Agora que já se passaram alguns dias do lançamento extra-oficial do novo disco do Arcade Fire, "Reflektor", já é possível se chegar a uma conclusão direta e pouco surpreendente em se tratando da banda canadense: que disco, meus amigos, que disco!
Seguindo uma tradição recente de fazer um grande suspense para o lançamento, que talvez tenha atingido o seu perigoso ápice com Daft Punk e o "Random access memories", lançado no já longínquo 21 de maio, os não mais tão meninos e nem tão meninas do Arcade Fire também foram divulgando as músicas em conta-gotas, nas últimas semanas.
Daí veio a faixa título, num vídeo dirigido pelo craque Anton Corbijn [que criou a estética de muita banda da década de 1980, de U2 a The Cure] e a excelente "Afterlife", que faz uma homenagem ao Orfeu de Camus, inspirado na peça de Vinicius, entre tantas outras músicas. Mas, de alguma maneira, apesar dessas duas músicas citadas terem clipes interessantes [o de "Afterlife" é lindo], parecia que alguma coisa ali "atrapalhava" a fruição da música. Agora, sem a imagem para "competir", podemos ver que, sim, Win Butler, Régine Chassagne e cia. acertaram. De novo.
Se colocassem um arma na cabeça para me obrigar a dizer qual é a maior banda da atualidade, diria que é o Radiohead. Mas o Radiohead não é exatamente da minha geração - quero dizer, teria idade para acompanhá-los desde o início, mas eu não tinha idade mental para percebê-los lá pela metade da década de 1990. Já o Arcade Fire é a banda que eu acompanhei desde o primeiro disco. Vi crescer, por assim dizer.
O grupo da francófila Quebec [o que, por si só, já dá um caráter mais global às outras bandas de sua geração] apareceu no meu radar numa segunda onda de bandas independentes do século XXI, após a primeira enxurrada que trouxe, entre outros, Strokes e White Stripes. Eles chegaram a mim com uma outra banda que, para demonstrar como funciona essa questão do hype, eu nem me lembro mais qual era. Não quer dizer que esta segunda banda era ruim, [Foi o Bloc Party? Acho que não, acho que o Bloc Party veio depois, ainda.] mas que o Arcade Fire conseguiu se manter num auge contínuo, como se fosse possível, se renovando sempre, mas sem perder à conexão com eles mesmos. Eu até lembro que eu preferia a outra banda na época, por ser mais rock 'n' roll que o Arcade Fire, mas tudo mudou com um show a que eu assisti deles.
Era o saudoso Tim Festival, por sua vez, já uma mutação do Free Jazz. Eram também as minhas primeiras férias na vida. Para piorar, coincidiam também com um casamento de amigos próximos. Apesar disso tudo, não pestanejei: iria voltar das férias e assistir ao septeto [atualmente; na época, não sei], mesmo que precisasse ir de terno. E assim foi. E não me arrependi. Foi um dos melhores shows da minha vida. Logo de cara, já me fez pensar: "como assim eu ainda preferia a outra banda?". Eles subiram todos ao palco e ficaram em silêncio encarando a plateia por alguns míseros segundos, suficientes para hipnotizar quem estivesse embaixo. Começaram a entrada da música, ainda no escuro, baixinho, calminho, sem nervosismo, mas quando vem o momento "Oooooh, ooooh, oooooh, oooooooh, ooooooh...", as luzes se acenderam numa explosão e, aí, meu amigo, eles já tinham ganham completamente o jogo. Momento arrepio imediato, que só de assistir de novo arrepia novamente. A partir disso, o que fizessem ali - e eles fizeram muito, os caras chegaram a escalar a estrutura do palco! - era extra. O vídeo abaixo não dá nem um triscado do que realmente foi. Mas já dá para sacar:
Desde então, não consegui evitar acompanhar tudo o que eles fizeram. Quando reclamaram da soberba por terem gravado em igrejas, por conta da acústica, seu segundo disco "Neon bible", pensei, após ouvir o resultado, que o mundo, então, precisava de mais soberba - deste tipo de soberba que entrega o que promete. Quando lançaram "The suburbs" não precisei defendê-los de nada porque era um álbum intocável.
