PSTU), a alternativa à disputa PTxPSDB, que se repete há quatro pleitos. Ou, de acordo com Tereza Cruvinel: "A senadora está capitalizando a insatisfação com a política, a decepção com o PT, o voto dos que não têm alternativa e o dos que optaram pelo voto nulo sofisticado, como diz o analista Jorge Rodini, da Engracia"

Não havia bipolaridade em 1989, muito pelo contrário, mas Lula saiu da mesmice que se apresentava de políticos consagrados, como Ulisses Guimarães, Maluf, Brizola, Afif Domingues, Mário Covas. Para ter uma idéia de como o povo estava saturado desses nomes batidos, outro sujeito desconhecido das grandes massas foi o vencedor daquela disputa.

Ainda bem não temos esse tipo de personagem na atual eleição. Creio que a senadora ainda vá crescer, mas, infelizmente, não passar para o segundo turno. O lado bom dessa minha previsão é que nunca acerto nenhuma.
Estamos ficando velhos

Haley Joel Osment (lembra do "I see dead people"?) bateu o carro que dirigia.

Só para constar: "O Sexto Sentido" passou nos cinemas brasileiros em 1999.

terça-feira, 18 de julho de 2006

O país dos escritores

O país dos escritores divide-se em diversos feudos. Há aquele onde ficam os que buscam a glória literária, talvez a maior das benesses artísticas, uma espécie de certificado de inteligência dado por toda a sociedade, um comprovante de visão distanciada dos problemas terrenos e / ou uma opinião constante em todos os jornais sobre as agruras do dia-a-dia.

Há ainda aquela outra região, bem pequena, onde os que anseiam enriquecer com a labuta da escrita almejam entrar e montar seu reino. Poderíamos arriscar e dizer que funciona como a história de Fausto. Normalmente são execrados pelos outros iguais, mas o povo em geral o recebe de braços abertos, em qualquer lugar do mundo. São pouquíssimos simplesmente porque cada vez mais se lê menos. E tendem a restringir ainda mais a entrada no feudo, já que a renovação é menor.

Em outro canto, há uma outra localidade, mais distante do Centro, onde mora uma minoria que vislumbra apenas o simples ato de escrever. Esse é a única região onde a entrada é completamente liberada, sendo necessário apenas apresentar os textos redigidos pelo próprio punho. Não se exige qualidade, quiçá quantidade de manuscritos. Quem quiser morar nesta região, basta entrar e escolher um canto onde se instalar. Há diversos outros tipos de feudos, mas estes são os estados principais que compõem a nação dos escritores.

(Talvez um preâmbulo para o texto abaixo. Talvez não.)

Ato, Vendo e Amordaço

Robal de Almendre começou a escrever antes de se entender por gente. Talvez porque vivia sozinho e quisesse evitar a paranóia. Quando começou a escrever, não se transformou em best-seller, mas fez vários amigos no meio. A sua prosa não era revolucionária, mas moralista, uma espécie de classe-média literária. Possuía um domínio narrativo bom, suas histórias costumavam ser interessantes e os personagens profundos. Se isolássemos os seus elementos e os analisássemos em separado, Almendre poderia figurar entre os grandes escritores de sua geração. Mas, inexplicavelmente, faltava algo. Como se ele se esforçasse para escrever, fizesse pesquisas, experimentasse a linguagem, mas, não isso tudo não fosse o suficiente. Havia alguma coisa de inominável, que é impossível de ser identificada, que faltava a Almendre.

Após 20 anos de carreira, podia-se considerar inserido no cânone cultural da sua época. Freqüentava outros escritores, editores, jornalistas dos cadernos de cultura, cineastas, acadêmicos, críticos, diretores de teatro e atores do primeiro escalão. Até havia ganho um prêmio nacional, pela biografia de Otto Lara Resende, feita sob encomenda.

Filho de catalães que haviam migrado na época da Guerra Civil, ele tocava o Barça, um restaurante com a melhor paella da cidade e freguesia fiel que os pais haviam deixado de herança. Almendre sempre a comparava à feijoada. O Barça é o ponto de encontro da sua geração, brincava. Onde discutiam as novidades culturais do momento. Em seus debates, todavia, faziam questão de ignorar a política, ficando apenas com a estética. Pareciam que viviam num mundo à parte, onde a miséria e a desgraça não os alcançavam, ou, argumentavam, não viam solução para a melhora da vida pública além de não se sentirem aptos, quiçá, responsáveis pela melhora da sociedade em que estavam inseridos.

