quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Top filmes da década: menções honrosas

'kill bill 1+2' - tarantino, sempre.

'A Vila' - ok, podem falar que a ideia era de um episódio do 'além da imaginação', mas eu não sabia. e podem falar que o shyamalan é um picareta, mas é o melhor filme que ele fez nessa década.

'Valsa com Bashir' - a história por si só já é bizarra: um massacre de católicos contra árabes, sob as benções de israelenses. mas em rotoscopia, a sensação é de horror, o horror.

'punch-drunk-love' - a cena inicial do carro capotando visto na primeira fileira de um cinema com a tela wide é inesquecível.

'munique' - tem aquela baboseira da transa, ao fim, ok; mas o spielberg filma bem pra chuchu.

'réquiem para um sonho' - esse moço Darren Aronofsky é um ótimo diretor e um péssimo roteirista. as sacadas dele nesse filme são ótimas. e o que é o "ass to ass"?

'dogville' - um filme que parece teatro que até o batata gostou? o lars von trier tem muitos problemas, mas entre eles não está a falta de bom gosto.

'A ilha do medo' - mostrou que scorsese é muito melhor que o eastwood [que filmou outro livro do lehane, o 'sobre meninos e lobos'].

'Lúcia e o sexo' - narrativa circular, rocambolesca, que vai para a frente só de vez em quando e que tem PAZ VEGA. nada mais a acrescentar.

'As invasões bárbaras' - uma espécie de saudosismo do que não foi, uma vontade de valorizar um passado quando éramos mais inteligentes, mesmo que não tínhamos vivido. foi essa a sensação que eu tive.

mais filmes que mereciam entrar aqui:

'amnésia'
'a vida dos outros'
'a queda'
'adeus lênin'
'oldboy'
'o filho da noiva'
'antes do pôr-do-sol'
'caché'
'a festa nunca termina'
'match point'
'cidade dos sonhos'
'o retorno'
'encontros e desencontros'
'Tiros em Columbine'
'Samsara'
'Diários de motocicleta'
'Senhores do crime'
'Entre os muros da escola'
'2046'
'O fantástico sr. Raposo'
'x-men 2'
'Apocalyptico'

Top 10 filmes da década

Top 10 filmes da década, sem ordem com exceção do primeiro [o meu critério é altamente subjetivo: o impacto que os filmes tiveram sobre mim logo que os vi, por isso vou tirar os filmes que repercutiram depois].

- 'Brilho eterno de uma mente sem lembranças'  - não me canso de ver esse filme. Gondry é o maior diretor dessa geração videoclipe e o Kaufman é um gênio [que precisa de um diretor imaginativo para controlar seus devaneios];


- 'Cidade de Deus' - mudou o patamar dos filmes brasileiros e projetou o nome do Meirelles para o mundo inteiro, além de fazer um filme de máfia melhor que 'Os bons companheiros'.

- 'Tropa de elite' 1+2 [migué meu] - conseguiu impressionar e surpreender duas vezes e criou um super-herói brasileiro [falei isso antes da 'veja', ok?];

- 'Ratatouille' - foi difícil escolher um único filme da pixar; acho 'Os incríveis' e 'Wall-e' e 'Up' obras-primas. mas entre todos, acho a história do ratinho cozinheiro o que mais me comoveu...

'A rede social' - o retrato de uma geração que ainda me assusta absurdamente. E a volta de um diretor que 'tava meio pelas tabelas.

'Batman - dark knight' - um herói que deve ser visto como o bandido para o bem da sociedade. Assusta só de reescrever isso aqui. E tem aquele coringa, o segundo maior vilão da década.

'L'ultimo bacio' - Gabriele Muccino fez um dos maiores filmes pequenos que já vi. e, em seguida, foi cooptado pelo Will Smith.

'Irreversível' - quantas vezes um filme incomodou tanto os espectadores? ganhou de 'Dogville' nessa subcategoria pessoal por conta da Monica Bellucci.

'Onde os fracos não têm vez' - o melhor faroeste moderno - e um dos melhores de todos os tempos. Isso sem falar no Javier Bardem, o maior vilão da década.

'O segredo dos seus olhos' - pensei que, por mais que tenha gostado d''O filho da noiva', esse filme levou a fórmula do Campanella além. E tem o Ricardo Darín, um dos melhores atores do mundo.

Dois brasileiros, cinco americanos, sendo que desses um é dirigido por um francês e outro é uma animação sobre a França; puro-sangue, só três, sendo um o máximo do cinema americano atualmente, o de quadrinhos; outro o clássico faroeste; e por último, um filme sobre um dos lugares menos americano dos eua, Harvard. Um italiano, que logo foi para os EUA; um francês-argentino; e um argentino, com passagem pelos EUA.

Foi a década em que o cinema americano de qualidade menos se pareceu com os eua; e o cinema do mundo mais tentou ser Hollywood.

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Dez melhores discos da década

Pouca gente se dá conta que a primeira década do século xxi só acabou este ano. Ano passado foi a vez das milhares de retrospectivas.

