terça-feira, 16 de outubro de 2012

O que Nietzsche proporia na atualidade?

Uma das maiores ironias históricas sobre Nietzsche é que hoje, mais de século após a sua morte, podemos sugerir que, talvez, finalmente, chegou o seu tempo. Ele que dizia, meio marotamente, meio sentido, de que vivia fora daquele momento histórico, poderia agora encontrar uma boa parte da população agindo de acordo com as suas sugestões mais famosas.

Claro que não é toda a sociedade, e é também fácil encontrar quem se comporta exatamente como ele descrevia e criticava os seus contemporâneos. Igualmente haverá quem diga que Nietzsche era tão contraditório que sempre teria conseguido representar uma parcela, mesmo que pequena, desses habitantes estranhos da Alemanha, e Europa, da segunda metade do século XIX. Mas o meu ponto é outro, mais simples, mais generalista. O que quero defender aqui é que, apesar de hoje fatalmente haver mais diversidade, podermos dizer com segurança que ao menos uma de suas facetas mais conhecidas está bem representada. Podemos encontrar mais frequentemente um certo imediatismo, uma materialidade. Podemos ver o fim da tradicional metafísica que divide todos os aspectos em dois, como forma e conteúdo, alma e corpo, objetos sensíveis e objetos ideais. Agora, comprova-se diariamente aquela famosa frase [do Verissimo?] de que no fundo, tudo é raso.

Suponho e sugiro ainda, por exemplo, que isso, essa representação [só para usar uma expressão que ele evitava, para dizer o mínimo], esse reflexo do pensamento nietzschiano na sociedade ocorra principalmente com relação ao "regret" [vou deixar em inglês porque acho que tem um significado mais maduro que a sua corrente tradução "arrependimento" ou "remorso"]. Há uma parcela considerável da sociedade, principalmente os mais jovens, que vivem cada vez mais no aqui e agora, sem se importar com o que passou nem fazendo planos para o futuro.

[Ocorre-me agora que essa impetuosidade talvez seja uma característica da juventude; mas, ao mesmo tempo, o grau de "instantaneidade" - chamemo-la assim - atinge, suspeito, níveis recordes.]

Além do mais, há uma valorização da cultura jovem, como - isso, certamente - nunca aconteceu antes. Portanto, essa "inconsequência", essa "instantaneidade", se estende além dos "teenagers" - ou os "teenagers" não respeitam mais a sua filologia.

De toda forma, esse comportamento "presencial", apenas e exclusivo, cria problemas que Nietzsche não deve ter pensado [eu, ao menos, nunca li nada nesse sentido] por tão distante da sua realidade.

A busca pela satisfação imediata mina a paciência e o espírito de construção. Acaba com a memória - que já foi totalmente terceirizada em tempos de popularização da internet - e desvaloriza [ou "transvaloriza", para ser bastante nietzschiano nesse momento] elementos sociais seculares, como a História ou as Artes. Tudo é descartável e os objetos, mesmo os mais diferentes, se equivalem, já que não há comparativo com o que já foi. O que vale é sempre o agora, ou, no máximo, o que virá. A regra, portanto, seria: o próximo, independentemente do que seja, é melhor que o atual.

O crítico a essa minha interpretação pode argumentar que nenhum desses signos que eu citei como obsoletos importam verdadeiramente quando o assunto é a busca do prazer. É verdade, o caminho que se leva para chegar ao prazer é individual. Talvez, todavia, eu esteja propondo um outro caminho, que seria da, na falta de palavra melhor, da "felicidade". E "felicidade", da maneira como eu vejo, tem elementos misturados, da busca imediatista do prazer, e a noção tempo-espacial do ser.

Somos e estamos no mundo. Não uma coisa ou outra, mas as duas, concomitantes, misturadas [e cabe um "salva" para o português, esse idioma que tem essa distinção].

Talvez haja um outro conselho de Nietzsche para esse nosso momento, para essa junção de conflitos. É a sua proposta de pensar os díspares, os dois lados extremos da questão. Não poderia concordar mais.

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