Independentemente dessas questões, do Barça saíram as maiores obras de arte da contemporaneidade. Quem não se lembra de “Incoerências”, de Oswaldinho Carvalho, ganhador da Palma de Ouro em Cannes, longa que é uma espécie de colagem de absurdos que culmina naquela catarse final, já clássica? Ou de “Paranóia”, que rendeu a José Maria Frenkel reconhecimento internacional, sobre um sujeito preso dentro de um quarto que é inseguro até mesmo para abrir a porta? Ou ainda do best-seller instantâneo “Silêncio”, de Martha dos Anjos, uma obra inteira de mais de 500 páginas sem nenhuma palavra escrita? Todos amigos de Almendre, todos freqüentadores do Barça. Naquelas mesas espaçosas com vista privilegiada para o Joá foram discutidas todas as obras supracitadas e ainda outras mais.

Eles se sentiam como defensores da cultura – sem adjetivos. Eram chamados pelos seus detratores como os EmBarçados, porque simplesmente não se atentavam para o que acontecia nas ruas. Entretanto eles ignoravam as críticas deste tipo, simplesmente respondendo que a prioridade do grupo não era com aquele momento histórico, mas com a História. Como se pode ver, uma discussão que já houve em todos os lugares, em todas as épocas.

No meio disso tudo, ficava Robal de Almendre. Como todo moralista, gostava das discussões filosóficas e teológicas. Evitava tratar de estética, pois dizia que cada um tinha a sua idéia sobre o assunto e a tentativa de mudar o próximo era praticamente inútil. Almendre dizia que a preferência pelo grupo de amigos era simplesmente porque eles não se impunham regras. Eram livres para fazer o que quisessem. As obras de Almendre, no meio da falta de limites generalizada, contudo, não causavam nenhum estardalhaço. Era visto mais como o dono do restaurante que como autor da trilogia “Ato”, “Vendo”, “Amordaço”, este último o primeiro livro que recebeu proposta para ser traduzido no exterior. E isso o incomodava um pouco. Não que ele quisesse ser objeto ou protagonista de uma polêmica, mas se sentia inútil, efêmero. Claro que tal silêncio não o impedia de escrever – ele mantinha a média de um livro a cada dois anos – porque ele realmente gostava do processo da escrita. Mas, de vez em quando, ele ficava melancólico e se perguntava qual a importância de continuar.

Pode-se suspeitar, então, quão surpreso ele ficou quando recebeu a notícia de que a versão para o catalão de “Amordaço” figurava entre os mais vendidos. Em sua primeira experiência internacional, conseguia um êxito inigualável. Num primeiro momento, não pôde segurar o orgulho. O pensamento ecoava na cabeça de Almendre: sou um escritor internacional. Nunca faria sucesso em seu país porque estava fadado à fama no mundo todo, era um cosmopolita de nascimento. Pouco tempo depois, chegou outra proposta para verter a obra para o espanhol, mas, para acabar com qualquer tipo de pretensão, a vendagem foi ínfima. Almendre não entendeu muito bem o motivo da baixa aceitação pelo espanhol, mas logo se esqueceu do desastre e se vangloriava de ser ao menos bem vendido na Catalunha, terra de seus pais. Inclusive, acreditou a partir daí que o motivo para esse sucesso era, realmente, a ascendência. Concluiu que conseguia despertar as emoções de gente com o mesmo sangue que ele. Era como se o tempo e a distância física não existissem nesse caso. Ele era um catalão e não podia negar isso.

Tal hipótese se mostrou ainda mais forte quando Jorge Punyol, o seu tradutor catalão, pediu para escrever as versões do restante da trilogia: “Ato” e “Vendo”. Almendre, óbvio, aceitou. E os resultados, logo depois, foram praticamente os mesmos. Chegou a ponto de ter os três livros na lista dos mais vendidos. Feito impensável há algum tempo. O fato é: Robal Almendre era um fenômeno na Catalunha.