Aliás, se há algo que se repete a cada disco com o Arcade Fire é que eles não fazem, quase que como um milagre, música ruim. Não conseguem. Ao ouvir e assistir aos vídeos deste novo "Reflektor" pensei que, finalmente, tinham errado. Não era um alívio, nem uma decepção, era uma aceitação de que ninguém acerta sempre. Nem mesmo o Radiohead.
Mas aí que, talvez, more a grande diferença entre as bandas - além de todas as outras. Enquanto o Radiohead quer sempre experimentar, o Arcade Fire quer fazer canções bonitas. O nível de boniteza em suas músicas é muito, muito alto. Sempre é de uma beleza tão impactante, envolvente, quente, gostosa, feliz. Daí, talvez, a crítica pela soberba em "Neon bible". Pareciam estetas, sem sangue nas veias. Mas se para fazer músicas bonitas assim é preciso ser um pouco divino, e menos humano, eu, um simples ouvinte, autorizo. Que assim seja, então.
Às primeiras audições de "Reflektor", já sem as imagens para desviar meu foco, meu pensamento, minha percepção oscilou entre achar que era o disco mais rock 'n' roll deles, com direito até a riffs de guitarra, e o disco mais de pista, para dançar, com batidas mais retas, linhas de baixo mais evidentes. Como se fossem o elo perdido entre Joy Division e New Order, mas sem as nuvens pretas que cobriam o céu dos ingleses de Manchester. Como poderiam? A resposta para as minhas dúvidas, então, apareceu no nome do imenso [no talento] James Murphy. Ele, o homem por trás de nada menos que LCD Soundsystem, foi o produtor do disco. Tudo agora se explica. Eles são rock E também são dançantes. E também continuam produzindo músicas lindas, lindas, lindas que você não vai acreditar que são possíveis.
O que faz essa beleza toda, na minha humilíssima opinião, é a utilização, sem medo de parecerem grandiosos - e aí, novamente vamos nos aproximando de uma outra característica do Radiohead, que também não tem medo da grandeza - de inúmeros e diferentes instrumentos. Cordas são presença garantida em todos os álbuns, mesmo nesse, mais rock, mais dançante.
Outra vantagem dos canadenses logo de cara é a mistura das vozes masculina inglesa do californiano que cresceu no Texas Win Butler e da feminina francesa quebequense Régine Chassagne. É um contrabalanço entre alto e baixo. Grande e pequeno. Grave e agudo. Força e delicadeza. E as metáforas poderiam continuar. Na música título deste último disco, por exemplo, ela canta em francês um pedaço, e faz o backing vocal para ele. É uma camada perfeita para ele se exercitar.
Na segunda faixa, "We exist", além de barulhinhos eletrônicos, guitarra econômica, um baixo que parece saído de uma música do Michael Jackson, você encontra os violinos, ali. É como se eles juntassem o pueril, do entretenimento, do querer se divertir numa pista, sem se importar com o dia de amanhã, com uma necessidade de tocar mais fundo, com a vontade de emocionar. O final dele, em crescendo, com os violinos sustentando toda a música, é capaz de emocionar e fazer dançar - ao mesmo tempo - o mais duro das pedras.
Mas se você ainda tem espaço para se emocionar um pouco a mais, eles emendam com "Afterlife". Tecladinhos saídos de uma música disco da década de 1990. Bateria seca, simples, nada demais. Entra Win Butler: "Afterlife / oh my god, what awful word". Parece uma música simples, até que, ao fim da primeira estrofe, ele pergunta: "I've gotta know" - e aí começa de verdade. Percebemos que a simplicidade inicial é apenas a cama para a música, o tecladinho jamais vai sumir, mas ele vai ficar embaixo de uma camada de guitarras, de um coro simples, que tornam a música imensa, enorme. "But you say / Oh / When love is gone / Where does it go? / And you say / Oh / When love is gone/ Where does it go? / And where do we go? / Where do we go? / Where do we go? / Where do we go?"
"Afterlife" não é exatamente sobre a vida após a morte - ou não apenas. Mas sobre aquele momento em que estamos saindo de um amor e perguntamos: e agora? Como recomeçar? O clipe mostra isso bem.
Bem, poderia falar coisas bonitas de cada uma das canções desse disco, que virou uma pequena obsessão desde que o escutei pela primeira vez. Mas talvez possa resumir dizendo que estou cogitando mudar a resposta para o suposto homem atrás da arma, lá de cima, quando ele me perguntar "qual é a maior banda da atualidade?"