Porém, sendo coerentes, eu e os meus amigos [o fotógrafo Thiago 'Abel' Facina, os jornalistas e DJs Marcos 'Texas' Ramos e Daniel 'Tamba' Tambarotti, os jornalistas Helton 'Ruivo' Setta e Raphael 'Robson' Roque, o cineasta Luiz Henrique 'Batata' Campos, o desenhista e animador José Luiz '' Brandão Albuquerque, o publicitário Samuel 'Samuca' Tonin, seu irmão, o farmacêutico Daniel 'An'Tonin, o jornalista+RP+marketingman Eduardo 'Edu' Senise, com a complacência de Thiago Tudesco] elegemos os dez melhores álbuns dos últimos dez anos. Para concordar, discordar, para comentar. Veja abaixo a lista:


Strokes, "Is this it" - 10 votos;
Daft Punk - "Discovery" - 7 votos;
Amy Winehouse, "back to black" - 7 votos;
Arcade Fire – "Funeral" - 6 votos;
Hot Chip - "The Warning" - 6 votos;
Outkast, "Speakerboxxx/The Love Below" - 5 votos;
Interpol, "Turn on the bright lights" - 5 votos;
Radiohead, "In Rainbows" - 5 votos;
LCD - "Sound of Silver" - 4 votos
e [dou-lhe uma, dou-lhe duas, dou-lhe três...]
Gnarls Barkley - "St. Elsewhere" - 3 votos

menção honrosa para [houve um critério de desempate]:
- The Killers, "Hot fuzz" - 3 votos
- Hot Chip - "One night stand" - 3 votos
- Franz Ferdinand, idem - 3 votos

também citados pelo menos duas vezes:
- Hide quoted text -
- System of a Down - "Toxicity" - 2 votos
- Burial - "Untrue" - 2 votos.
- Gui Boratto - "Chromophobia" - 2 votos
- Junior Boys - "Last exit" - 2 votos
- Los Hermanos, "Bloco do Eu Sozinho" - 2 votos

sábado, 18 de dezembro de 2010

Noel Rosa 100 anos

Desde o dia em que assisti a essa palestra, fiquei ainda mais impressionado com o Noel. Por conta disso, vou fazer uma pequena homenagem, com uma de suas melhores e mais conhecidas músicas:


Conversa de botequim
Seu garçom, faça o favor de me trazer depressa
Uma boa média que não seja requentada,
Um pão bem quente com manteiga à beça,
Um guardanapo e um copo d'água bem gelada.
Feche a porta da direita com muito cuidado
Que eu não estou disposto a ficar exposto ao sol.
Vá perguntar ao seu freguês do lado
Qual foi o resultado do futebol.
Se você ficar limpando a mesa
Não me levanto nem pago a despesa.
Vá pedir ao seu patrão
Uma caneta, um tinteiro,
Um envelope e um cartão.
Não se esqueça de me dar palitos
E um cigarro pra espantar mosquitos.
Vá dizer ao charuteiro
Que me empreste umas revistas,
Um isqueiro e um cinzeiro.
(Refrão)
Seu garçom faça o favor de me trazer depressa...
Telefone ao menos uma vez
Para três quatro, quatro, três, três, três
E ordene ao seu Osório
Que me mande um guarda-chuva
Aqui pro nosso escritório.
Seu garçom me empresta algum dinheiro,
Que eu deixei o meu com o bicheiro.
Vá dizer ao seu gerente
Que pendure esta despesa
No cabide ali em frente.
(Refrão)
Seu garçom, faça o favor de me trazer depressa
Uma boa média que não seja requentada,
Um pão bem quente com manteiga à beça,
Um guardanapo e um copo d'água bem gelada.
Feche a porta da direita com muito cuidado
Que eu não estou disposto a ficar exposto ao sol.
Vá perguntar ao seu freguês do lado
Qual foi o resultado do futebol.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

É proibido cantar [funk]

Primeiro o fato: MCs são presos por cantarem funks com apologias ao tráfico de drogas. O argumento da polícia é que as músicas, falando de armas e dos traficantes, seduzem os adolescentes para entrar nas favelas. As imagens mostram eles se referindo a criminosos foragidos do Alemão, afirmando que eles foram para a Rocinha. O repórter mostra dois MCs [um inclusive, de cuecas] que, visivelmente nervosos, se contradizem. Mostra cordões de ouro como se perguntasse: um pé-rapado desse tem dinheiro para comprar cordão de ouro? Um terceiro, Smith, diz que só vai se pronunciar na presença do advogado e alega liberdade de expressão. A reportagem ainda mostra um quarto MC preso: numa batida, no Leblon, por tráfico de drogas [colocando toda a história num mesmo saco, questão de tempo, eu sei, mas é estranho].

Agora, duas considerações.

DoisPontoUm: Smith é o personagem de um documentário, dirigido, fotografado e com som de amigos. Ou seja, é um filme de amigos. O curta se chama "Grosso calibre" e foi financiado pela ONU exatamente para demonstrar como a violência influencia a cultura em países periféricos. Ele participa de uma competição, cujo vencedor vai ganhar equipamentos cinematográficos [Veja aqui e vote nele, se quiser, compartilhando nas redes sociais]. Portanto a prisão do Smith e dos outros me chamou a atenção mais que outros casos parecidos - mas devem existir às dezenas.

O MC faz apologia / elogio ao crime? Tanto quanto quem canta uma versão proibidona do clássico do Robertão: "É proibido fumar [maconha]". OK, talvez um pouco mais. OK, talvez MUITO mais. Mas, pergunto: e daí?

A polícia diz que jovens são seduzidos pela música desses MCs. Temos um problema aqui: por que alguns jovens são seduzidos e outros, não? E, de todos que gostam da música, quantos são realmente criminosos? Por mais que a policia não goste de pormenorizar, temos que admitir que há jovens que são seduzidos e outros que não. Qual é a diferença entre eles? Será que a música cumpre um papel realmente definitivo nessa opção? Será que não há outras carências e a música é apenas a parte de entretenimento dos jovens? Por fim, uma pergunta que é o inverso do argumento, mas que é totalmente sincera: será mesmo que alguém entra para o tráfico por conta dessas músicas?

