Ele é um engenheiro. Trabalha em uma empresa de
telecomunicação.
Ela é jornalista, faz, por falta de pessoal, o horóscopo,
além da parte da TV.
Os dois têm pouco mais de 20 anos. Recém-formados. Ele um
pouco mais velho. Ela, mais bonita.
***
Quando se olharam, quando as suas visões, os seus olhares,
quando os os seus olhos, as miradas, se entrecruzaram pela primera vez, fez fogo,
viu uma labareda cruzando o glóbulo ocular dela, subiu um arrepio pela espinha
dele, que o fez balançar. Ficou sem ar e confuso. Encheu o ar de pulmões. Com
sede, queria beber da saliva dela.
***
Ele frequentava a igreja. Lia o horóscopo. Queria acreditar.
Tinha explicação para todas as suas dúvidas. Mas as dúvidas continuavam a
aparecer. Não cessavam. Arranjava outras explicações. Ela não sabia o que escrevia.
Apenas escrevia. Tinha feito, no máximo, um mapa astral. Tinha gostado. Mas, de
um modo curioso, até para ela mesma, ela sempre, sempre, lia o que tinha
escrito. No dia seguinte, fingia algo, disfarçava, e lia, como se fosse a
primeira vez que ela tinha contato com aquelas palavras. E, de certa forma
ainda mais estranha, era.
***
Pernas que brilham, pernas, coxas, que não são as mais
grossas, são até finas, para os padrões, mas a pele brilha, como se fosse seda –
essa metáfora batida, mas que funciona perfeitamente – a textura convida ao
toque, os dedos querem afundar, como em uma colcha felpuda nos frios invernos
da infância. Coxas que combinavam com o resto do corpo, se encaixavam
perfeitamente ao quadril e aos joelhos, mostrando que o todo não sobreviveria
sem suas partes.
***
“Momento de balanço na sua vida. Tente não se expor muito” –
dizia o seu horóscopo. Libra, ele era de libra. Ela, escorpião. O que ela
queria dizer para ele? Qual era o recado que ela estava colocando no horóscopo?
O que é “não se expor muito”? Será que ele estaria...
“Hora de grandes transformações em sua vida. Prepare-se para
a luta” – dizia o de escorpião. Era obviamente uma mensagem. Ela não estava bem
com o relacionamento.
***
“Como assim, você não sabe o que escreveu?”
“Eu apenas escrevo qualquer coisa. Não fico reparando em
qual signo isso vai cair. Você sabe que eu não acredito nisso...”
“Mas eu acredito!”
***
Terminaram o relacionamento, que nem tinha começado direito.
O que o incomodava não era ela dar recados para ele via a coluna, não era
fingir que não sabia de nada, mas a exposição. Como ele iria falar que
acreditava em horóscopo e desconsiderar a coluna dela, a principal coluna de
horóscopo da cidade? Era muita contradição. Não conseguiu lidar com isso. E
cancelou a assinatura do jornal.
***
Ela pediu para mudar de seção, mas a chefe não deixou,
alegando que havia recebido muitas cartas de leitores que disseram que a coluna
atual era a melhor que o jornal já tinha tido. Para convencê-la, a chefe ainda
sugeriu que ela assinasse a coluna. Nada de aumento, porém.
Ela pensou bem e aceitou, com a condição de que ela
assinasse a coluna com um pseudônimo. E que fosse um segredo do jornal a
identidade de Madame Solobugiavitch.
Nenhum comentário:
Postar um comentário