Seguindo uma tradição recente de fazer um grande suspense para o lançamento, que talvez tenha atingido o seu perigoso ápice com Daft Punk e o "Random access memories", lançado no já longínquo 21 de maio, os não mais tão meninos e nem tão meninas do Arcade Fire também foram divulgando as músicas em conta-gotas, nas últimas semanas.
Daí veio a faixa título, num vídeo dirigido pelo craque Anton Corbijn [que criou a estética de muita banda da década de 1980, de U2 a The Cure] e a excelente "Afterlife", que faz uma homenagem ao Orfeu de Camus, inspirado na peça de Vinicius, entre tantas outras músicas. Mas, de alguma maneira, apesar dessas duas músicas citadas terem clipes interessantes [o de "Afterlife" é lindo], parecia que alguma coisa ali "atrapalhava" a fruição da música. Agora, sem a imagem para "competir", podemos ver que, sim, Win Butler, Régine Chassagne e cia. acertaram. De novo.
Se colocassem um arma na cabeça para me obrigar a dizer qual é a maior banda da atualidade, diria que é o Radiohead. Mas o Radiohead não é exatamente da minha geração - quero dizer, teria idade para acompanhá-los desde o início, mas eu não tinha idade mental para percebê-los lá pela metade da década de 1990. Já o Arcade Fire é a banda que eu acompanhei desde o primeiro disco. Vi crescer, por assim dizer.
O grupo da francófila Quebec [o que, por si só, já dá um caráter mais global às outras bandas de sua geração] apareceu no meu radar numa segunda onda de bandas independentes do século XXI, após a primeira enxurrada que trouxe, entre outros, Strokes e White Stripes. Eles chegaram a mim com uma outra banda que, para demonstrar como funciona essa questão do hype, eu nem me lembro mais qual era. Não quer dizer que esta segunda banda era ruim, [Foi o Bloc Party? Acho que não, acho que o Bloc Party veio depois, ainda.] mas que o Arcade Fire conseguiu se manter num auge contínuo, como se fosse possível, se renovando sempre, mas sem perder à conexão com eles mesmos. Eu até lembro que eu preferia a outra banda na época, por ser mais rock 'n' roll que o Arcade Fire, mas tudo mudou com um show a que eu assisti deles.
Era o saudoso Tim Festival, por sua vez, já uma mutação do Free Jazz. Eram também as minhas primeiras férias na vida. Para piorar, coincidiam também com um casamento de amigos próximos. Apesar disso tudo, não pestanejei: iria voltar das férias e assistir ao septeto [atualmente; na época, não sei], mesmo que precisasse ir de terno. E assim foi. E não me arrependi. Foi um dos melhores shows da minha vida. Logo de cara, já me fez pensar: "como assim eu ainda preferia a outra banda?". Eles subiram todos ao palco e ficaram em silêncio encarando a plateia por alguns míseros segundos, suficientes para hipnotizar quem estivesse embaixo. Começaram a entrada da música, ainda no escuro, baixinho, calminho, sem nervosismo, mas quando vem o momento "Oooooh, ooooh, oooooh, oooooooh, ooooooh...", as luzes se acenderam numa explosão e, aí, meu amigo, eles já tinham ganham completamente o jogo. Momento arrepio imediato, que só de assistir de novo arrepia novamente. A partir disso, o que fizessem ali - e eles fizeram muito, os caras chegaram a escalar a estrutura do palco! - era extra. O vídeo abaixo não dá nem um triscado do que realmente foi. Mas já dá para sacar:
Desde então, não consegui evitar acompanhar tudo o que eles fizeram. Quando reclamaram da soberba por terem gravado em igrejas, por conta da acústica, seu segundo disco "Neon bible", pensei, após ouvir o resultado, que o mundo, então, precisava de mais soberba - deste tipo de soberba que entrega o que promete. Quando lançaram "The suburbs" não precisei defendê-los de nada porque era um álbum intocável.
Aliás, se há algo que se repete a cada disco com o Arcade Fire é que eles não fazem, quase que como um milagre, música ruim. Não conseguem. Ao ouvir e assistir aos vídeos deste novo "Reflektor" pensei que, finalmente, tinham errado. Não era um alívio, nem uma decepção, era uma aceitação de que ninguém acerta sempre. Nem mesmo o Radiohead.