Por fim, a alegação de MC Smith. Liberdade de expressão. Até onde vai a liberdade de expressão? Até o limite do crime, respondo. Até quando não comete algo ilegal, como fazer elogios ao crime, ou a criminosos. Mas esse limite não é muito tênue? Não parece que cantores pobres sofrem mais com esse tipo de perseguição que outros, mais ricos e bem sucedidos? Exemplo: a galera do Planet Hemp foi presa por fazer apologia [lembra?] às drogas. Logo a grita foi geral e hoje Marcelo D2 é o cara. Aparece duas vezes no horário nobre da TV Globo no mesmo dia.

OK, novamente estou fazendo comparações desmedidas, mas volto a perguntar: alguém vai defender esses MCs?

DoisPontoDois: Conversei recentemente com a historiadora Adriana Facina, que fez sua tese de doutora exatamente sobre o funk. Um de seus argumentos mostra como o estilo sofre o mesmo tratamento que o samba sofria no início do século passado. Era um som de preto, pobre, favelado. [Mas quando toca, ninguém fica parado. A música está certíssima.] Por isso, quem gosta de funk, que faz funk, quem frequenta os bailes, é discriminado. É criminalizado. É preso.

Adriana comentou um aspecto curioso, que ninguém leva em consideração, demonstrando o comportamento de todos para com o funk. “Quem critica o ‘proibidão’ o faz por causa de quem está falando isso, que é o morador da favela. Ignoram, também, a persona artística do cantor. Será que quando Chico Buarque interpreta uma música como mulher ele se torna gay?”, ela perguntou. E eu complementei: eles cantam as mesmas coisas que os rappers americanos, que exaltam a criminalidade, o tal de gangsta rap. Alguém nos EUA é preso por dizer que é o bonzão, porque dá tiro, mata os inimigos e pega geral? Isso não é apologia / elogio do crime? [Lembra que Smith falou de liberdade de expressão? Temos que aprender muito com os americanos, ainda, nesse aspecto...]

“O que cantam os chamados 'proibidões', não é diferente do que é narrado em ‘Tropa de elite’ ou pela imprensa sensacionalista”, diz a professora. “Funk fala sobre o aluguel do caveirão, que todo mundo sabe que acontece, mas não aparece na imprensa. Bezerra da Silva fazia isso [esse tipo de denúncia] também”, compara.

E é verdade. Eles cantam o que veem, o que presenciam, o cotidiano de cada um. Deveria ser uma vergonha para o Estado isso, mas, como sempre, o Estado tenta sumir com a "prova do crime", em vez de acabar com o crime.

Smith é um ídolo nas favelas e onde quer que ele ande as pessoas cantam suas músicas [o doc. mostra bem isso]. Smith é um artista e deveria ser tratado dessa maneira - e olha que eu acho a música dele chata pra dedéu. Essa história me parece, como sempre, uma forma de criminalizar o pobre.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

'Procura da poesia'

Ouvi um trecho de "Procura da poesia", do Drummond, ontem. Acho que é a poesia que mais me marcou a minha vida. O trecho que ouvi ontem era o que aparecia na capa do meu livro de literatura do primeiro grau, o meu primeiro livro de literatura. Fiquei durante anos encarando a pergunta que a penúltima estrofe me fazia: "trouxeste a chave?" Será que eu teria trazido a chave? Será que eu seria autorizado pela poesia a entrar em seu mundo?

Não sei se foi a partir daí, mas, encaro a literatura [e a arte em geral] como uma forma de jogo, entre o autor e o espectador. Um coloca as regras, mas se o outro não as captar, não há jogada. Um é a fechadura o outro tem que trazer a chave. Mas não era isso que Drummond queria dizer no poema. Ou não é o que eu acho agora que  ele queria dizer. Mas isso não importa. A obra de arte é a que consegue se desdobrar infinitamente, até a ponto que o autor, o jogador, nem imaginava, ou pretendia. Copio a poesia aqui.

Procura da Poesia
Não faças versos sobre acontecimentos.
Não há criação nem morte perante a poesia.
Diante dela, a vida é um sol estático,
não aquece nem ilumina.
As afinidades, os aniversários, os incidentes pessoais não contam.
Não faças poesia com o corpo,
esse excelente, completo e confortável corpo, tão infenso à efusão lírica.

Tua gota de bile, tua careta de gozo ou dor no escuro
são indiferentes.
Não me reveles teus sentimentos,
que se prevalecem de equívoco e tentam a longa viagem.
O que pensas e sentes, isso ainda não é poesia.

Não cantes tua cidade, deixa-a em paz.
O canto não é o movimento das máquinas nem o segredo das casas.
Não é música ouvida de passagem, rumor do mar nas ruas junto à linha de espuma.

O canto não é a natureza
nem os homens em sociedade.
Para ele, chuva e noite, fadiga e esperança nada significam.
A poesia (não tires poesia das coisas)
elide sujeito e objeto.

Não dramatizes, não invoques,
não indagues. Não percas tempo em mentir.
Não te aborreças.
Teu iate de marfim, teu sapato de diamante,
vossas mazurcas e abusões, vossos esqueletos de família
desaparecem na curva do tempo, é algo imprestável.

Não recomponhas
tua sepultada e merencória infância.
Não osciles entre o espelho e a
memória em dissipação.
Que se dissipou, não era poesia.
Que se partiu, cristal não era.

Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intata.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.

