sexta-feira, 3 de maio de 2013

As tristes músicas alegres: representações

É comum que um amigo me diga que tal música que eu gosto muito é triste. E que tal outra é ótima para a pista. E que ainda outra é de uma beleza assombrosa. E eu discordar de tudo. Ou de parte. Ou concordar completamente. Não há qualquer regra fixa para a transmissão de sentimento, a partir de uma experiência pessoal. E esse caso ainda é mais complexo quando se trata de música. Principalmente para alguém, como eu, que nunca repara em letras.

Se considerarmos as artes plásticas pré-abstração, por exemplo, fica mais "fácil" saber o sentimento que tal obra passa. Se pegarmos um quadro como "O grito", do Munch, por exemplo. A expressão do personagem principal, central, com as mãos segurando o rosto, com as curvas ao fundo se distorcendo, como se fossem ondas sonoras, podemos imaginar que ele está... com dor de dente.

Mesmo que consigamos ver o desespero do personagem, à beira de um cais, com o mundo se desfazendo atrás dele, essa interpretação pode variar um pouco - ou muito.

O mesmo acontece com uma peça de teatro. Vivenciamos os sentimentos do personagem em uma tragédia, assim como gargalhamos com as piadas de um cômico. Mas uns acham tal e tal peça e ator mais ou menos engraçado. O mesmo com filme. Eu sou um dos únicos que conheço que não chorou por "Dançando no escuro". Todo mundo ficou tristíssimo com a história da imigrante quase cega nos EUA interpretada pela Björk no filme do Lars von Trier. Eu fiquei chocado, claro, mas também um pouco entediado. O acúmulo de sofrimento me fez perder a atenção.

Na música, especificamente, essa "representação" dos sentimentos é ainda mais complexa. Quando há letra, e as pessoas reparam nela, ainda se passa alguma informação mais diretamente: a música se inclina a dizer ou passar essa ou aquela sensação. Mas sempre temos que levar em conta o fato de muitas vezes a letra e a música serem feitas por pessoas diferentes. E o caso de letras não quererem dizer nada, objetivamente, além de se tornar um caminho para a voz virar um instrumento. Agora, imaginem, músicas sem letras.

Há casos em tempos passados em que se falava de acordes demoníacos. Se tocasse tal acorde o próprio coisa ruim aparecia. Eram proibidos. Algumas combinações também eram descartadas, porque não eram permitidos pela lógica musical. Mas hoje em dia, tudo é permitido, e quase nada é explorado na música pop [o que não é nenhum problema].

Também não se pode desconsiderar os fatores sociais envolvidos na questão. Alguém que conhece música, e toca música para os outros, sabe mais como tal e tal música se comporta em um determinado ambiente - em geral. Músicas com maior BPM geralmente animam a pista, assim como tocar um grande sucesso pop em determinadas festas mais alternativas é certeza de que chegou a hora de buscar cerveja. E há ainda casos de surpresa. Músicas que sempre funcionam e, repentinamente, perdem o gosto. Apostas em músicas para públicos diferentes. Generalizações feitas indevidamente. E uma infinidades de fatores externos à própria música [ambiente, qualidade do som, quantidade de bebidas, etc.] que também influenciam à sua percepção.

Além disso, pessoas com backgrounds diferentes têm percepções completamente diferentes sobre determinados estilos de música. O normal é que ao ser apresentado a um gênero exótico, o ouvinte vá dizer que todas aquelas músicas se parecem. E, de certa forma, ele está certo, daí elas pertencerem a um mesmo gênero. Só com o tempo, o tempo investido em contato com essa nova forma de expressão, o ouvinte consegue captar os filigranas que tornam uma canção diferente da outra. E isso faz toda a diferença.

Se hipoteticamente pudéssemos isolar uma música num ambiente sem-cultura - o que não é possível, nem é desejável - talvez ela não apresentasse qualquer sensação. Talvez precisemos de um conhecimento dado anteriormente para formular as nossas expectativas. Mas as diferenças entre cada uma das formações pessoais torna a experiência de escutar música, mais do que em qualquer outra arte, única. A música, como diria Schopenhauer, é a única que não dá a sua representação a priori.

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