sábado, 31 de março de 2012

The new gatekeepers



O ativista americano Eli Pariser critica a falta de múltiplas vozes que a internet, depois de nos prometer a liberdade de escolha, trouxe. Vale bastante a pena ver para saber o quanto o processo de decisões são influenciadas pelos sites que costumamos a frequentar.

ps. aqui ele dá dicas do que fazer para se manter mais livres na internet.

sexta-feira, 30 de março de 2012

Restaurantes secretos em Londres

[Reportagem publicada no caderno "Ela", d'"O Globo", no fim do ano passado.]

A descoberta dos restaurante secretos

Pouco antes das 20h de uma sexta-feira, um grupo de pessoas vestindo roupas espalhafatosas, perucas, trajes judeus e carregando bebidas à tira-colo se dirige em sigilo para uma casa aparentemente comum de uma pacata rua de Kilburn, no noroeste de Londres. Tocam a campainha e são recebidos por um senhor usando quipá, e carregando nos braços uma criança. Estão indo celebrar o shabat, mas um shabat diferente, na versão Barbra Streisand, do Underground Restaurant.

Misture a experiência de ir a um restaurante, e todo o requinte de pratos sofisticados, com o conforto e a informalidade de um jantar na casa de conhecidos. Por fim, acrescente uma pitada de mistério – só recebe as coordenadas de como chegar lá quem comprar os ingressos, no valor de £50, pela internet – e você pode ter um pouco do sabor do que é o Underground. Mas todo esse processo não afasta os convivas, pelo contrário. Na noite em questão, em pouco tempo os desconhecidos se tornaram melhores amigos, tirando fotos juntos, bebendo dos vinhos uns dos outros, cantando junto as músicas de Streisand. O clima é de festa. 

Rodgers, no salão de sua casa, recebendo
estranhos que viram amigos em instantes

"A coisa que mais me surpreendeu quando eu comecei foi que as pessoas queriam conhecer outras pessoas. Então, eu comecei a fazer grandes mesas misturadas. Você não pode reservar uma mesa para dois, por exemplo", conta Kerstin Rodgers, que comanda a cozinha, a casa, e todos os eventos sob a marca Underground, além de ser uma grande incentivadora desse tipo de restaurante.

Nessa oportunidade, o menu incluía bastante da culinária judia nova-iorquina com influência eslava. Começou com vinho kidush e chalá, e a benção do rabino. Passou pela entrada com salmão defumado, rollmops, vários tipos de picles e bagels, além de borche para os vegetarianos. Adentrou o principal com tcholent e ovos hamine. Teve fôlego para a sobremesa com cheesecake de Nova York, quíguel de canela, matzá de chocolate branco, e terminou com a reclamação do vizinho pelo altos brados dos convidados que imitavam a diva.

Com uma frequência incerta, mas em torno de dois eventos por mês, ela recebe desconhecidos na sala de sua casa vitoriana, e os alimenta com cinco a seis cursos diferentes de um jantar temático e muito bom-humor. Já houve homenagens a Elvis Presley, um evento começando a meia-noite só com alimentos que fossem pretos, uma noite temática das arábias, e outro com um menu só pratos que tivessem flores. 

A origem do apelido de Rogers
Fora os jantares, Rodgers também organiza chás, o secret garden clubs – onde há workshops culináros – e, mais esporadicamente, o Underground Market. Neste é possível encontrar alimentos direto de pequenos fazendeiros, produtos artesanais e barracas de comidas que fogem do lugar-comum de outras feirinhas tradicionais, além de ser a oportunidade para escutar música intimista, em um lugar completamente diferente dos endereços dos mercados mais conhecidos. Tudo mantendo a mesma aura de mistério e quase sociedade secreta. 

Nenhum desses eventos, contudo, é exatamente legal. Apesar de Rodgers se preocupar constantemente com higiene, segurança e não vender álcool – que é bastante controlado pela legislação inglesa – ela não tem qualquer licença para funcionar. Em seu livro “SupperClub, recipes and notes from the Underground Restaurant” [algo como “Clube da refeição, receitas e notas do restaurante Underground”], ela conta que instrui as pessoas a cantar parabéns caso sejam interceptadas pela polícia no meio da noite. De qualquer forma, ela diz já ter recebido agentes da lei entre os seus convidados, sem qualquer sobressalto. Os maiores problemas foram com o metrô de Londres, conhecido também como Underground, que quis processá-la por usar tal palavra na sua marca. Ou com a Warner Bros, que a ameaçou por conta de uma noite temática sobre Harry Potter.

Mais conhecida na internet como Ms. Marmitelover, ela começou a trabalhar como fotógrafa para publicações como a “NME”, mas afirma que sempre se via cozinhando onde quer que estivesse, para quantas pessoas fossem. Inclusive em manifestações antiglobalização nas reuniões do antigo G-8, cafés vegan cooperativos, e até em uma conferência em Belgrado onde ela diz ter servido 450 “sindicalistas sérvios, punks alemães e filósofos franceses”. 

Convidados vestidos a caráter para a homenagem à diva

Ela abriu o seu restaurante-secreto em 2009, no período de crise da Europa, após ter experimentado os “paladares”, em Cuba – que seguem um esquema parecido – e ouvir sobre as experiências com os “supperclubs” norte-americanos e os de Buenos Aires. Quase três anos depois do início do seu empreendimento, essa senhora que ama Marmite (uma pasta salgada à base de extrato de levedura de cerveja, muito usado na Inglaterra no pão do café-da-manhã) foi escolhida como uma das personalidades mais importantes de Londres por um jornal local.

Rodgers talvez seja a mais conhecida das chefs caseiras, mas não é a única, nem mesmo foi a pioneira dessa onda em Londres. Este posto cabe a Horton Jupiter, com o seu Secret Ingredient, que abriu três semanas antes do dela, em janeiro de 2009, com Rodgers presente e já anunciando o seu empreendimento. Além deles, há ainda vários casos e formatos de restaurantes secretos. Desde o chique e caro comandado por Jo Wood, ex-mulher do Rolling Stone Ron Wood, até o de grandes nomes da cozinha, como o português Nuno Mendes, que já trabalhou com Ferran Adrià no El Bulli, e hoje testa suas invenções no Loft, para aplicar em seu estrelado restaurante, o Viajante. A tradição teria começado ainda na década de 1930, onde se conta sobre casos de clubes de jantares experimentais em Londres no prédio modernista Isokon, onde a escritora Agatha Christie e o escultor Henry Moore seriam frequentes.

Aliás, o Brasil faz parte do passado em comum dos dois pioneiros dessa nova onda de restaurantes secretos. Eles se conheceram em uma “banda de samba” – como ela denomina – chamada Rythyms of resistance. Rodgers conta que adora música brasileira, já visitou o país, e ficou encantada com o carnaval do Rio, de Ouro Preto, e com as frutas tropicais. Já a o nosso mais típico prato...

“Comida brasileira? Hum, não gostei. Especialmente para uma pessoa que não come carne. Feijoada e aquela farinha que quebra seus dentes não são para mim.”

quarta-feira, 28 de março de 2012

Clubes privados em Londres

A Inglaterra - e Londres não poderia ser diferente - é um país baseado em uma aristocracia. Algumas pessoas são mais que outras, em algum aspecto, simplesmente porque nasceram em determinada família. Isso não quer dizer, porém, que a monarquia, em si, seja menos democrática que a república. Como já bem disse um amigo meu -dos que são mais inteligentes que eu- se pegarmos os países europeus que ainda são monarquias e compararmos com o restante do planeta, eles vão parecer infinitamente mais democráticos. Pense apenas que a maioria das monarquias aqui por esses lados fica ali no lado nórdico.

De toda forma, o monarca nesses países -ou ao menos aqui no Reino Unido-, apesar de toda a pompa, sempre se comporta como um servo dos seus súditos -como, aliás, deveria se comportar qualquer autoridade pública, que ganha o dinheiro do cidadão comum. Aqui na Inglaterra, ainda há a diferença que, segundo ouvi, a família real não recebe um real dos cofres públicos. É autossustentável. Ou seja, é só bônus sem ônus [generalizado, ok, generalizando...].

De qualquer forma, essa tradição elitista é sim bastante comum na Inglaterra -mesmo na cosmopolita Londres. Acho que a tal "fleugma" inglesa, tão propagada, tem uma de suas possíveis origens daí. O inglês se acha tão superior que não precisa se misturar com a plebe. E, quando se mistura, tem a certeza absoluta de que, por conta de sua superioridade nata, não vai ser contaminado.

Mesmo assim, é melhor evitar. Sabe como é, né. Vai que... Assim, Londres -e, eu imagino, toda a Inglaterra, e também, por consequência, os países colonizados por ingleses*- é lotada de clubes privados. "Clubes privados", a expressão, me lembra apenas uma coisa: "Eyes wide shut" e o seu baile de máscaras.

Porém, os clubes privados não são iguais entre si, nem necessariamente iguais à sequência final do derradeiro filme de Kubrick. Ou não são apenas. Aqui na minha esquina, há um, o Lyndhurst club, que se autointitula, "The Largest Japanese Gentleman's Nightclub in London" onde é possível tomar um uísque Macallan 25 anos por apenas £ 450. Ok, é caro. Melhor ficar mesmo com Jack Daniels, por £ 100. É melhor deixar claro, todavia, que eu nunca vi ninguém usando máscara nas ruas. Eles anunciam, contudo, karaokês lá dentro, com mulheres "selecionadas" [se o googletranslate funcionou direito], claro.