Seus pares que freqüentavam o Barça se dividiram entre os que invejaram o sucesso de vendas de Almendre em outro país – coisa que absolutamente nenhum deles havia alcançado – e os que ficaram simplesmente felizes com a recepção às obras, dizendo que era merecido. Almendre, por sua vez, pediu para que Punyol enviasse algumas edições em catalão para que ele pudesse expor no seu restaurante. Punyol gostou da idéia e resolveu até trazê-las pessoalmente.

Foi o primeiro contato pessoal entre os dois. Em questão de minutos, haviam virado os melhores amigos. Faziam piadas internas que só os dois entendiam, conversavam em catalão, discutiam novos lançamentos. Punyol sugeriu uma nova receita para o Barça, de um peixe ao molho de castanhas árabes, Almendre mandou o cozinheiro aprender e fez um banquete num domingo. Era a consagração máxima de Robal Almendre entre os seus pares.

Pouco tempo depois, começaram a aparecer convites para visitar Barcelona, Gerona, Lérida e Tarragona. Almendre combinou com Punyol uma viagem à Catalunha na primavera deles para proferir palestras em centro culturais, universidades e livrarias. Punyol organizou tudo, mas infelizmente não poderia ficar no país para ciceroneá-lo, já que tinha que viajar urgentemente para encontrar com um outro escritor. Certamente a editora mandaria alguém para acompanhá-lo na peregrinação. Almendre lamentou, mas se resignou.

Na viagem, havia toda uma programação em detalhes a ser cumprida: os locais das palestras, a quantidade de perguntas liberadas, os restaurantes para as refeições, até as páginas dos livros que ele poderia ler. Tudo estava planejado em detalhes. Almendre se sentia uma celebridade. Foi capa dos cadernos culturais de toda cidade que passou. Conheceu políticos, escritores e todo o naipe de famosos da região.

Os eventos literários eram praticamente iguais: ele se sentava num grande balcão, em frente a um auditório sempre lotado, lia uma página ou duas de um de seus livros e abria-se para perguntas da platéia. As questões eram sempre as mesmas: dicas para escritores iniciantes, curiosidades sobre a profissão, anedotas sobre ser também dono de restaurante, falta de intercâmbio cultural entre as nações, desconhecimento dos autores, situação política da Catalunha, Barcelona, o time, etc.

No antepenúltimo dia, Almendre visitou uma pequena universidade em Lérida. Seu pai sempre falava de Lérida, porque vários amigos dele haviam travado combate com os franquistas por ali. Almendre, sem saber muito por que, acordou emocionado. Olhou pela janela do hotel e viu uma casa demolida com uma velha palmeira-anã na frente. Logo associou à Guerra Civil espanhola – mesmo sabendo da impossibilidade de terem mantido a construção em tal estado por tantos anos apenas para lembrar a população da guerra, como acontece em Dresden, na Alemanha. Ficou triste sem saber o motivo. Sentia uma apreensão estranha, algo inexplicável que lhe deixava casmurro. O telefone do quarto tocou avisando-o que o carro havia chegado. O escritor desceu pelo elevador com a garganta apertada e os olhos marejados.

Ao chegar na universidade, foi recebido por uma salva de palmas dos estudantes e não segurou a lágrima que brotou. Desculpou-se à platéia e explicou como estava se sentindo. Mais palmas. Em seguida, pediu licença para quebrar um pouco o protocolo. Resolveu abrir o livro “Ato” num trecho que ele gostava muito e que tinha paralelos com a Guerra Civil. Começou a procurar e, depois de um tempo, o achou. Leu-o em tom baixo para um auditório em silêncio. Ao fim, mais quietude. Depois de alguns instantes sem um pio no salão, o debatedor resolveu abrir às perguntas do público. As questões foram as mesmas de sempre. Até que, quase no fim, um rapaz com feições bem finas e cabelos grandes e desgrenhados pediu a palavra. Disse que se considerava um grande fã da obra de Almendre, havia lido tudo do escritor já publicado em catalão, mas que ele não lembrava do trecho lido pelo escritor. Pediu, apenas, que Almendre dissesse qual a página que estava para que ele pudesse acompanhar. Almendre não se opôs à proposta do rapaz. Contudo, ao apontar a página em questão, o estudante avisou-lhe que sua versão era completamente diferente da dele. Almendre explicou que eram edições diferenciadas e que após a palestra lhe mostraria exatamente onde estava o trecho. O garoto, com calças de seda e bata branca, concordou.