Convive com teus poemas, antes de escrevê-los.
Tem paciência, se obscuros. Calma, se te provocam.
Espera que cada um se realize e consume
com seu poder de palavra
e seu poder de silêncio.
Não forces o poema a desprender-se do limbo.
Não colhas no chão o poema que se perdeu.
Não adules o poema. Aceita-o
como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada
no espaço.

Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível que lhe deres:
Trouxeste a chave?

Repara:
ermas de melodia e conceito
elas se refugiaram na noite, as palavras.
Ainda úmidas e impregnadas de sono,
rolam num rio difícil e se transformam em desprezo.

Brasil: amor & ódio

Um grupo de amigos em que faço parte começou uma discussão por conta dos comentários nas fotos daquele site de grandes imagens, com um especial sobre o Alemão. Rolou uma vergonha por parte de alguns camaradas por conta do nível dos brasileiros que estavam ali. Como estou superinfluenciado pelas minhas leituras para terminar a monografia da pós, tomei as dores e fiz um mega-email, que copio abaixo.


Roberto Schwarz, em um dos livros em que ele analisa o Machado, "Ao vencedor as batatas" [essa frase é muito boa], fala que Machado foi um gênio como crítico de costumes de uma sociedade brasileira que era baseada em três "classes": os escravos, os senhores de escravos e os "agregados". a discussão intelectual sempre ficou nas duas últimas que tentaram, sem muito resultado, se tornar europeus, importando correntes de pensamento e impondo a força conceitos que não se aplicavam, como, por exemplo, as ideias iluministas. como ser iluminista e escravocrata ao mesmo tempo? acho muito interessante a parte que ele comenta esse "agregado". vou copiar aqui uma interpretação.

Schwarz explica que o Brasil – esse personagem metonímico – exercia uma função de agente duplo, sendo a favor, na teoria, das ideias “modernas” europeias, e agindo como um “atrasado”, ao exercer a escravidão. Essa função tem origem na própria formação econômica do período, escreve. Éramos um país de grandes latifúndios que, por um lado, dependia da mão-de-obra escrava para a produções dos bens agrícolas, e, por outro, vendia esses produtos ao mercado externo, majoritariamente europeu, liberal e burguês. O “marxista brechtiano”[1] fala que, além desses dois atores da sociedade brasileira desse período, o escravo e o senhor, havia uma terceira figura que estava entre os dois extremos, mas ligada aos dois, como se fosse uma ponte, o que ele chama de “homem livre”, com um adendo: “porém dependente”, e o caricaturiza num personagem de fácil identificação: o agregado. Para Schwarz, a parte central para entender esse terceiro elemento e a sua relação com os senhores, é desvendar a instituição do “favor”. Diz ele que será entre essas duas esferas superiores, os senhores e os “agregados”, que se dará a vida intelectual. “O favor,  ponto por ponto, pratica a dependência à pessoa, a exceção à regra, a cultura interessada, remuneração, e serviços pessoais”, escreve. O favor ainda tinha uma função de assegurar para as duas partes envolvidas, principalmente para os favorecidos, de que, “nem mais miserável dos favorecidos” era um escravo. Era uma marca de ascenção sobre um grupo social. Era uma relação que expunha um certo tipo de status. Segundo Schwarz, “Machado de Assis será mestre nestes meandros”, sendo capaz de fazer uma crônica de costumes, temperada com sua tradicional ironia para demonstrar suas incongruências.

Depois, rolou uma discussão de "nós" [brasileiros] x "eles" [estrangeiros], que eu também entrei, para confundir, não para explicar, como diria lá o Chacrinha. Demonstrei que, hoje em dia, não somos assim tão diferentes, principalmente na internet. Copio abaixo:

saiu o google zeitgeist, que é a retrospectiva do google para 2010. 

os dez assuntos mundiais que mais cresceram foram: chatroulette, ipad, justin bieber, nicki minaj, friv myxer, katy perry, twitter, gamezer, facebook. 

ou seja, celebridades, redes sociais, gadgets, gente que a gente nunca ouviu falar.

no brasil, foram: larissa riquelme, formspring, justin bieber, bbb 2010, enem 2010, restart, hotmail.com.br, luan santana, assistir filmes online, globo.com.br.

bem, não modifica tanto assim. e ainda temos assuntos mais "sérios", como enem 2010, e "assistir filmes online" [convenhamos que um pouco de anarquia faz bem]. também mostramos o quanto somos estranhos: procurar "hotmail.com.br" e "globo.com.br". ou somos viciados no google ou somos mongóis.

tudo bem, o mundo não é o bastante para a gente - e é influenciado por um bando de gente estranha - nós inclusive. vamos ver outros países. frança, pode ser?

chatroulette, grepolis, portailorange, justin bieber, facebook, gmail, message, hotmail sign in, haiti, deezer.fr, pole emploi.

redes sociais, celebridades, mongolismo-vício-portais, site de procura de emprego [é a crise, estúpido] e haiti.

considerando que houve uma catástrofe no haiti esse ano e que há muito haitiano na frança, eu desconsidero o caráter humanitário simples dessa busca. 

ou seja, talvez estejamos vivendo uma situação em que o nível mundial é muito parecido. não há tanta diferença assim entre o "nós" e o "eles", pelo menos não na internet. 


[1] É assim que Patrick Pessoa se refere a Schwarz em sua tese “A segunda vida de Brás Cubas”.

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Esperança, vigor e paz

Além de não ser bom em chute [vide aqui e aqui], torço para o futebol muito raramente. Sou um tricolor de final de campeonato, como ouvi dizer. Desde a queda tripla do Fluminense às divisões subterrâneas, desisti de perder o pouco tempo que tenho acompanhando o velho esporte bretão. Mas é inegável como a parte da paixão, do irracional, que envolve o esporte ainda me fascina. Lembra da mitologia que eu estava um dia sugerindo como necessária? O futebol tem de sobra.