Outro exemplo: está rolando uma exposição com as fotos do clube da Playboy, aqui de Londres, que se vende como um espaço para se relaxar, tomar uma bebida, comer algo, conversar com os amigos, fumar um charuto e jogar. Ou seja, nada diferente até o fato de as crupiês serem coelhinhas da Playboy vestidas a caráter [veja acima].

A foto de divulgação da exposição, como se vê abaixo, é a dos Beatles com o Maharishi Mahesh Yogi e um grupo de pessoas apenas conversando. Além desse grupinho intrépido, a exposição chamada apropriadamente de "Sorry You Missed the 60’s" conta com fotos de Grace Kelly [não é um espaço só para meninos, veja só], Winston Churchill e o escritor Somerset Maugham [que devia estar bem velhinho, porque morreu aos 91 anos em 1965].

Confere o parágrafo anterior, por favor, para saber o que acontece na foto
Fora isso, "The London Magazine", que, por algum acaso, nós recebemos de graça, vem com uma reportagem de capa sobre os novos clubes só para sócios de Londres. Descreve oito diferentes espaços que podem custar de meros £ 40 por mês, no caso do Hub King's Cross, que é quase um lugar para se trabalhar, à bagatela de £ 20.000, de joias, mais a anuidade de £ 1.000, no 5 Hertford Street, que fica atrás da embaixada da Arábia Saudita [não deve ser uma coincidência] e promete privacidade com P maiúsculo. Não deve ser, mesmo, uma coincidência.

Um dos mais... hum... interessantes é "The Arts Club", que diz ter sido fundado em 1863, e ter tido entre os seus participantes gente como Charles Dickens e Rodin, além de hoje em dia ter como convivas Gwyneth Paltrow, Stella McCartney e, como DJ, Mark Ronson. Fazer parte é mole. Basta pagar £ 1,5 mil, para se juntar, depois, £ 1,5 mil por ano. Ah, e esperar a fila, que demora hoje cerca de dois anos.

Eu, seguidor da única vertente do Marxismo possível, o groucho-marxismo, costumo torcer um pouco o meu nariz para esses clubes privados, exatamente por serem privados, portanto, de certa forma, aristocráticos, se dando ao direito de não permitir algumas pessoas de entrar e outras sim, baseadas em critérios para lá de controversos. Sigo a máxima do sábio Groucho de que "I don't care to belong to a club that accepts people like me as members". Mas a História, essa senhora irônica, fez mais uma das suas. É possível ser sócio do Groucho Club, especializado em gente de mídia, no Soho.

* No "Midnight's Children", Rushdie inventa um clube em Mumbai onde os indianos poderiam se comportar luxuriamente como ocidentais, em completo sigilo e escuridão. Porém, a cada semana, um dos participantes seria escolhido por uma roleta e revelado para os demais, com o intuito de aumentar o sentimento de aventura dos participantes.  

terça-feira, 27 de março de 2012

Igreja Universal tenta transformar cinema histórico de Londres em templo

O cinema EMD Walthamstow, no nordeste de Londres, tem um passado incomparável. Foi construído em Art déco em 1887, oito anos antes dos irmãos Lumière fazerem sua primeira projeção pública, para ser um espaço de dança, shows e peças. Depois de já transformado para os filmes, na década de 1930, foi o provável cinema preferido do adolescente Alfred Hitchcok, que crescia num bairro vizinho. Mais tarde, serviu de palco para bandas e cantores tão diferentes quanto relevantes como Beatles, Jerry Lee Lewis, Rolling Stones, Kinks, Little Richard, Who, Chuck Berry e Buddy Holly.

Já o seu presente, pode ser, sim, comparado com, ao menos, outros dois cinemas de Londres e inúmeros outros no Rio e no Brasil: pertence à Igreja Universal do Reino de Deus e periga virar o espaço para outro tipo de veneração. Desde 2003, quando a igreja, conhecida na Inglaterra pelo acrônimo em inglês UCKG, comprou o espaço, ela tenta mudar legalmente o uso do prédio e ter autorização para reformá-lo. Desde então, seus pedidos foram negados pelos representantes da prefeitura. Mais uma decisão está programada para sair em junho. Mas, caso perca, a igreja poderá iniciar novamente todo o processo.

Tapumes e andaimes escondem a fachada do cinema, que nos áureos tempos era assim.

- Como eles são os donos do imóvel, eles têm o direito de fazer quantos pedidos quiserem –, explica Gerri Ellis, um dos organizadores do movimento Save Walthamsow Cinema, que começou exatamente em 2003, para salvar o único cinema e impedir que Walthamsow continue com o terrível título de único bairro em Londres sem qualquer espaço para a projeção de filmes. – Nos primeiros anos, houve apenas uma pequena campanha, porém com o passar do tempo, e com esse prédio tristemente abandonado na rua principal, mas ainda assim lindo, as pessoas começaram a se perguntar por que alguma coisa não estava sendo feita.

A comunidade parece apoiar o grupo que quer salvar o cinema
A campanha ganhou o apoio de gente de renome, como Mick Jagger, o filósofo pop Alain de Botton e a deputada Stella Creasy. A parlamentar argumenta, por exemplo, que o prédio é o último cinema construído pelo designer russo Theodore Komisarjevsky em todo o Reino Unido que ainda não foi demolido ou transformado em bingo, supermercado ou academia. Mais recentemente o rapper Professor Green entrou na batalha ao dizer a um jornal local que Londres estava “perdendo muitos cinemas” e que esse específico era um dos mais bonitos. Entre essas perdas mencionadas por Green estão dois outros imóveis, também comprados pela Igreja Universal e transformados em templos, o Rainbow Theatre, no bairro vizinho de Finsbury Park, e The National, no noroeste de Londres, em Kilburn Park.

O imponente Rainbow, que na época da sua construção, nos anos 1930, era um dos maiores cinemas do mundo, é uma espécie de sede da Igreja Universal em Londres. Ficam lá os bispos e pastores que, por exemplo, tomam conta das obras de manutenção do Walthamstow. Confrontados pessoalmente sobre o assunto, eles disseram que se posicionariam por email. Mas apesar do contato com a relações públicas da instituição, as perguntas enviadas não foram respondidas.

Operário que quase não falou
 porque estava com medo
O prédio onde o jovem Hitchcock pode ter visto seus primeiros filmes vive hoje atrás de andaimes, ostenta uma árvore não planejada no telhado e tem um grupo de operários portugueses e romenos que tentam evitar o pior. Um desses operários, que não quis se identificar, porque, segundo ele, tinha sido instruído por pessoas da igreja a jamais conversar com jornalistas, falou que, quando recebeu encomendas dias antes e eles tiveram que abrir a garagem, o lugar ficou cheio de curiosos.

- Eu pedi às pessoas para saírem. O departamento de segurança de obras de Londres não deixa ninguém que não seja ligado diretamente à reforma ficar lá dentro – explicou, antes de insistir que não podia conversar muito porque tinha medo de perder o emprego. – Um dia, um senhor já idoso que mora por aqui veio me dizer que desde que inventaram a TV, esse cinema nunca mais foi o mesmo. Eu concordo com ele. Já não é mais possível existir cinemas desse estilo.

Não é o que o pessoal da campanha para salvar o espaço acha. No site criado para atualizar informações sobre a ação, eles enumeram diversos casos de ressurreição e sucesso de cinemas antigos, grandes e, aparentemente, obsoletos. Para que o EMD Walthamstow tenha esse destino, eles estão arrecadando dinheiro para tentar recomprar o cinema. Basta saber se a Igreja vai querer revender.

segunda-feira, 26 de março de 2012

Dobra na história

Alguns amigos meus, mais inteligentes do que eu, costumam ralhar ante à ladainha que ouvíamos na faculdade sobre pós-modernidade. Por um lado, eles estão completamente corretos, houve - ou havia - uma supervalorização do termo e de tudo o que o envolvia. Porém estou tendendo a discordar com relação ao fato de que não estaríamos vivemos em uma era em que ocorre uma nova dobra no que ficou convencionado chamar História. Como vamos chamar isso, ainda não sei, mas é possível enumerar algumas evidências para sustentar o argumento.

falei sobre como a arte mudou o seu paradigma prioritário, que norteou a produção desde o fim do século xviii. Saiu da busca quase santificada pelo "novo", para o diálogo, digamos, remixado, com a tradição.

Outra mudança significativa e evidente se dá em relação ao nascimento e amadurecimento do ambiente virtual. Isso é praticamente irrefutável.

Por fim, no âmbito político-diplomático-nacional, podemos ver o deslocamento, ou ao menos a pulverização, do poder. Se desde o fim da bipolaridade da guerra fria, havia um único modelo - e bipolaridade essa que foi um ponto fora da curva de toda a tradição eurocentrista que vigora, no mínimo, desde o século xvi, com mais ou menos intensidade - porque, o que são os EUA, se não uma extensão do pensamento europeu? Nesse novo tempo, há o aparecimento de um novo player que durante milênios construiu uma das civilizações mais sólidas que se tem registro.

De toda forma, um desses meus amigos mais inteligentes que eu -praticamente todos são- costuma dizer que esse pensamento de "uma nova era" é comum a todos os homens, em todos os períodos históricos -eu acrescentaria, desde o famoso fim do século xviii, que iniciou a ganância pelo "novo".

