segunda-feira, 29 de abril de 2013

Anedotas filosóficas: os cavalos de Nietzsche e Dostoiévski

Em 1889, já bastante debilitado mentalmente, Nietzsche presenciou uma cena em Turim que é considerada o seu último momento de sanidade. E essa cena talvez queira dizer muito, talvez possamos interpretá-la de uma maneira bem ampla, que o leve a Dostoiévski.

Diz-se que o pensador alemão já estava delirando nesse período, vítima provavelmente da sífilis. Escrevendo cartas para amigos assinava com outros nomes, como Dionísio. Nessas cartas, se colocava num papel de o grande enviado, como se fosse o fundador de uma nova religião, a que substituiria o cristianismo. Uma seita para os übermensch. Esses além-do-homem seria os novos homens que não baseariam suas vidas em um conceito externo, como um deus, a religião, a sociedade, a igualdade, ou a compaixão. Mas em suas vontades de potência. A última cena de sua vida sã talvez seja um belo desfecho para esse caminho.

Nietzsche andava por Turim, num dia frio, e viu um cavalo muito fraco no meio de uma praça ser açoitado pelo seu dono porque não andava. O cavalo, pele e osso, com uma carga pesada, não conseguia mais se mexer. Seu dono, porém, não se importava com seus problemas e o continuava a castigar. Até que, depois de muito sofrer, o cavalo não resiste e desaba. As pessoas na praça ficam atônitas, mas só Nietzsche, num impulso, corre para abraçar o cavalo. Ele nunca mais voltaria a se relacionar com as pessoas.

Seria apenas uma cena forte se não fosse a mesma descrição do episódio do capítulo cinco do "Crime e castigo" do Dostoiévski, escrito algumas décadas antes. No lugar de Nietzsche, quem vê um cavalo fraco em uma cena de inverno ser maltratado e corre para salvá-lo de seu dono é Raskolnikov, o protagonista do livro que crê na ideia dos homens extraordinários, capazes de cometerem até crimes para mostrar as suas grandes ideias.

Seria apenas uma coincidência caso não soubéssemos que bem provavelmente Nietzsche havia lido Dostoiévski. Podemos imaginar o que passou na cabeça de Nietzsche nesse momento: estou dentro de um romance? Sou um personagem de um novelista russo? Existe um início, meio e fim para a minha vida? Alternativas estas que contrariam tudo o que o pensador alemão proferiu em sua vida, com as suas propostas de um niilismo que se pode chamar ativo.

Logo Nietzsche, o homem que escreveu sobre o a morte de Deus. Logo ele. Estar numa situação retratado por Dostoiévski, que tinha colocado na boca de um personagem de seu "Os irmãos Karamazov" o desespero ante a possibilidade de um mundo sem Deus. Sempre se diz que a história é uma senhora irônica.

Nietzsche morre 11 anos depois, no ano 1900, sem conhecer o século em que as suas ideias seriam, de uma maneira estabalhoada, colocadas em prática. Dizem que viveu em estado semi-vegetativo, sendo cuidado pela sua irmã, que deixava pessoas o visitarem, mesmo nessa situação constrangedora. A mesma irmã que depois editou seus escritos de maneira a transformá-lo em um filósofo nazista - coisa que ele não era.

Dizem que 11 anos é um tempo exagerado para alguém que está sofrendo de uma falência metal grave, como era o caso de Nietzsche. Mas, neste caso, talvez tenha sido um desejo de parar. Uma desistência completa. Uma falta de potência exagerada de sua vontade. Como se percebesse que ninguém mais o escutava. Que o que ele dizia não fazia sentido nem para ele mesmo.

Uma derrota para o homem Nietzsche, podem imaginar alguns. Mas, mesmo assim, foi certamente uma vitória para o além-do-homem. Demonstrou que ninguém está acima dos demais, nem mesmo o filósofo que formulou sua teoria. Ninguém merece ser seguido ou imitado. Ao abdicar da vida, Nietzsche deu a sua última lição: demonstrou que ele também não devia ser idolatrado.

2 comentários:

Anônimo disse...

... sabem que Nietzschen não era LOUCO e se morreu "louco", foi porque o fizerem louco ...

SERGIO DE ´PAULA disse...

Eu tiraria "anedotas filosóficas" do titulo. Constrange todo texto, ao meu ver.