Ele se chamava Hermano, era filho de espanhol, mas nascera em Gerona e se mudara para Lérida quando pequeno. Mostrou seu exemplar para Almendre que comprovou que eram de edições diferentes. Mas ao ler um pedaço aleatório do livro de Hermano, não reconheceu a passagem. Segurou o “Ato” em suas mãos, enquanto Hermano falava sobre como gostava do estilo violento e prático de Almendre, e tentava associar aquelas palavras lidas com as suas escritas originais. Parecia em vão. Qualquer folha que virasse, encontrava um texto completamente diferente daquilo que ele se recordava. Muito raramente, enxergava passagens inteiras que eram iguais ao que ele havia escrito. Almendre olhava para as letras e se sentia cada vez mais confuso. Durante este tempo, Hermano não parou de falar sobre o papel da violência nas sociedades pós-modernas, mas Almendre não conseguia escutá-lo direito. O som da sua voz parecia vir de um sonho ou de uma realidade paralela e só chegava aos ouvidos de Almendre abafado e distante. O escritor pegou o seu próprio livro e abriu nas páginas marcadas para a leitura. Num instante percebeu que os trechos que ele sentia familiaridade eram realmente muito parecidos com o seu original, mas o restante era outro livro.

Pediu para voltar para o hotel, não sem antes passar em uma livraria e comprar uma versão de cada uma de suas obras vertidas para o catalão. Já no quarto, comparou com os livros que havia recebido de Punyol e comprovou a sua suspeita: os textos eram diferentes. O que carregava desde sempre, era uma tradução fiel aos seus originais, mas o livro que ele havia acabado de comprar era diferente, mais exatamente o oposto. Como se Punyol houvesse subvertido todo o conceito original e transformado numa obra antagônica da original. Almendre tinha a característica de fazer fábulas morais, tentando atualizar arquétipos eternos, as versões de Punyol eram completamente amorais, tendendo ao chulo e à escatologia. Punyol caçoava da ingenuidade nas páginas que se seguiam aos trechos idênticos da obra de Almendre. Dizia que o homem não pode ser tão inocente, deve levantar bandeiras para lutar pelos seus ideais, independentemente das conseqüências que porventura venha ter. Almendre leu todos os três livros em apenas um dia e uma noite. Consumiu todas as palavras ininterruptamente como um viciado. Não foi ao último compromisso – jantar com um figurão da cidade – e decidiu voltar para casa silenciosamente.

Nunca comentou a história com ninguém, apesar dos insistentes pedidos de amigos para contar-lhes o que havia acontecido na terra de seus pais. Cortou por completo o contato com Punyol, e ele nunca mais o procurou. Entretanto, continua a receber os direitos autorais da versão catalã de sua trilogia: repassa todo o dinheiro para um ONG que ensina línguas na Catalunha. Entre elas o português e o catalão, claro.

(Um pouco de ficção para desenferrujar. Também publicado aqui.)

quinta-feira, 13 de julho de 2006

"Para Schopenhauer, o egoísmo, que faz do homem o inimigo do homem, advém da ilusão de vontades independentes que afirmam seus ímpetos individuais. A superação do egoísmo somente seria possível mediante o conhecimento da natureza única universal da Vontade. Como conseqüência moral do desaparecimento de sua individualidade, o homem pode tornar-se bom".

"Fundamentally, the Bhagavad Gita proposes that true enlightenment comes from growing beyond identification with the Ego, the little Self, and that one must identify with the Truth of the immortal Self, (the soul or Atman), the ultimate Divine Consciousness. Through detachment from the personal Ego, the Yogi, or follower of a particular path of Yoga, is able to transcend his mortality and attachment from the material world, and see the Infinite (the Brahman)."

Não é mera coincidência.

quarta-feira, 12 de julho de 2006

Un Buda

Não sou um espectador exigente. Basta que me apresente um filme com início-meio-fim, não necessariamente nesta ordem, como dito por Godard, que me dou por satisfeito. Por isso, não achei "O Buda", filme de estréia em longas de Diego Rafecas, ruim. Digamos que ele tem problemas, mas conta sua história direitinho.