Eu acrescentaria ainda que, como em outros aspectos envolvendo o conceito de tempo, este também é uma questão de crença. Se você acredita, encontra as justificativas. Se não, não enxerga obviedades.

sábado, 24 de março de 2012

Sísifo feliz

Às vezes me vejo repetindo o trabalho de Sísifo. Empurrando uma pedra para cima do morro sabendo que ela vai, irremediavelmente, cair. Às vezes, não é nada prazeroso escrever. Minha cabeça avoa em outras direções, meu texto fica ralo como um caldo de galinha, e eu apenas coloco uma letra após a outra, uma palavra e outra, mas, em nenhum momento, escrevo-escrevo. Sinto um gosto amargo, não na minha língua, onde deveria ser, mas na minha cabeça, especificamente na minha nuca, quando releio o que acabei de colocar nesse papel virtual. É o gosto de saber que não está bom, da decepção comigo mesmo, de sentir um desperdício, de perceber que em alguns momentos eu fraquejei e tomei o caminho mais fácil, um atalho. É o gosto do arrependimento, do poderia ter sido melhor. Não será o atalho que vai me levar ao topo – nesse topo que só existe para a pedra escorregar novamente, passar por cim de mim, e descer pegando velocidade para o lugar mais baixo da planície. Outra vez. Por que, então, continuo, por que, então, não paro e simplesmente faço outra coisa? Porque é necessário. Porque eu tenho que fazer. Escrever nem sempre é prazer, percebo agora depois de já ter passado por bons e maus bocados. Nem sempre é felicidade, alegria, nem sempre é uma vontade. Há a subida do morro, e a subida não é súbita, é demorada como um tortura, uma tortura autoimposta. Por que continuar? Porque a vida nem sempre é feita de situações prazerosas. Se nos mantivermos onde estamos, aquele prazer se esvai, some pelas frestas do chão e o que sobra é um corpo oco. Ou quando você para de se movimentar, percebe que não é só o seu corpo que para, mas a sua cabeça também. Eu, que nunca fui de esportes, percebo, agora, no fim da minha vida, que devo continuar. Pegar fôlego, e continuar a empurrar a pedra. E me imaginar como um Sísifo feliz.

sexta-feira, 23 de março de 2012

Penderecki & Jonny Greenwood, ou introduções a atual música erudita

Há três formas de introduções para esse texto:

1ª - a metáfora do "comfort food":

Eu sou um grande fã de comida, o que os ingleses chamam de "foodie" - acho que ela pode dar prazeres que apenas outras "artes" conseguem. Como em outras áreas, na culinária há a zona de conforto. No caso, há até algo mais direto, o "comfort food", quando o chef só prepara pratos que são extremamente conhecidos dos glutões em geral, e nada que vá causar estranhamento. Saca medalhão com arroz a piamontese da Parmê? Por aí. Eu gosto, entretanto, de tentar, vez por outra, experimentar algo que me faça repensar, que me surpreenda, que seja completamente diferente do que eu já comi antes. Num primeiro momento talvez não seja fácil, mas quando se tem coragem e se passa da barreira do "esquisito", pode-se ter contato com um novo mundo, completamente diferente do que você conhecia anteriormente. O mesmo, claro, acontece com outras formas de expressão, como a música, por exemplo.

Penderecki, o maestro Marek Mós, que conduziu a orquestra
 para Greenwood, e Jonny, enquanto mexia no cabelo.

2ª - a vantagem londrina:

Agora que o Brasil, ou ao menos São Paulo, virou destino quase certo das grandes e médias bandas internacionais, não é tão doloroso perder shows como o do Radiohead [que vai tocar aqui no mês seguinte de nós irmos embora]. Mesmo que eles tenham lançado um novo disco, que, mais uma vez, inova no que eles já faziam, eu já posso dizer para mim mesmo que já vi uma apresentação deles -aquela, apoteótica, na Apoteose. As vantagens de Londres, para mim, são: 

a/ poder assistir a um show inteiro, como aconteceu com a Florence, com toda a orquestra, e não apenas o núcleo do pessoal da Machine. 

b/ ter contato com bandas que, de tão pequenas, ainda não fizeram sucesso fora daqui, ou talvez nunca façam, como foi o caso do Ma'Grass

c/ e poder conferir os trabalhos paralelos de nomes já estabelecidos da música, como foi o caso do projeto do Long Count, dos irmãos guitarristas do National. 

E como aconteceu, de novo, agora, com a apresentação ontem das "48 responses to Polymorphia", projeto de música erudita capitaneado pelo guitarrista do Radiohead Jonny Greenwood, em homenagem ao compositor polonês Krzysztof Penderecki.


3ª - A volta à tradição:

Desde o início da modernidade, houve uma perseguição quase ditatorial a um aspecto da vida, como uma utopia, como se ela fosse realizável: o novo. E a arte, como era de se esperar, não ficou à parte disso. Esse empuxo culminou nas vanguardas do século xx, que simplesmente quiseram acabar com a representação em todos os seus aspectos. Esse papo é longo, e não cabe aqui, mas para exemplificar, pense no abstracionismo das artes visuais. Claro que a música não ficou de fora, e nasceram novos formatos, como a música concreta e a eletroacústica, por exemplo.

Penderecki é um desses compositores - nem tão novos, ele tem 79 anos - que tentaram extrapolar os limites que a música se autoimpunha. Em suas músicas não há um caminho fluido óbvio que nossos ouvidos devem acompanhar, como acontece com outras músicas -eruditas ou não. São sucessões de climas, muitas vezes sinistros, assustadores, que conseguem nos matar de medo, e nos inundar de uma sensação única, nova, estranha, diferente do que você estava acostumado. Suas músicas ficaram conhecidas porque foram usadas em filmes como "O iluminado" e "O exorcista", mas seu estilo não é facilmente palatável. Fiel à ideia de vanguarda, ele transforma qualquer componente em cena - o corpo dos instrumentos, por exemplo - em objeto para se tirar música. Ou pensa nos músicos como bailarinos que dançam de uma maneira específica conforme a nota tocada. É estranho. E é incrível.


Greenwood, por sua vez, resolveu pegar duas das músicas mais famosas de Penderecki, "Polymorphia" e  "Threnody for the Victims of Hiroshima", e, bem ao gosto do século XXI, remixá-las. Em vez, porém, de usar instrumentos eletrônicos, Greenwood reescreveu o tema dessas músicas, incluindo citações a outros compositores eruditos, como Bach, e à música pop, como quando os violinistas usam seus instrumentos como guitarras, ou os outros músicos usam como arco para suas violas e violoncelos uma espécie de chocalho. O resultado é "48 Responses to Polymorphia", que deu título para a apresentação de ontem, e "Popcorn Superhet Receiver".

No lugar de olhar para a frente, como um vanguardista do século passado faria, Greenwood, um músico tipicamente do século xxi, foi se inspirar no passado, em outros registros e em outros formatos. Lembra Sonic Youth, nas suas mais bonitas distorções. Lembra "Blade runner", no clima, e até, por que não?, no Vangelis. Lembra o próprio Radiohead, claro, na sua porção mais etérea. O produto é uma música muito mais palatável, confortável, que Penderecki, sem ser, por isso, nada óbvio, e que por sua vez não fica no mesmo lugar - se mexe.

Se no caso das obras de Penderecki, sentimos um frio constante, um medo de não se sabe do quê, nas versões de Greenwood conseguimos sentir até um calorzinho, para, depois, sermos ceivados, enganados, levados para um outro lado que nem pensávamos possível.


Essa epidemia do novo é algo relativamente recente na história da humanidade -podemos dizer que do final do século xviii? Talvez, essa seja mais uma prova de que estamos vivendo o momento exato de mais uma dobra no percurso da História, em que as pessoas se cansaram do novo e buscam a tradição, outra vez.

Foram tocadas apenas essas quatro músicas no show, de cerca de uma hora, ontem no Barbican. Mas se teve a impressão de se estar diante do que há de mais... hum... novo?... na música hoje em dia. Uma metáfora: eles são a ponta do iceberg, eles são o caminho para a onde a música deve -no sentido de provavelmente- ir. Eles são a vanguarda, ou, como cabe a nossos tempos, uma das vanguardas. Greenwood está marcando uma estrada no meio de uma floresta densa para que outras pessoas possam seguir. Está desbravando áreas já visitadas e fazendo conexões que ninguém tinha pensado ser possível. Está redescobrindo, revisitando, re-produzindo, e percebendo que havia muitas possibilidades abertas no passado que podem ser desenvolvidas, trabalhadas e retrabalhadas. Porque, como Borges sempre dizia, reler é melhor que ler.

ps. aparentemente, Jonny Greenwood não foi o único músico pop a se aproximar de Penderecki.

quinta-feira, 22 de março de 2012

Bombay Talkies in 'Midnight’s children'

“Nobody from Bombay should be without a basic film vocabulary.” With this sentence, the narrator of “Midnight’s children”, Saleem Sinai, ask for an excuse to use jargon of the cinema within his work. He will describe the massacre which takes place in Amritsar with his grandfather as a witness. It is not the only moment Rushdie, through his narrator, describes a scene with a script language. As the quote above suggests, living in former Bombay – now Mumbai – the citizen is metaphorically influenced by the city’s huge film industry. It cannot be a coincidence that both Rushdie and Saleem were born in Bombay.

“Midnight’s Children” uses cinema jargon, quotations of movies and stars, shows the Lifafa Das’ peep show – a kind of proto-cinema –, connections with the film industry [Saleem’s uncle is a filmmaker, his aunt, an actress], the memory that the main character was a member of the Metro Cub Club, which has the same initials as the “Midnight’s Children Conference” [perhaps the main plot of the book], the metaphor of the big screen – when Saleem sees his mother with her ex-husband – and, at last, the language used by filmmakers. But, besides all of these, Rushdie also includes in his work some very common themes to a Bombay talkie, or, how the western call them, the Bollywood movies – as a parody of Hollywood –, mainly in the Book 2. Bombay talkies was the first movie company in India, founded in 1934 and extinct in 1954. However the expression can be interpreted as the movie industry itself – as the word “Bollywood” is never written.