Por isso, ontem, fiquei muito empolgado escrevendo um texto sobre a história do clube das Laranjeiras, que se confunde com a história do próprio futebol. Não fiz um estardalhaço, mas fiquei feliz com a vitória. Acredito que o time conseguiu agir de acordo com as máximas pregadas por seu hino: deu esperança, jogou com vigor, mas sem se esquecer da paz, jamais.

Aliás, vendo o hino do time, me peguei pensando como foi que eu me tornei Fluminense. Tudo bem que eu era um conservadorzinho, quando pequeno, mas frases como "quem espera sempre alcança", além de brega, é contra tudo o que eu imagino hoje em dia. Não acredito na inação, nem no destino [também não acredito no livre-arbítrio, mas isso é outra história].

Em um segundo momento do hino, canta Lamartine Babo, "Vence o Fluminense / Com sangue do encarnado." Sangue do encarnado? Já não chega cantarem "A benção João de Deus", para um Papa [a saber, João Paulo II]? Eu sei que é a cor se chama "encarnado" [descobri ontem, para dizer a verdade], mas não consigo me livrar do pensamento católico. Novamente, estou longe disso.

A única cor que se salva, portanto, é o branco, associado à paz e à harmonia. É possível conviver com isso.

Além disso, o time tem uma tradição elitista conservadora, o que me deixa com os dois pés atrás.

Estava eu a pensar nisso, por que eu me tornei Fluminense, recorrendo ao meu pai, na sua provável única grande influência em minha vida, quando me deparei com o maior craque o time já produziu: Nelson Rodrigues. Não há ninguém maior na História do Fluminense que o dramaturgo. Pelo menos, na minha humilíssima opinião. Foi ele quem me deu a resposta para a minha pergunta. Uma resposta literária, como a pergunta merecia. “Ser tricolor não é uma questão de gosto ou opção, mas um acontecimento de fundo metafísico, um arranjo cósmico ao qual não se pode – e nem se deseja – fugir”.

Ele também me deu uma boa resposta em relação ao meu adormecimento: “Nas situações de rotina, um 'pó-de-arroz' pode ficar em casa abanando-se com a Revista do Rádio. Mas quando o Fluminense precisa de número, acontece o suave milagre: os tricolores vivos, doentes e mortos aparecem. Os vivos saem de suas casas, os doentes de suas camas e os mortos de suas tumba”.

E, por último, demonstrou que o Fluminense não é exatamente um time só da elite, pelo contrário. “O mais exato seria dizer que ele é o clube de todas as classes”. Abaixo, copio uma crônica dele, de 1959, publicada pela primeira vez no "Jornal dos Sports", do seu irmão flamenguista Mário Filho, intitulada "A incomparável torcida tricolor", que eu tirei daqui.

Amigos, reparem: - há algo de patético na torcida do Fluminense. Nós, com a nossa crassa e ignara simplicidade, temos a mania de falar em “aristocrático clube das Laranjeiras”. E eu vos digo : - “aristocrático” em termos. Será aristocrático porque, no seu quadro social, falta tudo, menos grã-finos. Mas há algo mais no Fluminense, algo mais do que a aristocracia que lhe atribuem. Mais exato seria dizer que ele é o clube de todas as classes.
Sim, amigos : - há de tudo em Álvaro Chaves. Vocês querem tubarão? Afirmo-vos que os há de todos os tipos. Desde o tubarão de borracha, o tubarão de piscina, que as crianças cavalgam, até o tubarão mesmo, de insaciável voracidade. Costumamos desprezar o cartola. Mas vamos e venhamos: - com o seu charuto afrontoso e ultrajante, a conspurcar de cinza todos os tapetes, ele tem o seu charme. Sim, no Fluminense, há cartolas em penca. Vocês querem o príncipe? É o que não falta no Fluminense. Esse grã-finismo autêntico é meio gostoso de se ver.Há também a família da classe média, a mocinha linda, o pai, a mãe, com os seus escrúpulos severos.
Nada, porém, é tão impressionante como o pé-rapado do Tricolor. Amigos, o Fluminense, com toda a sua aristocracia, têm na sua torcida, uma plebe que eu chamaria de épica. É uma multidão que o acompanha, com ululante fidelidade. Jogue o Fluminense com o escrete húngaro ou com o Casca-Grossa F.C. e lá estarão esses heróis de pé descalço. Como são formidáveis ao empunhar a tocha do entusiasmo tricolor! Mas eu falei em pé-rapado. Para mim, não existe o pé-rapado, o borra-botas. O que existe é o homem, o ser humano, a levar nas costas, como o peixe da Emulsão de Scott, uma alma imortal. Um homem é sempre igual a outro homem.
Mas como eu ia dizendo: - chamemos convencionalmente a plebe tricolor de plebe mesmo. É uma gente gloriosa, que não larga o clube, chova ou faça sol. Com a nossa bandeira erguida aos ventos da vitória, lá vão os pés-descalços atrás do time. Eu acredito que esses mesmos homens, em encarnações passadas, fizeram a Revolução Francesa e derrubaram bastilhas. Amigos, eis a verdade: - os campeonatos e as revoluções vivem de paixão. Sem sentimento, não se derruba uma bastilha, nem se levanta um campeonato.
Eu acho profundamente cretina a expressão “plebe ignara”. Ignara coisa nenhuma. Nós é que somos os ignaros, os crassos. Falta-nos isso que sobra no suposto pé-rapado, ou seja, a capacidade de vibrar, de se apaixonar, de viver e morrer por uma paixão. A parte mais humilde da nossa torcida é capaz, sim, de perecer pelo time. Nós temos o escrúpulo, o pudor de pular no meio da rua como um índio de Carnaval. A nossa alegria é meio envergonhada, meio arrependida. Mas a chamada plebe se embriaga com o próprio fogo. A vitória sobe-lhe à cabeça. O tricolor popular, na sua pura euforia, é capaz de trocar as pernas e cair, rente ao meio-fio, com a cara enfiada no ralo. Sim, amigos, falta-nos, a nós outros, a capacidade de tão violenta embriaguez clubística.
Na semana do jogo com o Bangu, eu penso nos pés-descalços da nossa torcida. Eu disse, aqui mesmo, outro dia, que o torcedor, qualquer que seja ele, deve ser tratado, cultivado, como uma orquídea rara. É a pura verdade. Cabe, porém, observar: - o torcedor é tanto mais vibrante quanto mais humilde socialmente. O pó-de-arroz plebeu dá tudo na sua torcida. Põe todo o seu ser, toda a sua alma, toda a sua paixão no berro do gol. Um jogo, para ele, não representa apenas um passatempo inconseqüente, mas uma decisiva experiência vital. A derrota passa a ter um sentido transcendente. E a vitória significa apenas isto: - a Ressurreição e a Vida.
Um campeonato constitui uma soma de fatos. Um deles, e dos mais importantes, é a torcida. Um time precisa sentir, atrás de si, o berro da torcida. A ausência dessa torcida representa a solidão. Nada mais triste do que um time sem ninguém. Acresce o seguinte: - ninguém faz justiça à torcida tricolor. Exalta-se a do Vasco, a do Flamengo. E querem esquecer a nossa. Mas eu vos digo: - tem razão o Benício Ferreira Filho: - a grande torcida é a do Fluminense. Nada se compara à sua flama e à sua fidelidade. Outras podem ser mais numerosas. Uma torcida, porém, não vale a pena pela sua expressão numérica. Ela vive e influi no destino das batalhas pela força do sentimento. E a torcida leva um imperecível estandarte de paixão.