História esta que pode ser resumida em poucas linhas: os filhos de um casal que morto pela ditadura argentina se separam quando adultos. O mais velho vira professor de filosofia na universidade, o outro se torna budista. Ou em outras palavras, um é a razão, outro a emoção. Um é a ciência, outro o empirismo. Um se inspira na mãe, o outro, no pai. Enfim, dicotomia bem nítidas é o que não falta.

Já os problemas são decorrentes claramente de uma falta de experiência em grandes histórias (no sentido de duração). Primeiro, a óbvia: o filme tem 110 minutos, mas poderia ter uma meia hora a menos. Toda a parte final, num retiro budista em Córdoba, é meio boba, quase desnecessária. Há também o tratamento moralista sobre música eletrônica e drogas, nitidamente para fazer mais sentido na história. Outra coisa que incomoda é a trilha sonora. Presença constate e enfadonha.

Mas falemos dos prós: há uma tomada de helicóptero de BsAs muito bonita logo no início do longa. E só. Não consigo lembrar de mais nada.

Entretanto, me recordo de mais um detalhe que achei péssimo. A personagem de Diego Rafecas (isso mesmo: além de dirigir, ele escreveu e interpretou o irmão-razão) é, como dito, professor de filosofia, mas parece desconhecer Schopenhauer, o sujeito que propôs a junção do Oriente com o Ocidente, em seu "O mundo como representação". Ataca a religião com argumentos-clichês, mas nem suspeita o que é fé. Uma caricatura, como a maior parte do filme.

ps. de três dias depois: lembrei de outro pró do filme: Julieta Cardinali.

terça-feira, 11 de julho de 2006

5 x 2

Continuando a maratona de cabines, hoje foi a vez de “O amor em cinco tempos”, do francês François Ozon, queridinho de alguns comparsas. Admito que vi quase nada dele, só “Oito mulheres” e achei divertido – nada além. Não conferi “Swimming Pool” nem “Sob Areia”, os mais famosos.

A história, como sugere o nome, é sobre os diferentes momentos do relacionamento de um casal, indo da ruptura até o momento que eles se conhecem – nesta direção, ou seja, do fim ao início. A montagem invertida, que poderia ser um artificialismo gratuito, funciona muito bem sob dois aspectos:

1) a mudança da maneira como encaramos as personagens. Inicialmente detestamos Gilles, por suas atitudes machistas e chauvinistas. Depois, os nossos sentimentos mudam, não porque as ações de Gilles se justificam, mas porque Marion age de maneira mais, digamos, egoísta;

2) a diversidade do humor do espectador durante a projeção. Por começar logo com o fim do relacionamento, sentimos a acidez entre os dois. As imagens são claustrofóbicas, frias, nervosas. Com o passar do tempo (inverso), voltamos a uma festa em casa, ao parto do filho do casal, ao casamento, ao primeiro encontro. As cenas ganham cores a cada fim de seqüência. O fim-início é quase bucólico. Tal sentimento, aliás, não é novidade nem no cinema francês. Lembrai de “Irreversível”, que lida exatamente com o mote de “o tempo apaga tudo”.

Mas Ozon faz bem o jogo de inversão. No início-fim, temos aversão física por Marion, porque ela está acima do peso. Percebemos também como Gilles está acabado físico-emocionalmente. Depois acompanhamos a melhoria das formas de ambos e, ao fim-início, vemos como os dois eram jovens e bonitos. Mesmo detalhes como o uso de músicas italianas ficam inexplicados até quase o fim. Mas tudo se encaixa como um jogo de quebra-cabeça. Só que emotivo. Talvez, quem sabe?, romântico. Definitivamente um bom filme.

segunda-feira, 10 de julho de 2006

Finalistas

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A Copa de 2006 me lembrou - e muito - a de 1990. Disse isso em voz alta anteontem e ninguém concordou comigo. Mas ainda acho que é isso mesmo. Média de gols ridícula, Alemanha vencendo na Itália, Itália vencendo na Alemanha. Times europeus mandando. Zagueiros e volantes como os craques do campeonato. Um ídolo em decadência, mas dando um caldo (Maradona lá, Zidane cá). Brasil fazendo muito feio. Enfim, similaridades.