The author makes an allegory of the melodramatic plots so usual to the most known movies of this industry. He uses some signs that could be identified with this production, such as undefined parenthood, children rejection, infidelity, incest, babies changed in the maternity, but under a different angle. He takes the smoothness of these productions out of his writing.

In Bollywood movies, one of the melodramatic components is chosen to be the path to an invariably happy end. Instead of creating a story of great suffer and a final redemption, Rushdie employs these elements only to construct parts – even important parts, but only parts – of his novel. Moreover, the conclusion of his work is not cathartic, but a resolution of the issues, not simple and not tranquil. Rushdie accumulates these features in the same character to create an intricate and multiple personality. This way, even with a exaggerate tone in all the narrative he gives his conflicts more credibility.

Saleem, himself, complains when his live gathers a succession of tragedies, of how this bad luck could not be possible outside films – and only in the more exaggerate ones. In the beginning of the Book 2, he assumes that “melodrama piling upon melodrama; life acquiring the colouring of a Bombay talkie” [106].

The expression is written a second time to describe the environment where he will live after being expelling of his parents’ house: “My mumani – my aunty – the divine Pia Aziz: to live with her was to exist in the hot sticky of a Bombay talkie” [175]. The phrase can be understood in two ways: 1/ how his aunt, which is an actress, behaves like she was acting all the time; or 2/ how Saleem feels at home, inside of warm family, as he was used to watch in the cinema.

When a columnist wants to describe the Commander Sabarmati, who had just killed his wife and her lover, the journalist writes: “In the Sabarmati Case, the noble sentiments of the Ramayana combine with the cheap melodrama of the Bombay talkie” [191]. We can read that the opinion about the quality and themes of the Bollywood is not a strong one among the media components. It is not necessary Saleem’s view, but the narrator does not contradict it.

In the beginning of Book 3, when Saleem is amnesiac, the narrator uses the quote again to say that he was employing one more time a usual Bollywood plot, very improbable outside the screens: “I accept that my life has taken on, yet again, the tone of a Bombay talkie”.

Some pages further, another quote admits that real life – or at least his life, which he assumes it is real – does not follow the rules of the Bollywood productions, in which the main characters is supposed to overcome – or to forget - everything that has happened throughout the movie when the end arrives: “Love does not conquer all, except in the Bombay talkies”.

For Saleem, life cannot have a sweet end, because it would not be coherent with the rest of the narrative. As we learned during the read of the book, he tries to avoid in the course of “Midnight’s Children” what he calls as “the epidemic of optimism”. At the end, we see a narrator more mature and resigned to his own destiny of not to be the protagonist of the India history, but to act only one “peripheral role” in his own story.

quarta-feira, 21 de março de 2012

Natural e sedutoramente colonizadores

Ontem, a rainha Elizabeth II, ou Mrs.Windsor para os republicanos de plantão, falou no Parlamento inglês. Ela continua a comemoração do seu jubileu de diamante, pelos seus 60 anos no "poder" - acho que é a segunda monarca mais longeva na posição, só perdendo para o rei da Tailândia, que também é o mais rico da classe.

Cerimônia rápida - ela já não é mais uma mocinha, e seu marido tem quase 100 anos - mas duas passagens me chamaram a atenção. Primeiro: o discurso do porta-voz do parlamento, o conservador John Bercow, citou Gandhi, chamou mrs. Windsor de "Rainha caleidoscópica" e falou, segundo as anotações do blog do "Guardian", uma passagem controversa: "In many ways Britain is "bigger, brigher and better". People are equal under the law, regardless of how they look, how they live and how they love." Eu me lembro bem desse momento porque fiquei pensando: será que a tradicionalíssima rainha sabia que ela ia ser citada como símbolo do movimento gay? O jornalista do "Guardian" responde: "Not sure. She's still got her inscrutable expression on, so heaven knows what she makes of it".

O cartunista do "Guardian", Steve Bell, mostrou a sua versão do
presente que o parlamento deu para a rainha. 
Além disso, ela, a rainha, também falou e se dirigiu a toda Commonwealth, onde ela é a chefe - e aí, me assustei quando ela disse que a população da Commonwealth é cerca de um terço de toda a Terra. [Mrs. Windsor é monarca, além da Grã-Bretanha, de 18 outras nações, do Canadá, passando por Austrália e Nova Zelândia, até África do Sul, Paquistão [Paquistão!?] e Antigua e Barbuda.] Mas, voltando, um terço da população do globo terrestre? Quem disse que o império inglês terminou no século XIX? Claro que a função dela, como todo mundo sabe, é decorativa. Mas ela decora a imaginação de um terço das pessoas do mundo - e esse tipo de decoração é única.

Segundo o meu amigo wikipedia, o Commonwealth não é uma relação política, mas um tratado em que as nações assinam declarando respeitar certas regras e comportamentos, em relação a direitos humanos, democracia, multilateralismo, igualdade e... livre mercado. Ah, sim. Boas intenções. [Se tiver interesse em saber a lista dos "envolvidos", clique aqui.]

É perceptível como os ingleses têm uma vontade, às vezes paternal, às vezes ditatorial, de ser responsável pelo que acontece no mundo. São, como disse, natural e sedutoramente colonizadores. Não é à toa que as universidades aqui estão lotadas [eu chutaria uma porcentagem entre 30 e 40% das vagas] de chineses. Eles devem querer implantar o jeito inglês de tomar chá na China. Deve ser.

terça-feira, 20 de março de 2012

Hiperrealismo

"Scottish landscapes", de Paul Cadden [84 x 58.5 cm]
O artista escocês Paul Cadden tem obras expostas na galeria Plus One Gallery, especializada em obras de hiperrealismo, numa área chique de Londres [tipo o Leblon]. O maior espanto ao se ter contato com as obras dele é saber o material que ele utilizou: apenas um lápis e papel reciclado.

Normalmente o termo hiperrealismo é usado para obras que tem a característica de dar detalhes tão pequenos da realidade que o olho humano jamais teria capacidade de captar, sozinho. Elas vão mais fundo na captação da realidade, mostrando uma realidade aumentada, que não é a que estamos acostumados. Por um lado, não são realistas, nesse sentindo, demonstrando que mesmo a realidade, o realismo, é um conceito que aceitamos, uma construção que depende de respeitarmos determinadas regras, como, no caso, distância do objeto retratado.

No caso de Cadden, ele muda um pouco o conceito mostrando como a realidade pode ser captada por materiais mais simples, como um lápis e papel, como se dissesse que está ao alcance de todo mundo [ele usa outros materiais também]. Essa simplificação faz parte do mote principal do artista que, segundo seu site, é "intensificar o normal". Suas obras mais comuns, pelo que me pareceu, são retratos ou paisagens urbanas.

Essa "Scottish landscapes", que eu escolhi, tem outra característica e mostra como até mesmo o lixo pode ser um tema a ser explorado. Ficamos curioso em saber o que ele retratou, quais são os objetos mostrados, como ele fez, que tipo de lixo é esse que as pessoas descartam e, principalmente, porque ele chamou o lixo de paisagem escocesa. Sua obra, como se vê, não descarta a crítica.

segunda-feira, 19 de março de 2012

Irlandeses e eleição em Londres

Domingo, Trafalgar Square [uma espécie de Cinelândia londrina], de tarde. Hordas de pessoas vestindo verde, tomando cerveja preta e ostentando a maior concentração de ruivos por metro quadrado da face da Terra. Estava claro desde o início: era o segundo dia de comemoração do St. Patrick's day em Londres.

Na entrada, descobrimos que era um evento político. Em ano eleitoral, os shows foram organizados pelo mayor of London, o tory Boris Johnson, que tenta a reeleição. Do lado de fora, o labour e ex-prefeito Ken Livingston tem representantes que distribuem panfletos com a última declaração polêmica de Boris - um louro de cabelos escorridos, acima do peso, nascido nos EUA, que sempre aparece nas fotos de maneira bem estranha, e tem o hábito de cometer gafes em todos os eventos públicos que participa. A questão do momento foi uma declaração do mayor num evento chique bancado pela comunidade irlandesa de Londres para celebrar exatamente o St. Patrick's. Boris mandou, sem pensar: "I'll tell you what makes me angry... spending £20,000 on a dinner at the Dorchester [hotel] for Sinn Féin".

Boris fazendo a festa de fotógrafos e cuidando de seu cabelo. Detalhe, uma dessas
fotos é a de seu perfil no wikipedia.
Quem não ligou o nome ao partido, basta saber que o Sinn Féin é um partido irlandês de esquerda -nas duas Irlandas- e que ficou associado com o IRA, que por sua vez era um grupo paramilitar, que se autointitulava provisório, e lutava, às vezes com meios, hum, heterodoxos, pela independência da Irlanda do Norte -a outra, a de Dublin, Guinness e U2, já é devidamente independente da rainha e seu séquito. Não pegou bem nem entre os partidários conservadores de Johnson, quiçá entre os irlandeses. [Um parêntese rápido: o IRA é chamado de grupo terrorista no Reino Unido e no mundo, menos na superliberal Escandinávia, pelo que eu ouvi, que os chamam de guerreiros pela independência. Deve querer dizer alguma coisa.]