terça-feira, 30 de novembro de 2010

Beltrame vira ídolo

Tinha tudo para dar errado. Não deu. Tinha tudo para ter um banho de sangue. Não teve. Tinha tudo para ser um fiasco. Não foi. A operação do Alemão prendeu poucos traficantes, sim, mas é inegável que não ter morrido nenhum policial nem ter entrado na comunidade atirando foi uma grande bola dentro. A retomada do território era o objetivo principal, a meu ver. Prender os caras é importante, mas fica em segundo plano.

A política pública de segurança do Rio mudou quando um delegado federal gaúcho assumiu o posto de secretário, um cargo que tinha um limite de tempo em qualquer governo anterior. José Mariano Beltrame ficou os quatro anos e nada dá mostras que ele vai sair no próximo governo.

As UPPs, seu principal programa, não são novidades - o projeto é uma adaptação do que fizeram lá na Colômbia. E mesmo no Rio, já houve outros projetos parecidos na época do Gpae (Grupo de Policiamento em Áreas Especiais). Mas, a diferença é que Beltrame fez funcionar. Não me lembro de ter visto qualquer notícia sobre um problema nas UPPs. O lidar com o público - em todos os níveis de interpretação - é de uma honradez incomum.

E, como disse um amigo meu, se há uma outra vantagem para que gostemos dele é a sua não-candidatura nas últimas eleições. Enquanto há pseudo-celebridades de todos os naipes que bastam 5 minutos de fama para concorrer a cargos públicos, Beltrame se manteve distante do foco. Quase não aparecia nem na campanha de seu candidato, o governador. Fazia o seu trabalho e está de bom tamanho. Se todos apenas fizessem os seus trabalhos...

domingo, 28 de novembro de 2010

Cobertura de guerra

Um dos aspectos mais... curiosos desses confrontos na Vila Cruzeiro e no Alemão é o clima beligerante. Tudo bem que o Rio, como metonímia do Brasil, não é para principiantes. Um trafica mora numa casa de R$ 5 mil e tem um AK-47 do mesmo preço no mercado negro [se a internet não estiver enganada]. Os trafica' se acham defendendo um território, criam pequenos feudos em que mandam, desenvolvem pequenos exércitos, mas com uma organização mais flácida que pudim de leite. No outro lado do ringue, 21 mil homens, blindados anfíbios, as três forças armadas, mais polícias de todos as esferas e cada um no quadrado do outro. No meio, os jornalistas, enxergando uma oportunidade única da vida: ser correspondente de guerra dentro do próprio município. Do lado de fora, a população, com sede de sangue, contra os desmandos gerais dos últimos 30, 50, CEM, por que não?, 500 anos. E quem sofre? Os de sempre: pobres, pretos, favelados...

TODO MUNDO escreveu que as imagens de quinta-feira pareciam um "Tropa de elite 3" ao vivo - eu incluído. Catarse coletiva, ao vivo, transmitida para todo mundo que tinha uma TV ou mesmo internet. Era, novamente, um nós contra eles. Bandidos x mocinhos. Tudo muito fácil de entender. Simples demais. Demais.

Continuo com mais dúvidas que com conclusões. Pensei, quando vi a tropa dos trafica' fugindo da Vila Cruzeiro: o que vamos fazer com esse povo todo? Temos espaço nas cadeias para esse povo todo? Vamos matar todo mundo? Duzentas, 300, 400 mortes? Bem, esse ano não tivemos nenhum avião caindo. Seria o correspondente. Quantos inocentes?

