quarta-feira, 17 de outubro de 2012

O nascimento da crença no jornalismo

Sempre tive dificuldade de me aceitar como jornalista. Via a profissão, via de regra, como uma versão um pouco mais glamourosa do apertador de parafusos, ou do fabricante de salsichas [talvez mais da última que da primeira]. Tentava evitar esse assunto e jamais tive orgulho do que eu fazia. Depois dessa passagem londrina, esse pensamento mudou. Agora, eu decidi que quero ser jornalista.

Houve três razões principais, e talvez mais uma secundária, para essa mudança radical de posição. Primeiro, foi o contato cotidiano com os jornais londrinos. A lista de regionais é imensa, mas a que mais me chama a atenção é a de circulação nacional. Entre esses tantos, de tão diferentes vertentes, tive mais contato com dois, especificamente: "London Evening Standard" e "The Guardian".

O primeiro é um tabloide, de direita, grátis, de grande circulação, distribuído principalmente em lugares muito movimentados, como saídas do metrô, e que não se furtou de estampar na capa a poucas semanas da eleição para prefeito de Londres o apoio ao candidato conservador à reeleição, Boris Johnson*. O segundo provavelmente dispensa apresentações, principalmente por ser um dos jornais mais abertos à internet no mundo, grande exemplo para outros veículos de como se portar nesses tempos nebulosos. Liberal, apóia posições que os leitores mais sensatos de outros países leem com uma ponta de inveja.

Se o "Guardian" é bastante conhecido, e justifica sozinho a sua [minha] leitura, explicar por que eu gostava de ler o outro é mais instigante, mostra o quanto ainda devemos aprender até termos uma sociedade aberta à diversidade de opiniões.

O "Standard", como os entregadores o chamam, me interessava por, entre as inúmeras reportagens do varejão, designar um espaço bastante significativo para gente como o crítico de arte Brian Sewell. Sewell é um sujeito polêmico, nitidamente arredio à arte conceitual, do nível Damien Hirst ou Turner Prize. Valoriza o artista como uma espécie de artesão, com inclinações além da materialidade da obra, e, além disso, tem um conhecimento histórico que embasbaca o leitor desprevenido. Para se ter a noção do que ele representou para mim, imagine um jornal popular tipo o "Extra" discutindo com informações aprofundadas todas as quintas a última exposição do MAM, por exemplo. É mais ou menos isso que o "Standard" faz. Como se demonstrasse que a arte, entre outros assuntos mais densos, não precisa - nem pode - ser elitista.

Jeff Daniels é o protagonista de 'Newsroom'
A segunda questão foi de caráter do entretenimento. Assistir a "Newsroom", a série americana que trata de um telejornal, foi, além de muito divertido, empolgante. Apesar dos momentos mela-cuecas, fez bem ao ego perceber que o jornalista não precisa fingir ser um espelho que tenta refletir, sem sucesso, o que ele viu, ou pior, a "realidade", sem se colocar em nenhum momento na notícia. Ele deve, ao contrário, se posicionar, e, explicando isso ao seu leitor/espectador, dar o seu ponto-de-vista sobre o assunto. É claro que, às vezes, e na tentativa de sempre fazer o certo, ele pode exagerar - e a série mostra momentos que o exagero é desastroso. Mas o erro não está descartado em nenhum formato. Neste, ao menos, vemos como o jornalismo pode ser mais emotivo, mais pessoal, mais humano.

Por fim, a descoberta de um autor, via os seus ensaios, que já é mais que um queridinho entre os escritores e gente ligada à literatura no Brasil: David Foster Wallace. "Consider the lobster", o tal livro em questão, mostra como o jornalismo pode ser veículo para uma série de indagações sobre assuntos diversos. Mesmo as pautas mais banais, como, no caso dele, uma visita ao "Oscar" da indústria pornô nos EUA, ou a uma feira de lagostas, que dá o título ao livro, mostra que ele pode abordar temas como sexualidade ou a dor. Tudo com um texto inteligente, com uma série quase infinita de referências, uma quantidade absurda de citações, um gama incrível de informação, e sem perder o humor jamais. Virou exemplo, para todo o sempre.

Terminemos pela causa secundária que me levou a ter fé, talvez pela primeira vez, no jornalismo. Não sei se foi coincidência, mas o fato de, nesse período, eu ter conseguido fazer matérias com mais calma, com apurações mais demoradas, mergulhos mais profundos nos assuntos pesquisados, estudar com mais segurança o tema que seria abordado, ter liberdade maior para escrever da maneira como eu queria, me deu ânimo. Fiquei empolgado, me sentia feliz com o resultado, tinha, afinal, orgulho. Não posso negar que a combinação de tais fatores foram importantes para essa mudança da minha atitude, principalmente porque eu pude colocar em prática tudo o que eu tinha vivenciado nesse ano, nas minhas leituras e no dia-a-dia. Agora, de volta à "realidade", vamos ver se ou até quando isso dura.

* Foi deveras curioso para um jornalista brasileiro perceber que, após a eleição de Johnson, o "Standard" foi o jornal escolhido pelo prefeito para encartar um panfletinho promocional para divulgar os eventos culturais durante as Olimpíadas de 2012. A coincidência nesse caso fica afetada.

ps. Talvez o tempo do jornalismo em papel do "Guardian" esteja curto. Ou não.

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