A eleição, realmente, já começou, e aqui os jornais se posicionam, com o "Guardian" a favor dos trabalhistas e o "Evening Standard", dos conservadores, para ficar nos exemplos dos jornais que eu normalmente leio. Um dia caí na bobeira de retuitar um artigo do Guardian intitulado "What has Boris Johnson actually done for London?" e fui bombardeado por seguidores de Boris na rede - como se eu estivesse fazendo essa pergunta a eles [não clicar em links, como você pode ver, não é um privilégio de brasileiros].

Mas falávamos de coisas mais amenas, como St. Patrick's e devemos voltar para ele. Boris bancou uma publicação de uma revistinha sobre o santo padroeiro da Irlanda, que foi responsável por catequizar a ilha -e, de certa forma, se pensarmos, o responsável pela católica Irlanda querer se separar da protestante Inglaterra, não?- e, ainda mais importante, segundo a publicação, por expulsar todas as cobras da ilha -ainda de acordo com a revistinha, somente Nova Zelândia e Islândia dividem o privilégio de não terem qualquer réptil rastejante que desde o Gênesis é mal vista pelos cristãos.

No palco, música e dança folclórica. E então eu pensei como conhecemos mais da cultura da Irlanda que de qualquer outro país aqui da região. O que sabemos da Escócia? Uísque, gaita de fole, kilt, Mogwai, Franz Ferdinand, Highlander...? A Irlanda tem George Bernard Shaw, William Butler Yeats, Samuel Beckett e Seamus Heaney, só para ficar nos prêmios Nobels de literatura, o mesmo número de russos e poloneses, por exemplo. Isso sem contar com James Joyce, que foi esquecido pelo Nobel, e, antes do prêmio existir, os irlandeses de nascimento, mas quase-ingleses por adoção, Laurence Sterne e Oscar Wilde -só para ficar no que a minha memória alcança. Na música, os irlandeses são conhecidos pela sua utilização de violões e todas as formas de cordas - pensar no filme "Once", por favor.

Ontem, comprovando essa tradição e essa atração por cordas conhecemos uma menina que, ao vivo, mostrou que consegue encarar uma plateia desatenta e cheia de cerveja na cabeça. Chama-se Gemma Hayes e, segundo o papelzinho distribuído, foi recentemente indicada ao Mercury prize [em 2002, me atualiza o wikipedia]. É uma menina de 34 anos, que repete a história de muitos outros músicos: nasceu numa família grande [era a oitava filha], que adorava música e optou por seguir a carreira tortuosa, largando faculdade já iniciada. Lançou quatro álbuns e suas músicas estão um tom mais agitado que o folk, de voz e violão, e o rockinho, aquele de guitarra-baixo-bateria [é uma escala clara, como se pode ver]. Ela usa violão e guitarra e é acompanhada por um baixista, um baterista e uma tecladista. Suas músicas são o que as meninas costumam chamar de fofas e os meninos fingem não gostar, mas sempre se permitem ouvir mais uma vez para não contrariá-las. Bem, melhor que descrevê-la, como sempre dizem sobre a literatura, é mostrá-la.



domingo, 18 de março de 2012

O inglês típico

Ontem fomos numa região que não parecia Londres. Tinha muito britânico. Isso, britânico, aquele povo branco, desajeitado, de bochechas rosas, que gosta de chá e fala "lovely dear" para qualquer assunto, e que costumávamos associar com a ilha e que hoje, apesar de estatisticamente ainda ser maioria, parece desaparecer no meio de tantas cores diferentes que vemos nas ruas. Londres, hoje, parece a escala pantone.

Com'on / Fulham [os de branco]
Havíamos recebido um convite de nosso único casal inglês-londrino há dois meses para assistir a um jogo de verdadeiro futebol - não essa coleção de superestrelas que lotam times como o Manchester United ou o Chelsea - o time dos ricos aqui [aliás cometi uma gafe certa vez ao criticar o Chelsea para, sem saber, um torcedor do time, que, com toda fleuma inglesa -adoro a palavra fleuma, mas acho melhor com "g", "fleugma"-, simplesmente desconsiderou meus comentários preconceituosos sobre Chelsea, ricos, partido conservador, enfim, essas coisas afins].

Antes de continuar, tenho que afirmar que quando digo que o convite chegou "há dois meses" não estou exagerando. Tenho o sms para comprovar. Como todos os ingleses -ou como aqueles ingleses que associamos com organização e estar sempre on time- eles nos perguntaram se queríamos ir ver um jogo de futebol há muito, muito tempo. Ajuda à organização deles o fato de terem uma bebezinha pequena -Rosie-, de menos de dois anos. Então, eles devem mesmo ter algum tipo de planejamento. E o fato de Rob trabalhar com cinema -ele fez o sound design de "Harry Potter", por exemplo- e, assim como nos piores empregos de jornalismo, ficar três semanas sem um dia de folga, para cumprir prazos.

Tá vendo a baleia?
Além disso, tenho que acrescentar que quando disse que eles eram os únicos ingleses-ingleses que conhecíamos, eles riram e ironicamente responderam: não somos. Porque -usaram como argumento- a mãe de Rob é sueca e o pai de Lou, espanhol. De toda forma, quem nasce e é criado na Inglaterra é inglês -assim que a constituição os trata, assim que eles se sentem.

Portanto, fomos a Putney, no sudoeste londrino, ao lado de Fulham [por algum motivo que me é estranho, não se pronuncia o "h" como "r"], mesmo nome do time por quem fomos torcer contra a potência [not] galesa do Swansea.

Essa região é tão tradicional que é onde  começa o famoso desafio Oxford x Cambridge de remo [Vamos Óquisfor!], em que as duas mais tradicionais universidades do país [do mundo?] competem há mais de 150 anos para saber quem é a melhor na água [no ensino, todo mundo sabe, é Óquisfor, mesmo que Cambridge tenha mais Nobels, tenha sido melhor representada em rankings dos últimos tempos. Quem se importa com esses critérios mundanos quando se tem certezas absolutas?]. Esse ano, o desafio é no início de abril. Voltaremos.

Chegando lá, encontramos uma outra competição no Thames -ah, sim, é no Thames que isso acontece, no "mais limpo rio em uma cidade no mundo", "no rio onde uma baleia encalhou e morreu em 2006", como me disse Rob, que, porém, não colocaria sua Rosie na água, "jamais". Vários barquinhos [por volta de 400, para ser mais... preciso] de todo o mundo na água competindo no Head on the River, que foi vencida por um barco tcheco, se eu entendi bem.

Hei, era St. Patrick's day!
Depois, brunch com um café-da-manhã quase inglês [ovos mexidos, salsicha, cogumelos, bacon, torrada, faltou só o feijão], depois Guinness [com'on, era St. Patrick's Day!] e, depois, estádio. Aí, vimos o que é, realmente, fleugma inglesa.

Enquanto os galeses do Swansea se esgoelavam torcendo pelo time deles, os ingleses-ao-cubo do Fulham muito raramente soltavam um "Come on / Ful - ham / Come on / Ful - ham", mas era tão raro, mas tão raro, que eu me senti em casa -lembrai, sou do time tantas vezes campeão que, talvez por isso, por estar tão acostumado às vitórias, não comemora nem título de brasileiro. Aliás, outro detalhe que lembra o Fluminense é a logo [repare na primeira do tricolor] e a sigla FFC - somos, os dois times, Football Club [curiosidade inútil: outros significados para o acrônimo FFC]. Eram palmas isoladas para os ainda mais raros lances bons, e um grito de "wake up, Fulham", do senhor atrás de mim, quando a vaca já chafurdava no brejo. Resultado final: 3 a 0 para Swansea. Nunca fui mesmo sortudo acompanhando o meu time no estádio, não fui quando acompanhei o Buffalo Sabres, em um jogo de hockey, não seria agora que a história, essa senhora tradicional, mudaria.

Ao fim, nenhuma reclamação pública, como cabe a um gentleman. Rob, porém, acrescentou que essa pose acaba quando o gentleman entra em casa e reclama como se fosse um bebê que perdeu o seu brinquedo favorito.

WTF?
Estava no estádio me sentindo em um pedaço da Inglaterra -ou, ao menos, de Londres- que eu não conhecia, jamais tinha passado quando, oh wait!, o que é que aquela estátua do Michael Jackson está fazendo ali no canto? Sim, isso, dentro do estádio do inglesíssimo Fulham tem uma estátua de Jacko -uma estátua feia de doer, aliás. O que ela está fazendo ali, como assim, quem foi que...? Novamente, com a palavra, Rob:

O Fulham pertence ao egípcio Mohamed Al-Fayed, sim, ele mesmo, pai do Dodi, aquele que se envolveu com a então-ex-princesa Diana, e que morreu no fatídico acidente de carro, em Paris. Ele, o dono da bola, era amigo de Michael e quis prestar uma homenagem para o cantor, que, aliás, não foi lá muito bem recebida pelos torcedores do Fulham. A família Al-Fayed, entre outros empreendimentos, é também dona da mais-que-tradicional loja da Harrods -onde há uma homenagem brega a Dodi e Diana.

Ou seja, mesmo onde procuramos o inglês típico, percebemos que estamos, desde sempre, todos misturados. Ainda bem.

sábado, 17 de março de 2012

Frases feitas, respostas nem tanto

Os ingleses têm uma palavra para aquela sensação tão comum de ter a resposta certa, mas somente duas horas depois do momento que você precisava usar. Quando eu lembrar dela, in a couple of hours, eu volto aqui e a acrescento. Até lá, vou tentar ajudar os amigos-tudo caso um dia precisarem responder frases feitas -o que eu até hoje não consigo.