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A final foi irônica. O pênalti - que não existiu - cobrado por Zidane na trave superior bateu no chão, dentro do gol. O pênalti perdido por Trezeguet bateu na trave superior e no chão, fora do gol. A penalidade para a França foi cometida pelo zagueiro Materazzi, o autor do gol de cabeça da Itália. Trezeguet é argentino de nascença - a nacionalidade do trio de arbitragem. E de Camaronesi, da Itália. A França precionou do início do segundo tempo ao fim da prorrogação. A Itália nunca havia ganho uma disputa de pênaltis na história das Copas. Zidane, autor de dois gols de cabeça na final de 1998 contra o Brasil, a usou para outro fim. Materazzi, aliás, foi quem recebeu a cabeçada não-futebolística. Enfim, ironias.

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Zidane é um craque. O melhor que passou pelos campos alemães. Mas, é inegável que ele é, digamos, cabeça-quente. Jogou a primeira partida e tomou um cartão-amarelo. Jogou a segunda e tomou o segundo, foi suspenso do terceiro jogo. Voltou no quarto, recebeu outro cartão-amarelo. Só não recebeu outro no quinto porque o jogo foi contra o Brasil. Aliás, a França só foi vice-campeã porque pegou a baba Brasil para empolgar.

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Nota mental para o próximo mundial: nunca aposte em zebras na Europa (na África, talvez). Principalmente quando a sua aposta é na eliminação na primeira fase da Itália.

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Curiosidade: 13 dos 23 jogadores da Itália podem disputar a segunda e a terceira divisão do campeonato italiano.

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Questões: Totti jogou ontem? Ribery tem só 22 anos? Ricardo tinha que frangar? Felipão volta?

Sangue e ossos

Hoje foi a cabine de "Consumido pelo ódio", filme coreano-japonês de Yoichi Sai cujo maior chamariz para os ocidentais médios é a presença do diretor-ator Takeshi Kitano no papel principal. Para os orientais, é a adaptação do livro "Chi to Hone" de Sogil Yan que, segundo o email da assessoria, foi disputado a tapa pelos produtores japoneses.

A história, entretanto, não é exatamente original - mesmo que esse conceito seja impossível de se alcançar. Se não, vejamos: homem violento e machista usa da força física para conseguir tudo o que quer, seja sexo, dinheiro ou, mais amplamente, poder. Vale ressaltar também que a obra original é uma versão da própria biografia de Sogil Yan. Poderíamos lembrar de algo parecido em, por exemplo, "A cor púrpura". Mudando, apenas, as características externas: se havia neste a dicotomia bracos x negros, naquele há japoneses x coreanos - com as mesmas características de preconceito e submissão de um lado para o outro.

Claro que isso não importa muito. O filme é um épico. Narra a história de Shunpei Kim, um coreano que emigra para Osaka na década de 1920 procurando melhores condições de vida e não deixa que nada o impeça de alcançar o seu objetivo: ser rico. É uma trama encorpada, com um protagonista do tipo durão-cruel, há tempos distante das telonas. Há cenas memoráveis, como a luta entre Kim e seu filho mais velho na chuva, o corte do porco, a alimentação "fortificantes" de Kim entre outras. A produção é impecável, vivemos o crescimento de uma pequena cidade japonesa ao longo do século XX. O pano de fundo é interessantíssimo, mostrando a relação entre os japoneses e os coreanos. Se não fosse pela música, ora exagerada, ora melosa demais, ora forçando uma emoção desnecessária, poderíamos dizer que é um grande filme.
"Sempre me interessei por política e agora que surgiu a possibilidade de interferir diretamente na cena, não vou recuar. Está oficializado a minha candidatura a Deputado Federal pelo PFL sob o número 2543. O PLF está alinhado com o PSDB, com Serra para o governo de São Paulo e Alckmim para a presidência, e apesar de seu passado conservador vem buscando uma renovação e tem sido um dos mais ferozes opositores do governo Lula. Há muito o fazer pelas artes no Brasil e este será meu principal foco. Vamos tomar o que é nosso! Agora é nossa vez!"

