Desde que a lei n. 13.564 entrou em vigor, há duas semanas,
já foram retirados de circulação 565 deprimidos em todo o país, segundo dados
oficiais do governo federal. Tudo para cumprir a meta do novo presidente da
República que batalhou pela sua concretização, para colocar em prática seu
slogan que diz que país feliz é país sem deprimidos. Desde então, a depressão, vista há muito como
um problema de saúde pública do mundo contemporâneo, e que atinge um número
cada vez maior de pessoas, está sendo tratada como uma contravenção penal, como
é, por exemplo, o jogo do bicho.
O doente é retirado do convívio social e isolado em um dos
20 resorts por todo o país que foram desapropriados no início do ano e, após leilões
em lote, concedidos para iniciativa privada em esquema PPP. Eles são
classificados em quatro estilos (beach, jungle, country, adventure) para
atender as demandas do programa. Nesses rebatizados e remodelados centros de
tratamento, os doentes são submetidos a sessões ininterruptas do que se
convencionou chamar de “alegria e felicidade”, acompanhados de médicos,
psicólogos, líderes religiosos e psiquiatras, além de profissionais mais
especializados, como animadores, dançarinos e recreadores, que ministram as sessões
em questão. Como pena, os detidos são obrigados a passar por diversas
atividades que incentivem a interação social.
Claro que a medida não passou a vigorar sem polêmica. Os
maiores críticos da proposta são os ex-donos dos resorts, que ganharam uma
indenização que eles chamam de simbólicas. E não adiantou o governo tentar
explicar que era uma medida em caráter de urgência, de saúde pública, que tinha
impacto em todo o país, e que beneficiaria diretamente, segundo as contas dos ministérios
da Saúde e da Justiça, as cerca de 13 milhões de pessoas que são diagnosticados
como deprimidos – isso, sem contar com os beneficiados indiretos. A associação
que representa os ex-donos de resort já informou que vai entrar na justiça para
reaver os imóveis ou, ao menos, aumentar os valores passados.
A indústria farmacêutica foi outra que também apresentou
queixa para a central que está coordenando todas as ações. Como, pelos
critérios estabelecidos pela lei, quem tomar antidepressivo deve ser levado
para uma dessas detenções, começou a circular um mercado ainda mais negro que o
anterior de medicamentos de tarja preta. Estão acontecendo adulterações e
fabricações caseiras de remédios – o que é proibido por lei (outra lei). A lei,
argumenta a indústria farmacêutica, é muito dura: em um de seus artigos, é
considerado contraventor quem tomar frequentemente – mais de três vezes na
semana – qualquer tipo de remédio para dormir.
E não adiantou o governo fazer campanha em todas as mídias,
mostrando imagens de todos os deprimidos se “divertindo” [termo usado] nos
resorts-prisão: aprendendo a surfar [na versão beach], usando arco e flecha [na
versão adventure], andando de cavalo [nos country], praticando arvorismo [na
jungle] etc.. Sempre haverá reclamações de que os deprimidos não estão autorizados
a sair do local e que são obrigados a passsar pela “diversão”. Pais e
familiares de alguns internos costumam de dizer que, mesmo com o esforço do
governo, os deprimidos não se “divertem”.
O dia a dia de um deprimido nesses lugares é agitado. Não há
muito rotina, exatamente porque rotina faz parte de um cotidiano considerado
pelos critérios do programa de reabilitação apresentado como “chato”. A única
regra portanto é: não se pode parar quieto. Eles têm exatas oito horas de sono,
em um quarto coletivo – porque não é permitido também o isolamento. Nas 16
horas que ficam acordados, são obrigados a participar das sessões de “alegria e
felicidade”. Todas as atividades são ao ar livre, com a exceção de quando chove
– aí, vão a lugares o mais distante possível da chuva, para que ela não contamine
os doentes. Também são incentivadas a prática religiosa, mas sempre das igrejas
cadastradas, que recebem o selo de “animação”, fornecido pelo Ministério do
Esporte e Religião.
Não é permitido, porém, ao deprimido enquanto em tratamento
ficar em nenhum momento consigo mesmo, seja rezando, orando, meditando,
refletindo, pensando, imaginando, ou mesmo praticando atividades solitárias ou
que requerem alguma concentração, como ler ou jogar xadrez, por exemplo.
São feitas festas durante todo o dia, de diferentes tipos,
para que o deprimido possa ter opções variadas e nunca se entediar, mas há
certas tendências, que já podem ser mapeadas. Nas praias do Nordeste, há
bastante axé e forró eletrônico. No Sul, rock. São Paulo, capital e interior,
sertanejo universitário. Rio, pagode. São músicas leves, felizes, animadas, que
têm a intenção de, segundo os criadores do programa, “levantar o astral”.
Infelizmente, já houve óbitos nos centros de detenção. Em
alguns resorts de praia, apesar do número não ser oficial, houve ao menos cinco
afogados. Especula-se que tenham sido casos de deprimidos que tentaram escapar
dos resorts. Em um resort adventure, houve um caso de morte no tobogã: a menina
de 19 anos F. G. quebrou o pescoço na descida. Na Jungle, um garoto conseguiu
fugir para o meio da floresta, mas acabou morrendo, ao ficar perdido. Na
Country, um rapaz morreu em um acidente com a corda do arreio dos cavalos, que
se enrolou no pescoço dele.
Mesmo com a polêmica, o governo informou que vai continuar a
investir no programa de recuperação. O presidente disse que quer que o país
seja o primeiro do mundo a erradicar essa doença epidêmica, acabando com a
proliferação e a contaminação dos casos. Para isso, o presidente, e seu grupo
de assessores, estuda inclusive modificar o tratamento de água para
acrescentar, além de flúor e cloro, uma dose de antidepressivo também.
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