Quer me quebrar é me perguntar: "How are you doing?" Acostumado com o fato de no Brasil essa pergunta ser retórica - ninguém quer mesmo saber se está tudo bem com você, apenas é uma forma diferente de se dizer oi - eu geralmente respondo com "How are you doing?" e aí rola aqueles segundos constrangedores de ninguém falar nada, os dois interlocutores um olhando para a cara do outro, eu pensando que fiz merda, o outro não sabendo se deve responder ou continuar a conversa. Já fiz atendente de telemarketing quase chorar por quebrar o protocolo.

Já foi pior. Lembro uma vez, nos EUA, um garoto me perguntando: "What's up, man?" e eu: "Sorry...?" e ele repetindo: "What's up?", e eu: "Hum... [olhando para cima] Nothing?".

A resposta que os ingleses dão é, aliás, demonstrativa de como eles se veem, ou como vemos eles, ou como eles querem que a gente os veja: sempre cool. "Not so bad", é o mais comum de se ouvir. Porque dizer que está "Good" é esbanjar felicidade, né? Esse sentimento estranho para um londrino, tão cool, tão "why does it always rain on me?" - ok, o Travis é escocês, mas vocês pegaram o ponto.

[Não, escoceses e ingleses não são a mesma coisa. Nem mesmo galeses e ingleses se misturam. Aliás, os galeses falam além do inglês, o galês -que não tem NADA a ver. Aliás2, os escoceses vão votar em 2014 se querem continuar parte da UK ou não. O tema, claro, é quente aqui, por conta dos irlandeses, do norte e do sul - aliás3, hoje é dia de St. Patrick...]

Para se despedir, usa-se o tradicional "See you later", mas, diferentemente dos americanos - que nos influenciam com o sotaque hollywoodiano e troca o "t" por um "r" - os ingleses ou falam bem fortemente o "t" de "later" ou não o falam absolutamente nada - depende da classe, da idade, da escolaridade, etc. Mas isso se aplica a qualquer palavra. "Water" vira "Uá-er", "later", "lêi-er", "matter", "má-er" - o "t" não some sempre, como já sabiam Ella Fitzgerald e Louis Armstrong na disputa por quem fala certo "tomato" [abaixo].

Por fim e, para mim, o mais complexo: como responder a "thank you"? Antes, um parêntese rápido de que eu descobri lendo a tradução inglesa de "Kafka on the shore", do Murakami, que é possível falar "much obliged" - ou seja, cada vez mais eu acho que é só colocar um "tion" no final de algumas palavras e tascar um sotaque carregado - sotaque é o mais importante - para afirmar que se sabe falar inglês.

Voltando ao "thank you". Tenho o costume de dizer: "no problem", talvez pela dúzia de vezes que vi "Terminator 2" [que falava, na verdade, "no problemO", mas que para um adolescente parecia só "problem"]. Aqui, porém, se o lugar for um tiquinho mais calça-de-linho-e-terno, o tradicional "you're welcome", que se aprende nas escolinhas, é o mais indicado. Agora, na rua, o que o povo fala mesmo é "no worries". Se eu tivesse que traduzir, seria o nosso - carioquíssimo - "tranqs". Serve também como resposta para um "sorry" quando alguém pisa sem querer no seu pé na saída do metrô lotado.

Como se vê, não é só o Japão que tem hábitos em comum com a Inglaterra. 

sexta-feira, 16 de março de 2012

Mitos e verdades sobre Londres - uma opinião

Claro que não é possível dizer o que é mito nem o que é verdade sobre qualquer país, assim, num texto de blog. Talvez nem em uma tese de doutorado. O que vou fazer aqui é comparar as minhas expectativas com o que eu encontrei até agora. Pode ser coincidência ou outro nome que queiram dar. Mas o critério é claro: a minha memória confrontando a minha memória.

"Bloody" - Parece que é uma forma de eufemismo com palavrões de verdade - tipo o que os puritanos americanos fazem com o "Gosh" - *arrepios*. Ou eu não encontrei pessoas eufêmicas ou os londrinos não falam "bloody" normalmente.

O "Daily mail" fez um trocadilho ["pun", sim, eles realmente
 fazem trocadilhos a todo o momento nos jornais] chamando
 essa montagem de Londres, de ontem, de "A tale of two cities". 
"Fog" - antes de vir, escutei que só havia a famosa neblina imortalizada nos livros do fim da era vitoriana [Dickens, Conan Doyle etc.] era resultado da queima de carvão para a produção de energia. Ou seja, seria um efeito colateral da revolução industrial, ainda na sua primeira fase [lembrai que ela começou aqui, em Manchester], e não seria natural, portanto. Bem, ela existe. Talvez porque ainda não deixamos de usar combustível fóssil, apesar de tanta campanha contra o aquecimento global. O fato é que ainda encontramos, vez por outra, essa neblina densa, que apaga o outro lado da rua. Parece, para mim, leigo, entretanto, apenas vapor d'água.

"Indeed" - Se fala, claro, mas não a todo momento. São muito mais criteriosos que o senso comum aplica. Ouvi pouco. Há um caso, porém, que vale o registro. É fácil escutar as pessoas falarem "thank you very much indeed" - como se quisessem deixar claro que querem agradecer. A minha teoria é que "thank you" sozinho ficou tão banalizado, se fala a todo momento, que acabou perdendo a sua verdadeira vocação de agradecer. Daí se colocou o "very much" para dar uma entonação de, agora é de verdade, porém, ele também caiu no uso comum e perdeu toda a força que tinha. Daí, agora as pessoas tascam o "indeed" para deixar claro que se ela falou isso tudo ele realmente quer agradecer. Acho que o processo é o mesmo que aconteceu com o espanhol "chiquitito".

"Mate" & "fellow" - Fala-se, a toda hora. "Fellow" é uma espécie de terceira pessoa do singular não oficial. Quando quer falar sobre alguém ausente, ele é "fellow". Já "mate", é a segunda pessoa, com quem se está falando.

"Cheers" - Esse, então... Já está totalmente no sangue. Para qualquer, mas qualquer coisa mesmo, como sinônimo de agradecimento informal, como no famoso "cheers, mate", dito para o garçom do pub que acabou de te servir uma "ale". Acho que é o mesmo processo que aconteceu com "valeu", no português do Rio. Usa-se a todo momento. E, igual a "valeu", quando queremos agradecer verdadeiramente à pessoa, acrescentamos um "thanks" em seguida.

"Excuse me" & "sorry" - acho que se uma pessoa vier para Londres só sabendo falar essas duas palavras e "thank you", consegue viver um bom tempo sem nem perceber que precisava de inglês. Fala-se tanto e a toda hora que às vezes a pessoa junta as duas para pedir licença e desembarcar do metrô lotado do rush.

Imigrantes - dizem que Londres é a cidade com o maior número de línguas - segundo matéria que li do "Guardian", eram 300 diferentes. Além disso, 30% da população não nasceu aqui. Em alguns lugares, você se esquece que está na Inglaterra. Já falei que em Wembley há anúncios para as pessoas não cuspirem no chão - um costume dos indianos que mascam o paan [um enrolado de diversas sementes e sabores para mastigar e sentir o gosto, mais ou menos como se fazia com o fumo de rolo.] Em Brixton, os cabeleireiros são todos especializados em penteados afros. Londres é incrível exatamente porque você pode conhecer o mundo, sem sair da sua cidade. E, aparentemente, os ingleses-ingleses, aqueles de pele branca e bochecha rosada, gostam disso também.

Mesmo que pareça apetitoso, aconselho: evite fish and chips.
"Fish and chips" - A comida inglesa-inglesa é difícil de se encontrar, mas, quando se acha algo verdadeiramente inglês, e bem feito, é incrível. Esqueça, por favor, o "fish and chips", que só os ingleses-ingleses comem. Opte, por favor, pelo "roast" de domingo - servido em qualquer pub que se preze. Em vez do fish and chips, faça como o resto da Europa, coma um kebab.

Island and Continent - sim, há claramente uma divisão entre a UK e o resto da Europa. Primeiro porque a UK é uma ilha. Depois, por causa do dinheiro [pounds x euros]. Mas, principalmente, porque os ingleses podem até ser agregadores, mas eles gostam mesmo é de fazer as coisas sozinhos. Sempre, como exemplo, podemos citar o anúncio de quase todos os pubs que dizem que têm "real ales" e "continental lagers". Faz todo o sentido.

quinta-feira, 15 de março de 2012

O que é arte?

Pois. Já devo ter escrito isso antes, mas não importa. Não me lembro, para falar a verdade. A questão é que falei bastante sobre arte e estética, mas jamais entrei no, talvez, mais espinhoso dos temas: o que -dionísios!- é arte? O que faz algo ser considerado arte?

Como se sabe, esse conceito mudou muito durante o caminho da história. Os gregos nem tinham uma palavra para isso, sendo que -se eu não me engano- os romanos traduziram o mais próximo dos seus conceitos, "thekné", por "ars", que veio a dar na nossa palavra "arte". Foi só com Kant e, em seguida, os românticos alemães, ou seja, no século xix, ou seja, ontem, que começamos a valorizar essas produções que aparentemente não temos muito como explicar.

Aliás, foi exatamente Kant quem disse que não tínhamos como explicar o que era "arte", mas sabíamos o que era - o que é uma boa resposta até hoje. E é mais ou menos o que eu aplico até hoje - misturado com outras ideias, que eu também gosto.

De toda forma, mesmo desde então, todo mundo -filósofos, estetas, artistas, historiadores, críticos, pensadores, a humanidade, enfim- tentou separar a arte do que não era arte. Antes da revolução da fotografia, era um pouco mais fácil, como se sabe. Bastava seguir o conceito ainda de Aristóteles de "mimetizar a physis".