Quem vai duvidar de você, Paulo Ricardo?

sexta-feira, 7 de julho de 2006

Durante toda a Copa, torci para um time nos jogos. E agora? Para quem eu torço na final? Já vi milhares de motivos para torcer por um e/ou por outro. Mas, admito, estou confuso. Se fosse optar pela tradição de família, três dos meus quatro sobrenomes - Pelli, Gomez e Rosa - me fariam torcer, óbvio, pela Itália. Mas, sei não. Acho que um craque como Zinedine Zidane merece ser bicampeão mundial. Porém jogadores fora-de-série como Maradona, Romário e outros nunca alcançaram essa dádiva, seria, portanto, injusto. Entretanto, se a Itália vencer, ela se torna tetra... Enfim, estou dividido.
"Como diz o ex-líder do governo Fernando Henrique Cardoso na Câmara, deputado Arnaldo Madeira (PSDB-SP): 'A verdade é que o mandato presidencial no Brasil é de 8 anos, com um referendo no meio. Um presidente só perde a eleição se seu primeiro mandato foi um desastre. O normal é ele receber um aval para continuar seu mandato por mais quatro anos'".

Concordo, Ilimar.

O fim da rede

A internet vai morrer. Ou melhor, acabar do jeito que nós a conhecemos. Hoje, navegar pela internet é quase um ritual. Seja ligando o computador, seja clicando no ícone do discador, seja mesmo sentando em um lugar específico da casa - estou desconsiderando a pequena parcela de pessoas que acessam de terminais remotos.

Mas é aí, exatamente, que mora a minha teoria. Não necessariamente nos terminais remotos - mas bastante neles -, porém na possibilidade de acessar a internet em qualquer eletrodoméstico, no futuro. O que eu escrevo neste exato momento é um clichê impressionante para os estudiosos do gênero. Mas, como tive o estalo, sozinho, num dia qualquer, resolvi registrar a idéia para melhor entendê-la.

Voltando. Imagine que poderemos acessar a web pela TV daqui a pouco. Para ser mais preciso, antes de sete anos. É o prazo para a instalação da TV digital no Brasil. No Japão já é realidade para 75% da população.

Isso fará com que ninguém mais entrará na internet para, sei lá, acessar o orkut. Se quiserem ver a página pessoal de alguém, eles pegarão o telefone e clicarão no link específico. Ou sacarão um palm, um blueberry, ou uma tela de cristal líquido com conexão wi-fi, ou qualquer coisa do gênero.

Os portais mudarão de cara. Ninguém mais vai querer saber na mesma página de CPI, Copa, Novela das oito se a sua única intenção é se informar sobre cinema. Os grandes sites serão personalizados.

Provavelmente não haverá material jornalístico produzido para a internet, porque tudo será a rede. Ou seja, a TV será a rede, o jornal, o rádio... Qualquer outro meio convergirá para a internet.

Aumentará o número de páginas pessoais e estas crescerão de importância - apesar de se diluírem pela web. A palavra escrita tende a escassear. Com a banda alargando, para que os internautas vão gastar tempo lendo se podem acessar o vídeo? Exemplo disso é o Youtube.

Aliás, o Youtube me faz raciocinar que ninguém mais vai precisar baixar qualquer arquivo da rede. Ela vai estar em algum lugar, basta encontrá-la e ver/ouvir/ler. Essa idéia eu já escutei de outra pessoa.

Enfim, poderia, eternamente, citar meus devaneios futurísticos. Mas teriam todos o mesmo raciocínio. A idéia é essa. Quem já tinha que compreender, já entendeu.

quarta-feira, 5 de julho de 2006

Branco, o nosso ex-lateral grosso:

''Não dá para deixar o Zidane dar dois chapéus em um jogo como aquele. Se fosse comigo, eu jogaria ele na placa de Coca-Cola"

terça-feira, 4 de julho de 2006

Momento umbilical

Origen: Germano
Significado: Gobernante glorioso
Personalidad: Sus sentimientos están coloreados por la fantasía y la imaginación. Apasionado por una persona o por un objeto no descansa hasta poseerlo. El fuerte sentido de justicia que posee le hace ver todos los lados de una cuestión, de tal manera que, es difícil que llegue a tomar una decisión. La autocrítica y un sentido del humor muy especial es utilizado con gran frecuencia en su ambiente cotidiano familiar.

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Significa o que governa com mistério e indica uma pessoa que faz tudo com muito capricho e inteligência.É muito elogiado por isso, embora não costume tomar conhecidas suas realizações. Aliás, ser discreto em tudo o que lhe diz respeito é outra das suas características