Agora que os três livros já foram lançados no Brasil, acho que já posso dar a minha opinião sobre esse fenômeno em "
50 tons". Infelizmente tive que ler os dois primeiros volumes para
entrevistar a sua autora, E. L. James, e, como forma de introdução a esse texto, tenho que deixar clara a minha opinião: foi a pior experiência literária que eu já tive na vida.
Os personagens são todos completamente inacreditáveis. Tenho o costume de, ao falar sobre esse assunto, pedir ao interlocutor que descreva o protagonista Christian Grey, principalmente se ele não tiver lido nada sobre o assunto do livro. O resultado é sempre certeiro. Ninguém, até hoje, citou qualidades que ele não tinha. É um
self-made man rico, preocupado com o meio ambiente [
adorei esse detalhe contemporâneo], bonito, charmoso, misterioso, corajoso, culto, viajado, fala francês, excepcional de cama, pilota helicópteros, faixa preta de taekwondo e,
cherry on the top, um grande pianista. Isso, com menos de 30 anos. É praticamente impossível não acertar.
Mas a minha opinião, como se prova sempre, não importa. O sucesso do livro é cada vez maior. As pessoas querem-porque-querem lê-lo e, ao lê-lo, acham que é o livro que mudou a vida delas. Eu não sei a razão exata do sucesso dos "50 tons" - se soubesse, seria contratado pelas editoras com um excelente salário para reproduzir essas vendagens -, mas posso sugerir algumas hipóteses que eu venho matutando sobre esse assunto.
Primeiro, quero dizer que as vendagens do livro se fazem
apesar da sua autora. E. L. James me pareceu uma mãe de uma bem tradicional família que caiu de paraquedas no turbilhão de um mercado que, vez por outra, elege um livro para ser o graal. Ela até pode ser extremamente bem treinada para repetir frases para jornalistas - mas isso não me pareceu o caso. Para mim, mesmo que ela tenha sido uma executiva de TV, ela não tinha noção da repercussão que daria aquele livrinho que ela escreveu fazendo paralelos com a série "Crepúsculo", apenas trocando o grande tema do vampiro que não morde - portanto, não penetra - para um homem que tem que um passado tortuoso e extravasa os seus demônios de forma sexual.
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Leticce fez um info cruel sobre a relação entre os protagonistas. |
Até pelo nível da leitura dela, por ter amado a saga "Crepúsculo", já quarentona, percebemos que ela não é alguém com um nível crítico muito desenvolvido. Não consigo vislumbrá-la maquiavelicamente pensando o que daria certo, ou não, o que faria sucesso, ou não. Novamente, se isso fosse assim tão possível, as pessoas fariam mais vezes. Esse tipo de sucesso é espontâneo, imprevisível, mas não necessariamente sem explicação
a posteriori.
E chegamos ao primeiro ponto da provável explicação para esse sucesso: ter sido uma fanfiction. Uma obra que se baseava, abertamente, em outra. E em outra que tinha sido, por si só, um sucesso extravagante. Hoje essa informação é menos divulgada, até porque não é interessante para a editora, por um receio de sofrer um processo de plágio, essa associação, mas, para mim, isso foi o pontapé inicial da escalada do
blockbuster.
Num primeiro momento, ter sido um fanfiction que explorava o erótico destacou aquela obra, que ainda nem se chamava "Fifity shades of Grey" [o título, com esse excelente trocadilho, é o melhor do livro, e, claramente não é coisa da autora, mas, provavelmente, da editora], mas "Master of the Universe", do mar de outras ficções de fãs de "Twilight".
No primeiro momento do sucesso na Inglaterra, o "London Evening Standard" colocou um repórter para ler as obras criadas no site de fãs em que apareceu o "Fifity shades...". E o cara disse que uma era pior que a outra. A única com algum início-meio-fim, que ele tenha tido acesso, era mesmo "Fifty shades...". Ou seja, sua autora conseguiu, repetindo uma estrutura razoavelmente pronta, a de "Twilight", trocar os sinais de "puritanismo", que a obra dos vampirinhos passava, para um de "erotismo". Ponto para ela.
A obra cresceu ao ponto de começar a ser comercializada, sob demanda, por uma editora australiana, até que a sua atual editora da Inglaterra a descobriu, repaginou toda a história, reposicionou no mercado, e fez propaganda para ela crescer. O assunto era interessante para os jornalistas: uma fanfiction publicada em livro, a primeira com alguma divulgação, que se baseava em outro sucesso editorial, e que tinha um
twist erótico, sado-masô - mas não muito, nada muito exagerado. Consequentemente, foi apelidado de
mommy porn, que é uma ótima descrição.
É curioso, vai, admita. Quem não ficaria intrigado com essa história? "Um livro pornô, sado-masô, com os mesmos personagens de 'Twilight'? Quero ler também!" Isso explica, para mim, o fato das vendagens crescerem no primeiro momento. As pessoas ficaram interessadas, queriam saber o que - e o porquê - as outras estavam lendo. Isso acontece de tempos em tempos. Um livro vende porque um livro vende. As pessoas compram porque todo mundo está comprando. É um comportamento de manada, bovino, bem comum. Não espanta.
O que também explica bem o motivo pelo qual as pessoas leram e
gostaram da trilogia - que também não era inicialmente uma trilogia. Primeiro, ter uma posição contra a maré só causa problemas. Segundo, esses leitores não são exatamente grandes leitores, portanto a comparação fica prejudicada. Terceiro porque, bem, porque tem essa leve pitada de
sacanagem. Imagine a mamãe que nunca pôde ler, ver, ouvir pornografia, porque era feio, sujo, pecado, coisa de puta, ter acesso agora a uma obra que, além de falar de sexo abertamente, é um livro - portanto, num raciocínio torto, algo obviamente culto - e um livro que todo mundo está também lendo - portanto, que pode, que não é nem feio, sujo, pecado, nem coisa de puta. Certeza de dar certo.
Em breve, claro, essa onda vai passar. Assim como passaram as dos elfos, das sociedades secretas, dos bruxinhos, dos vampiros. E logo seremos envolvidos numa próxima moda.