Fico, para terminar, com a passagem de um jornal que li recentemente:

“[A Favela] É o lugar onde reside a maior parte dos valentes da nossa terra, e que, exatamente por isso – por ser o esconderijo da gente disposta a matar, por qualquer motivo, ou, até mesmo, sem motivo algum –, não tem o menor respeito ao Código Penal nem à Polícia, que também, honra lhe seja feita, não vai lá, senão nos grandes dias do endemoninhado vilarejo.”


Em outro trecho:


"a Favela (...) é a aldeia do mal [...] aldeia da morte [...] Enfim, e por isso, por lhe parecer que essa gente não tem deveres nem direitos em face da lei, a polícia não cogita de [usar da] vigilância sobre ela”. 


O jornal é  “Correio da Manhã”, em 5 de julho de 1909.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Semana de filosofia


Eu sei que a semana começou na segunda e hoje é quinta. Mas é hoje, na minha opinião, a melhor palestra: "Filosofia, arte e linguagem", com a Kátia Muricy e o meu orientador, Pedro Duarte de Andrade. Mais informações aqui. Por conta disso, não vai rolar o evento nem hoje nem amanhã.

Muito barulho...

Antes de começar a colocar a minha opinião, uma confidência: tenho uma irmã que mora em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, e pega tanto a Dutra, como a Avenida Brasil e a Linha Vermelha todo dia. Portanto, teria por que me preocupar. Mas não me preocupo.

É claro que ela está morrendo de medo. E eu não a culpo por estar com medo. Eu, no lugar dela, também estaria com medo. Moro em Botafogo e nada aconteceu perto da minha casa - por isso, me sinto  em outra cidade, como se nada tivesse acontecendo [para não dizer "nada", dois homens foram presos suspeitos de atear fogo num carro].

Ela está com medo, é claro, por conta da divulgação desses veículos queimados. Isso gera uma onda de pavor generalizada. Não é para mostrar os carros pegando fogo? É, claro que é. Isso é notícia. Mas é bom saber das consequências da ação. A tal da reação, diria Newton. Primeiro, a óbvia: virar o varejão. Qualquer fulano com um parafuso faltando vai achar legal tacar fogo para também aparecer nos jornais. Segundo, e para mim a mais importante, a falta de contextualização: histórica, social, política.

Em absoluto, o que temos: mais de 30 veículos queimados; 23 mortos - a polícia não diz quantos inocentes, também conhecido como [doravante tcc], bala-perdida, e quantos "criminosos"; dezenas de presos e dois - DOIS - policiais feridos.

Temos informações - só "oficiais", ou seja, da polícia, porque os bandidos ainda não têm porta-vozes - de que os "ataques" foram ordenados pelos chefes dos bandidos por conta das UPPs. Temos informações - também "oficiais" - de que as quadrilhas se juntaram para atuar juntas contra a polícia [o que, na minha humilíssima opinião, pode até ser bom, diminuindo os confrontos e as consequentes mortes de inocentes]. Mas o que isso quer dizer, na prática?

Para começar a avaliar os estragos, temos que pensar comparativamente. Se os veículos foram queimados realmente em represália às UPPs, podemos pensar algumas coisas: Por exemplo: as UPPs estão realmente funcionando, os bandidos estão procurando outras formas de... de o que, mesmo? Há roubos? Aumentou o número de assaltos? Ou eles querem apenas amendrontar a população? Com qual objetivo? Que as pessoas fiquem contrárias às UPPs e deixem voltar o tráfico armado nos morros da Zona Sul? Porque, até agora, as UPPs só funcionaram na Zona Sul. Será que a classe média - que sempre me assusta pela sua teoria da "farinha pouca meu pirão primeiro" - vai querer ter de volta as armas às favelas do lado de suas casas?

Outra ideia: se a intenção é desestabilizar o governo, a tática dos bandidos foi, a meu ver, um erro sem tamanho. É só lembrar que esse governo começou matando gente às dúzias e não seria agora que eles recuariam. Só ver ali em cima que já são 23 mortos. V-i-n-t-e-t-r-ê-s mortos.

Mas, é sempre bom ressaltar para os teóricos da conspiração de plantão, esses mortos só aconteceram por conta dos ataques. Hum...

Voltando: qual é o objetivo desses bandidos? Reparemos em outro detalhe: não há feridos, quiçá mortos nos "ataques". Seria que eles querem mostrar como o governo é ineficiente no controle da segurança da cidade? Bem, reparem novamente que os "ataques" acontecem em áreas mais afastadas dos centros ricos, tcc, Zona Sul. Salvo um ou outro carro que pegou fogo em Laranjeiras, o pânico nessa área da cidade é completamente exagerado. Aposto que se compararmos com outras épocas - cadê a contextualização? - ficaremos surpresos com os números. Lembrando que os números divulgados pela Secretaria de Segurança do Rio mostram a diminuição drásticas em TODOS os números de crimes da cidade.