Mas aí que, talvez, more a grande diferença entre as bandas - além de todas as outras. Enquanto o Radiohead quer sempre experimentar, o Arcade Fire quer fazer canções bonitas. O nível de boniteza em suas músicas é muito, muito alto. Sempre é de uma beleza tão impactante, envolvente, quente, gostosa, feliz. Daí, talvez, a crítica pela soberba em "Neon bible". Pareciam estetas, sem sangue nas veias. Mas se para fazer músicas bonitas assim é preciso ser um pouco divino, e menos humano, eu, um simples ouvinte, autorizo. Que assim seja, então.
Às primeiras audições de "Reflektor", já sem as imagens para desviar meu foco, meu pensamento, minha percepção oscilou entre achar que era o disco mais rock 'n' roll deles, com direito até a riffs de guitarra, e o disco mais de pista, para dançar, com batidas mais retas, linhas de baixo mais evidentes. Como se fossem o elo perdido entre Joy Division e New Order, mas sem as nuvens pretas que cobriam o céu dos ingleses de Manchester. Como poderiam? A resposta para as minhas dúvidas, então, apareceu no nome do imenso [no talento] James Murphy. Ele, o homem por trás de nada menos que LCD Soundsystem, foi o produtor do disco. Tudo agora se explica. Eles são rock E também são dançantes. E também continuam produzindo músicas lindas, lindas, lindas que você não vai acreditar que são possíveis.
O que faz essa beleza toda, na minha humilíssima opinião, é a utilização, sem medo de parecerem grandiosos - e aí, novamente vamos nos aproximando de uma outra característica do Radiohead, que também não tem medo da grandeza - de inúmeros e diferentes instrumentos. Cordas são presença garantida em todos os álbuns, mesmo nesse, mais rock, mais dançante.
Outra vantagem dos canadenses logo de cara é a mistura das vozes masculina inglesa do californiano que cresceu no Texas Win Butler e da feminina francesa quebequense Régine Chassagne. É um contrabalanço entre alto e baixo. Grande e pequeno. Grave e agudo. Força e delicadeza. E as metáforas poderiam continuar. Na música título deste último disco, por exemplo, ela canta em francês um pedaço, e faz o backing vocal para ele. É uma camada perfeita para ele se exercitar.
Na segunda faixa, "We exist", além de barulhinhos eletrônicos, guitarra econômica, um baixo que parece saído de uma música do Michael Jackson, você encontra os violinos, ali. É como se eles juntassem o pueril, do entretenimento, do querer se divertir numa pista, sem se importar com o dia de amanhã, com uma necessidade de tocar mais fundo, com a vontade de emocionar. O final dele, em crescendo, com os violinos sustentando toda a música, é capaz de emocionar e fazer dançar - ao mesmo tempo - o mais duro das pedras.
Mas se você ainda tem espaço para se emocionar um pouco a mais, eles emendam com "Afterlife". Tecladinhos saídos de uma música disco da década de 1990. Bateria seca, simples, nada demais. Entra Win Butler: "Afterlife / oh my god, what awful word". Parece uma música simples, até que, ao fim da primeira estrofe, ele pergunta: "I've gotta know" - e aí começa de verdade. Percebemos que a simplicidade inicial é apenas a cama para a música, o tecladinho jamais vai sumir, mas ele vai ficar embaixo de uma camada de guitarras, de um coro simples, que tornam a música imensa, enorme. "But you say / Oh / When love is gone / Where does it go? / And you say / Oh / When love is gone/ Where does it go? / And where do we go? / Where do we go? / Where do we go? / Where do we go?"
"Afterlife" não é exatamente sobre a vida após a morte - ou não apenas. Mas sobre aquele momento em que estamos saindo de um amor e perguntamos: e agora? Como recomeçar? O clipe mostra isso bem.
Bem, poderia falar coisas bonitas de cada uma das canções desse disco, que virou uma pequena obsessão desde que o escutei pela primeira vez. Mas talvez possa resumir dizendo que estou cogitando mudar a resposta para o suposto homem atrás da arma, lá de cima, quando ele me perguntar "qual é a maior banda da atualidade?"
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