Demóstenes Torres, infelizmente, também
 faz parte da  physis [Fonte: wikimedia]
Essa palavra estranha -"mimetizar"- quer dizer mais que "copiar". Gosto da tradução "representar", mas, para mim, é um pouco mais que isso. Seria uma "re-representação", ou seja, o ato representar pela segunda vez, já que ela já está representada. E ela, no caso, seria a famosa physis, que, para os gregos tinha uma tradução simples: natureza. Não a natureza de plantas, verde, cachoeira, essas coisas hippies, mas tudo o que há no mundo, tudo é parte da natureza, inclusive o concreto, o lixo, o Demóstenes Torres, o que há de melhor e pior. [Já ouvi que Spinoza dizia que esse conceito de physis era um sinônimo para o que ele considerava Deus, o que eu, seguindo uma tradição do Upanishad, o texto filosófico dos Vedas, por sua vez o conjunto de textos sagrados dos hindus, concordo.]

Ou seja, voltando à questão principal, ao re-representar a natureza, o homem estaria produzindo arte - era fácil identificar. Eu também acho que esse conceito, de certa forma, ainda se aplica, mas, adaptado aos nossos tempos - considerando que re-representar não é, necessariamente, copiar exatamente o que se vê, mas o artista misturar sua particularidade -"subjetividade"- com a natureza e reproduzir isso no seu formato preferido. Mas esse conceito é amplo demais, e não dá para saber o que é arte ou não a partir disso.

Além disso, com o advento da fotografia, o conceito de cópia da natureza caiu, porque a fotografia era mais precisa que qualquer outro meio não mecânico. Não é coincidência que se começou a experimentar formas de pintar que deram no abstracionismo, nas vanguardas e em tudo o que vivemos hoje - em que, ao andar num museu de arte contemporânea, é complicado saber o que se propôs ser arte e o que simplesmente é o entulho do cara que está pintando um espaço do museu.

Pobre arte povera...  Acima: "Venere degli stracci", de Michelangelo Pistoletto.
Antes de continuar, quero dizer que, hoje em dia, valorizamos demais os artistas, em vez da arte, em si - sinal dos tempos. Como se eles fossem super-homens, os únicos capazes de criar algo além-do-normal, aqueles tocados por uma força superior, que conseguem produzir esses objetos que, na falta de outra palavra, chamamos de arte. Além disso, deveríamos pensar que, mesmo que eles possam produzir essa coisa chamada "arte", essa arte pode ser ruim. Arte não é -ou não deveria ser- sinônimo de excelência.

Na verdade, essa característica -ou qualidade- de produzir arte está em todo mundo, alguns de maneira mais latente, outros, mais explícitas. Li um artigo ontem que dizia algo interessante: o fato de se apreciar um arte e conseguir extrair algum significado -mesmo que apenas estético, em que não se traduz em palavras- também é um ato de criação. Concordo. Acho que a arte não é nada, não quer dizer nada sem o espectador. Diferentemente de outro texto que eu li, acredito que uma obra de um nome famoso guardado num quarto escuro, sem ninguém ver, não é -ainda, ao menos- arte.

E, enfim, chegamos aos dias de hoje, e a minha opinião: só é arte o que o espectador achar que é arte. Um terceiro fulano que eu li fala algo parecido: que é arte aquilo que um grupo de especialistas achar que é arte. O grupo de especialistas seria formado por curadores, os próprios artistas, críticos, estudiosos, frequentadores amadores de galerias, e quem mais se autodenominar especialista. Eu concordo, em parte. Primeiro porque eu acho que não precisa de um grupo, basta uma pessoa achar que é arte para tal objeto o ser -pelo menos para ela, o que é suficiente-; e, segundo, porque nem acho que alguém precisa se autodenominar especialista, pode ser alguém que está tendo contato pela primeira vez com o objeto em questão.

Benjamin, indeciso sobre ser comunista
ou cabalista - ambas crenças difíceis
 de se seguir [Fonte:Wikimedia]
Eu gosto de uma definição do Benjamin -que todo mundo costuma ler apenas o "Obra de arte na era da reprodutibilidade técnica", em seu momento mais comunista-materialista e menos judeu-cabalista [sim, ele balançou entre esses dois extremos]- de que a obra de arte é o objeto alegórico que pode ser reinterpretado infinitas vezes. [Não estou certo se ele falou exatamente isso, ou se eu, depois de alguns anos, estou reinterpretando a frase dele para o meu prazer - no fim, estou usando o conceito "contra" ele.]

Objeto alegórico seria aquele que não é metafórico. Metáfora, por sua vez, e na minha interpretação do que Benjamin falou, é a substituição de um símbolo por outro; já alegoria é a criação de um novo símbolo para se representar o símbolo previamente dado. Alegoria, portanto, cria significados, metáforas apenas trocam significados, repetem o sistema já usado.

E, no caso de "reinterpretado infinitas vezes", eu vejo assim: a fonte de interpretações da obra de arte não seca jamais. Um livro, um quadro, uma música, uma peça, uma dança podem ser sempre entendidos de outro ângulo nunca antes visto. Esse caráter infinito seria único da obra de arte -os outros objetos teriam faces finitas.

Por fim, acho que, além de valorizar demais o artista, também temos uma vontade incrível de encontrar o que é "arte", para separar dos objetos dito comuns -cabalistica e paulo-coelhamente, poderia acrescentar que não há objetos comuns. Como se quiséssemos tascar um rótulo em determinados objetos para nos sentirmos mais tranquilos, para, como já disseram, denominar e, assim, dominar. A minha proposta é que, em vez de tentar procurar desesperadamente a "arte", busquemos os objetos -criados pelo homem ou já inseridos na natureza- que sejam capazes de produzir o que se convencionou chamar "experiências estéticas". Talvez seja para isso que o mundo exista.

quarta-feira, 14 de março de 2012

A metáfora da fila

Essa metáfora nasceu no último domingo. Estávamos assistindo aos shows do Bunka-sai - algo estilo apresentação de escola de fim de ano, como, pelo que eu percebi, é a proposta original do evento, no Japão - quando a apresentadora [japonesa], que dá aula sobre cultura do Japão na Inglaterra, tentou incentivar os ingleses a contribuírem com a campanha que arrecadava dinheiro para os órfãos do terremoto-tsunami-desastre-nuclear falou que achava japoneses e ingleses muito parecidos. Primeiro exemplo dado por ela: ambos gostam de filas.

Fiquei pensando sobre isso, principalmente porque, 1/ os ingleses tem um verbo para isso [to queue], que raramente vi americanos usarem e, 2/ dias antes, na saída do show da Florence, nós -sem querer- furamos uma fila imensa [depois, até saímos da fila] e ninguém reclamou. Os ingleses, raramente, reclamam de alguém que não respeita as regras de convivência social - o que também acontece raramente. Ontem, por exemplo, no quiet carriage do trem -sim, eles existem-, onde, como você pode imaginar, se pede para não fazer barulho, um grupo de meninas falava de um lado para outro das filas de poltronas. Ninguém reclamou de nada. Imagino que eles aguentam esses comportamentos pensando que é apenas um desviante, que logo vai se tocar de que está errado e fará a coisa certa a seguir. É o símbolo do que é ser gentleman respeitar o outro, mesmo que o outro esteja cometendo o maior dos erros. [Penso também na tradição do "after you", na hora de embarcar em um transporte. Às vezes vira comédia pastelão...]

No Brasil, esse mesmo personagem certamente tomaria o que uns amigos meus chamam de "ou-ou-ou-ou" - alguém assumiria o papel do juiz, do superior, e logo chamaria a atenção do infrator. Tente fular a fila de um evento público, tipo show, para saber como é a experiência.

Já na Índia, por outro lado, furar fila é algo corriqueiro e ninguém também reclama. Seria efeito da colonização britânica? Duvido. Acho que tem a ver com a religião, que prega a não-violência e o respeito às castas. O cara fula a fila e acha que está certo. O sujeito que está na fila vê o outro furando também acha que o outro está certo. Como se pensasse: ele deve poder. Claro que reclamamos disso várias vezes e o sujeito, pego no flagra, que ele nem imaginava que era um flagra, se sentia injustiçado, mas ia, a contragosto, para o começo da fila.

Na Bélgica - na francófila Bruxelas, que é muito diferente da flamenga Antuérpia - vimos um cara furar uma fila, mal organizada, dentro da estação de trem. Tentei "avisar" a ele que o fim era lá atrás e o cara fingiu não me entender e continuou onde estava, falando com as pessoas que estavam ao seu redor e dando de ombros. Tão revoltado eu fiquei que fui eu a sair da fila, para não acompanhar aquele descaramento. Latinos...

Imaginei essa mesma situação em outros países, como em um jogo, seguindo os clichês que são inculcados em nossas cabeças, sobre identidades nacionais. Por exemplo, na França. O sujeito furaria a fila e diria para se justificar, quando reclamassem com ele, que está praticando um ato revolucionário, que a fila é um exemplo da meritocracia, que é um critério falido, que os valores utilizados [ter chegado antes] não se aplicam porque nem todos tiveram as mesmas chances de chegar antes, e mesmo se chegassem, o fato de alguém ser mais rápido e ter chegado antes não deveria garantir um privilégio, porque todos são iguais e blablablá. Nos EUA, haveria a fila VIP [ideia que seria logo exportada para o Brasil], onde quem paga tem mais privilégios, e o sistema de cotas, para que cada integrante da sociedade fosse representado. Na Alemanha não há filas, tudo é organizado a ponto de ninguém precisar esperar. Na Itália também não há fila, mas por outro motivo: todo mundo fura a fila e corre para embarcar ao mesmo tempo.

