quarta-feira, 16 de outubro de 2013

Antidepressivos: a força

Desde que a lei n. 13.564 entrou em vigor, há duas semanas, já foram retirados de circulação 565 deprimidos em todo o país, segundo dados oficiais do governo federal. Tudo para cumprir a meta do novo presidente da República que batalhou pela sua concretização, para colocar em prática seu slogan que diz que país feliz é país sem deprimidos.  Desde então, a depressão, vista há muito como um problema de saúde pública do mundo contemporâneo, e que atinge um número cada vez maior de pessoas, está sendo tratada como uma contravenção penal, como é, por exemplo, o jogo do bicho.

O doente é retirado do convívio social e isolado em um dos 20 resorts por todo o país que foram desapropriados no início do ano e, após leilões em lote, concedidos para iniciativa privada em esquema PPP. Eles são classificados em quatro estilos (beach, jungle, country, adventure) para atender as demandas do programa. Nesses rebatizados e remodelados centros de tratamento, os doentes são submetidos a sessões ininterruptas do que se convencionou chamar de “alegria e felicidade”, acompanhados de médicos, psicólogos, líderes religiosos e psiquiatras, além de profissionais mais especializados, como animadores, dançarinos e recreadores, que ministram as sessões em questão. Como pena, os detidos são obrigados a passar por diversas atividades que incentivem a interação social.



Claro que a medida não passou a vigorar sem polêmica. Os maiores críticos da proposta são os ex-donos dos resorts, que ganharam uma indenização que eles chamam de simbólicas. E não adiantou o governo tentar explicar que era uma medida em caráter de urgência, de saúde pública, que tinha impacto em todo o país, e que beneficiaria diretamente, segundo as contas dos ministérios da Saúde e da Justiça, as cerca de 13 milhões de pessoas que são diagnosticados como deprimidos – isso, sem contar com os beneficiados indiretos. A associação que representa os ex-donos de resort já informou que vai entrar na justiça para reaver os imóveis ou, ao menos, aumentar os valores passados.

A indústria farmacêutica foi outra que também apresentou queixa para a central que está coordenando todas as ações. Como, pelos critérios estabelecidos pela lei, quem tomar antidepressivo deve ser levado para uma dessas detenções, começou a circular um mercado ainda mais negro que o anterior de medicamentos de tarja preta. Estão acontecendo adulterações e fabricações caseiras de remédios – o que é proibido por lei (outra lei). A lei, argumenta a indústria farmacêutica, é muito dura: em um de seus artigos, é considerado contraventor quem tomar frequentemente – mais de três vezes na semana – qualquer tipo de remédio para dormir.

E não adiantou o governo fazer campanha em todas as mídias, mostrando imagens de todos os deprimidos se “divertindo” [termo usado] nos resorts-prisão: aprendendo a surfar [na versão beach], usando arco e flecha [na versão adventure], andando de cavalo [nos country], praticando arvorismo [na jungle] etc.. Sempre haverá reclamações de que os deprimidos não estão autorizados a sair do local e que são obrigados a passsar pela “diversão”. Pais e familiares de alguns internos costumam de dizer que, mesmo com o esforço do governo, os deprimidos não se “divertem”.

O dia a dia de um deprimido nesses lugares é agitado. Não há muito rotina, exatamente porque rotina faz parte de um cotidiano considerado pelos critérios do programa de reabilitação apresentado como “chato”. A única regra portanto é: não se pode parar quieto. Eles têm exatas oito horas de sono, em um quarto coletivo – porque não é permitido também o isolamento. Nas 16 horas que ficam acordados, são obrigados a participar das sessões de “alegria e felicidade”. Todas as atividades são ao ar livre, com a exceção de quando chove – aí, vão a lugares o mais distante possível da chuva, para que ela não contamine os doentes. Também são incentivadas a prática religiosa, mas sempre das igrejas cadastradas, que recebem o selo de “animação”, fornecido pelo Ministério do Esporte e Religião.


Não é permitido, porém, ao deprimido enquanto em tratamento ficar em nenhum momento consigo mesmo, seja rezando, orando, meditando, refletindo, pensando, imaginando, ou mesmo praticando atividades solitárias ou que requerem alguma concentração, como ler ou jogar xadrez, por exemplo.

São feitas festas durante todo o dia, de diferentes tipos, para que o deprimido possa ter opções variadas e nunca se entediar, mas há certas tendências, que já podem ser mapeadas. Nas praias do Nordeste, há bastante axé e forró eletrônico. No Sul, rock. São Paulo, capital e interior, sertanejo universitário. Rio, pagode. São músicas leves, felizes, animadas, que têm a intenção de, segundo os criadores do programa, “levantar o astral”.

Infelizmente, já houve óbitos nos centros de detenção. Em alguns resorts de praia, apesar do número não ser oficial, houve ao menos cinco afogados. Especula-se que tenham sido casos de deprimidos que tentaram escapar dos resorts. Em um resort adventure, houve um caso de morte no tobogã: a menina de 19 anos F. G. quebrou o pescoço na descida. Na Jungle, um garoto conseguiu fugir para o meio da floresta, mas acabou morrendo, ao ficar perdido. Na Country, um rapaz morreu em um acidente com a corda do arreio dos cavalos, que se enrolou no pescoço dele.


Mesmo com a polêmica, o governo informou que vai continuar a investir no programa de recuperação. O presidente disse que quer que o país seja o primeiro do mundo a erradicar essa doença epidêmica, acabando com a proliferação e a contaminação dos casos. Para isso, o presidente, e seu grupo de assessores, estuda inclusive modificar o tratamento de água para acrescentar, além de flúor e cloro, uma dose de antidepressivo também.

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