quarta-feira, 23 de outubro de 2013

Lembranças

Eu era novinho, tipo 5 anos, e todos os meninos da natação gostavam da mesma menina - mais velha, 8 anos, Cecília, Maria Cecília. Ou estou confundindo? Bem, de toda forma, eu lembro que ela era uma menina que não dava muito papo para ninguém. O que nós, crianças, chamávamos de metida. Nós, meninos, decidimos - não sei por quê - que deveríamos - tínhamos que! - falar com ela, avisá-la, comunicá-la de nosso "amor" por ela. não sei bem o que era isso, e acho que na época ninguém sabia. Mas por algum acaso, decidimos que tínhamos que falar com ela. Tínhamos. E, como todos os outros meninos tinham vergonha - assim como eu - eu resolvi, não me pergunte por quê, ir. Eu tinha que falar com ela. Lembro da cena com perfeição. Do carro da mãe dela, um fusca prateado. Da pedra de brita. Do meu pé ficando sujo. Do calor. Da luz vermelha. Dela, com os pés para o lado de fora do carro. Do seu ar meio esnobe. De querer ficar distante dos outros. De eu chegando perto dela, de todos os meus amiguinhos se escondendo nos outros carros, mas observando o processo todo, eu me aproximando, e não sabendo muito bem o que dizer, e aí falei, simplesmente, "Oi, Cecília, tudo bem?" - ela me ignorou. Ou falou algo muito simples, tipo "oi", e continuou ouvindo música, no rádio do fusca prateado. Eu insisti, disse que tinha que contar algo, ela quase deu de ombros, eu continuei: "É que eu e meus amigos gostamos de você há muito, muito tempo". Lembro até do movimento que eu fiz com as mãos, como se fossem hélices - o que me pareceu na hora, tanto é que eu completei: "Há tanto tempo que parece um ventilador". Ela não riu. Continuou parada, lá. Imóvel. Como se eu não tivesse lá. Eu estava tremendo. Gaguejando. Suando frio. "Bem", disse, "tenho que ir". Saí de lá, como se tivesse tirado uma bigorna de sobre a minha cabeça. Assim que passei pelo primeiro carro, os meninos vieram falar comigo. Queriam saber como tinha sido. Quando lhes contei que ela tinha nos ignorado solenemente, eles ficaram um pouco decepcionados. Eu, ao contrário, estava me sentindo aliviado. Curioso. Como se o simples fato de ter falado com ela - enfrentado esse medo pavoroso que eu tenho, além de ter feito o que eu acho que seria o certo - tivesse me tirado essa bigorna. Hoje, de certa forma, tenho um pouco de orgulho da cena.

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