A fila - ou como você se comporta nela -, como se vê, define o seu lugar no mundo.

segunda-feira, 12 de março de 2012

O amor 'secreto' de Picasso

Assim como outros artistas contemporâneos, congelar a arte de Picasso em uma determinada fase é, no mínimo, complicado. Complicado mais no sentido de ser quase impossível obrar isso - tantas e tão variadas são suas produções -, que no sentido de ser um desperdício - o que, convenhamos, também o é.

"Nu au Plateau de Sculpteur", da fase mais
erótica de Picasso 
O comum é vê-lo sempre associado ao cubismo, mas isso é pouco. Que fase do cubismo? Que fase, sua, dentro, do que ficou convencionado chamar cubismo - e que ele, com Braque, foram os grandes motivadores? A primeira, quando ele usa uma palheta de cores ocre, com exagero na transformação das figuras, beirando a abstração? Uma outra - não sei em que posição fica - em que ele arredonda as figuras - geralmente femininas - para demonstrar uma sensualidade impraticável com as técnicas tradicionais de representação - desconstrói o ponto-fixo do olhar, e cria uma ilusão [e o que é a arte, senão ilusão?] de uma multidimensionalidade no mesmo plano? Ou, ainda, no pré-segunda guerra, quando sua Espanha natal vira o palco de uma guerra civil, e ele usa essa fragmentação para expressar a dor de um povo, que foi massacrado por um ditador, e que culmina na, provavelmente, sua obra-prima, "Guernica"? Isso, para ficar só nas fases cubistas mais conhecidas. Fora o período que ele flerta com um classicismo quase grego, ou suas incursões originais, as famosas fases rosa e azul, ou ainda quando ele faz colagens, esculturas, etc..

Admito que gosto mais do período em que Picasso usa o que se convencionou chamar cubismo para retratar a sensualidade e o erotismo das mulheres. Ele aproveita a sua auto-imposta liberdade figurativa para fazer contornos impossíveis, traçar linhas curvas insinuantes e fazer um jogo de esconde-esconde que excita qualquer apreciador de mistérios. Esse último aspecto acontece mais com os retratos que ele fez de sua quase eterna amante Marie-Thérèse Walter.

Os dois se encontraram quando Picasso já era um quarentão e Marie-Thérèse nem tinha completado a maioridade. Picasso era então casado com a dançarina russa Olga Khokhlova, de quem jamais se separou, mesmo quando Olga, oito anos depois do início da relação Picasso e Marie-Thérèse, descobriu tudo e saiu de casa. Picasso só se desinteressou de Marie-Thérèse quando conheceu Dora Maar - e houve a famosa briga entre as duas. Mas essa é outra história.

Durante esses oito anos que Picasso tinha Marie-Thérèse como amante e modelo, ele sempre arranjava uma maneira de, utilizando a sua técnica como desculpa, se colocar no quadro, mesmo que, para alguém menos atencioso, possa ser apenas um segundo ponto-de-vista do rosto da modelo. Reparem nesse quadro "Femme nue dans un fauteuil rouge".



Ele claramente coloca um segundo rosto, de cabeleira verde, sobre o rosto da loura Marie-Thérèse, que  a beija na boca. Há um segundo personagem sobre-posto, que abraça a modelo, mas que também é o corpo dela. Como se os corpos se misturassem, como se Picasso tivesse se pintado como uma sombra, um fantasma que poderia, sem se materializar, penetrar no corpo de quem ele quisesse. Um sonho, como se sabe, que ele acalentou durante muitos anos.

***

Com o cubismo, e essa quebra da linearidade na narrativa dos quadros, Picasso consegue, mesmo que poeticamente - talvez a única maneira possível -, dar conta de um dos aspectos do absoluto. Ele conseguia mostrar várias faces de um objeto/modelo ao mesmo tempo, destruindo aquela máxima que, se eu não me engano, foi imortalizada pelos relativistas, os físicos, de que quando se olha o ponto, se perde a linha, e vice-versa. Com Picasso, ambos podem coexistir, simultaneamente. Na arte, o que parece impossível pode ser realizado, se você tem coragem - e isso, ele teve.

***

Essa transformação, essa mutação na obra de Picasso, é uma das grandes inspirações para David Hockney, o último artista a aparecer na exposição do Tate Britain sobre a relação de Picasso com a Inglaterra:  as oportunidades em que passou aqui, os projetos em que trabalhou, as obras que sempre estiveram no país [talvez o ponto baixo de toda a exposição, pelo processo quase dicionárico de listar o caminho das obras, o que não importa em nada no momento de sua apreciação], as influências em outros artistas ingleses etc.. As obras de Hockney mostram essa preocupação de nunca se acomodar num formato, passando de desenhos simples - jamais simplórios - até uma pintura cubista feita com fotos polaroides. São incríveis.

domingo, 11 de março de 2012

Buraco-negro da memória

Ah, as memórias. São peças de uma engrenagem que é puxada todas as vezes que um gatilho é disparado – e esse gatilho pode ser disparado por qualquer razão, qualquer dos nossos sentidos, qualquer citação, ou mesmo outra memória. Ela pode – e deve ser adestrada – mas jamais é inteiramente domada. Ela sempre tem espaços escuros, buracos negros onde guardamos o lixo, aquilo que consideramos, por algum momento, que não precisaremos no futuro, ou aquilo que não queremos ver novamente, ou aquilo que, de tão confortável, não merece fundir uma alegórica placa, que é onde as suas informações são guardadas. É nesse buraco-negro que está a maior parte de nossas memórias. Esse buraco-negro é a regra da nossa memória, não a sua exceção. É esse buraco-negro que chupa o restante das nossas memórias, aquelas que foram momentaneamente iluminadas, para dentro, logo em seguida de serem utilizadas. E, essas partículas de lembrança, que ficam sempre em suspensão, que flutuam, como no espaço escuro lá fora, porque não há qualquer gravidade grave o suficiente para determinar um caminho óbvio, se perdem, ficam perdidas, como palavras dentro de um livro esquecido na prateleira mais alta da estante de uma empoeirada biblioteca trancada a chave, que sumiu. A memória armazena essas partículas e, quando o nosso processador precisa delas, joga luz para um determinado lado da memória, como se elas pudessem se agrupar automaticamente. Às vezes enxerga o que não quer. Às vezes, percebe associações surpreendentes. Às vezes, descobre bastante sobre si mesmo.

Taiko animated

One year after the earthquake, tsunami and the accident at
Fukushima, a sincere and simple tribute to Japan - Taiko by
 Kaijyo [in Bunka-sai event, in London]

sexta-feira, 9 de março de 2012

A máquina de Florence

Não é só a vida que vem em ondas como o mar. A música pop também tem os seus altos e baixos, ou momentos em que o aspecto mais econômico, cru, é o valorizado, enquanto em outros, o esbanjamento é o tom da vez. O processo é mais ou menos o mesmo: começa-se devagar, com poucos elementos, e vai se incrementando, crescendo, encorpando, até que um momento esse formato fica insustentável e o castelo cai. E se começa de novo, devagar, com poucos elementos, e vai crescendo, tomando corpo etc. Pense em Beatles. Depois, pense na sequência rock progressivo-punk. Se quiser mais exemplos, lembre dos sintetizadores da década de 1980, que culminam... no grunge. Por fim, e é onde eu quero chegar, para começar, pense no que esse mesmo grunge tinha se transformado no fim dos anos 1990 para, em seguida, percebemos que a resposta foram os Strokes, e toda uma onda de bandas que se produzem ao extremo para parecerem nuas.

Passada mais de uma década [estamos ficando velhos, eu sei], o processo de complexidade já está em pleno funcionamento novamente. Um exemplo, fácil, é toda a produção, por exemplo, de bandas como Arcade Fire. E o aparecimento de uma cantora + banda que tem tudo para ser uma das mais conhecidas performers, limítrofe U2 [essa é a minha aposta*] nas próximas gerações/década: Florence + the Machine.

Ontem assistimos a um show, dela + banda, que nunca, repito, nunca tinha tido a oportunidade de presenciar. Digo isso pelo tamanho da produção. Além da tradicional harpa, que ela leva para onde vai tocar, da roupa esvoaçante, do telão hipnótico, ela colocou um coral de vozes negras no palco para acompanhá-la em todas as suas músicas. E uma pequena orquestra de cordas. Foi de arrepiar. E inédito, para mim. Raramente um artista europeu - eu não me lembro de nenhum - consegue bancar a produção de atravessar o Atlântico com essa galera toda [eram uns 35 no palco]. Raramente, podemos fazer o retrato de uma artista quando jovem [ela tem 25 anos, está no segundo disco], junto com a presença da família - ela dedicou duas músicas para a mãe [uma professora de arte]. Raramente temos a oportunidade de conferir um show dentro de um incrível palácio, no alto de um incomum morro londrino, criado em 1873 para abrigar shows da época vitoriana.

Florence Welsh e a sua máquina de produzir petardos sonoros não têm medo de parecerem épicas, barrocas, grandiosas - e essa é a grande vantagem dela. Dar um corpo à música, uma sustância, uma suntuosidade, que não são facilmente encontrados na insípida música pop que preza por ser exatamente rala. É também a desvantagem, dirão os seus detratores, porque o limite daí para se levar a sério demais é tênue. Como estamos no segundo disco, e ao vivo, só temos a agradecer à potência sonora**.



* Claro que ela pode passar pelo processo de sinead-o'connorização e sumir em seguida.
** Parece que ela +banda vão cair no golpe do acústico. Chegaram ao mainstream.