E, nas áreas mais pobres, o que tinha mudado com a entrada das UPPs? Ou seja, os bandidos estão maltratando quem sempre maltrataram. Um ônibus queimando chama muito mais a atenção, claro, que tiroteios entre quadrilhas rivais. Ou achaques. Ou a falta de direitos civis [esse, então...]. Mas, qual é a diferença para o que sempre vivemos? Ou melhor, para o que eles sempre viveram? Cadê, novamente, a contextualização? Os bandidos, me parece, se estão atrás disso tudo, não têm, ainda, um porta-voz, mas já fizeram media training.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

De volta da Terra

Não, não vi nem vou ver o Macca. Portanto, não me venham conversar sobre isso. Vamos falar sobre o Planeta Terra. Rapidinho, porque ainda estou com jet lag de São Paulo para o Rio. [Aliás, o que aconteceu nessa última semana em São Paulo é digno de entrar para a História da música pop do Brasil: num período de sete dias, tocaram: Massive Attack, Stereophonics, houve o Planeta Terra, Paul MacCartney, Lou Reed, Scissor Sisters e ainda havia a possibilidade de um fã mais afoito de "Dança com lobos" querer ver Kevin Costner. Isso é incomparável com o que já tivemos aqui no Brasil. E me fez pensar muito sobre o comportamento de São Paulo. Mas deixemos para outra oportunidade...]

Foi tudo ok no Planeta Terra. Organização bem certinha - para um festival desse tamanho, os incidentes foram poucos e esparsos. O Playcenter é um acerto: é divertido, diferente e simpático. As atrações foram sempre boas: nada imperdível, mas nada, também, desprezível.

Porém, fiquei sentido de ser o único entre os meus amigos que foram ao show que ainda gosta de guitarras... terminei o show do Smashing Pumpkins com todo mundo já debandado. Mr. Corgan se comportou, como vi e li por aí, como mr. Corgan. Ele é estrelinha. A versão indie do Axl Rose. Isso quer dizer que, apesar de toda a banda ter mudado e só ele continuado, o som era típico das abóboras: pesado, com bastante  guitarras distorcidas. Mas ele tocou hits, minha gente. O moço joga para a galera e ninguém valoriza? Pelamorde.

Tive duas boas surpresas: Holger e Yeasayer. Conhecia pouco [no caso do segundo] ou nada e os dois grupos fizeram shows bem legais. Ambos me lembraram - mais o primeiro - o clima Vampire Weekend: música indie, com influência de percussão. Aliás, completando com o Hot Chip, esse palco tinha um pé, mesmo que disfarçado, na África.

Hot Chip fez um show grandioso. Com direito a catarse coletiva. Provavelmente o melhor show - como era de se esperar.

Empire of the sun abusou da psicodelia, com um grupo de mulheres dançando no palco. Deu onda. As músicas mais conhecidas animavam. As desconhecidas faziam dormir.

Phoenix foi "ok". Começaram com o supertrunfo "Lisztomania" e ficaram sem cartas para cortar o cansaço que já se abatia sobre a galera.

Mika é a versão Fredie Mercury versão século XXI, com muito menos apelo.

E Of Montreal me lembrou, na parte teatral, o Flaming Lips, mais com muito menos testosterona.

Perdi Hurtmold, mas não se pode ter tudo na vida, né? Em compensação, andei de montanha russa, após uns  13 anos.

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

Mitologias

Ainda não tenho esse raciocínio muito bem costurado, mas já sei para onde vou me apoiar, caso queira estudar o assunto mais profundamente. É basicamente a descrença na ciência como única explicação para o mundo.

Acredito que as narrativas [como forma de transmissão de conhecimentos], o conto [na origem da palavra, produto do "contar"], a mitologia [sem o ranço que a palavra tem, associada a maioria das vezes a seres antropomórficos gregos, mas ligada à ideia original de mythos, como oposto - oposto não é uma boa palavra - a logos, que seria a razão - razão não é uma boa tradução] são tão importantes quanto a ciência.

Não vivemos, nunca na história, apenas com a razão. No dia que descobri que o pensamento é a soma do logos + mythos, entendi como era importante pensar. Não desprezo a ciência, mas não podemos ficar presos a explicações simplesmente científicas do mundo [physis, para ficar na galera grega].

Por isso, o crescimento tão grande das religiões, que, a grosso modo, são mitologias que saíram de seu terreno e entraram em outro.

Em algum lugar, Nietzsche fala sobre a substituição do Deus [que está morto] por outros mitos, como a liberdade, ciência, democracia, e outras invenções ocidentais. Heidegger fala sobre a nossa sociedade tecnocientífica, onde viramos técnicos que apertam botões e giram manivelas.

A mitologia acabaria com essa metafísica [bemXmal, bem+mal] e daria o recado por inteiro.

Ainda tenho que desenvolver essa ideia melhor.

ps. me dei conta, só agora, de que mitologia = mithos + logos. É disso que estou falando, ora.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Fluminense vai perder

Tudo bem que eu não sou bom de adivinhação. Mas achava que a rodada desse fim de semana era fatal para decidir quem será o campeão do Brasileiro este ano. E, com a combinação de resultados, imagino que o Fluminense deva perder o título e o Corinthians será o campeão - infelizmente, por vários lados.

Primeiro, o óbvio: Fluminense é o meu time. E mesmo que eu não seja um freak do futebol, quiçá um fulano que assiste às partidas regularmente, fico mais feliz com o Fluminense ganhando que com ele perdendo. É inerente à minha constituição pessoal.

Segundo porque o Corinthians me desperta os meus pensamentos mais... serristas*. Como um time com um gordo como atacante pode ganhar um campeonato como o Brasileiro? Como um time com o Roberto Carlos Meião pode ter torcedores fiéis? [Eu sei que esses dois argumentos meus só demonstram o quanto o Brasileiro é nivelado por baixo; quando joga um atacante fora-de-série, mesmo fora-do-peso, ele se destaca no meio de tanto joio. E temos tão poucos ídolos que mesmo um fulano que se acha a última bala-juquinha-do-pacote e hoje em dia está mais para cocô-de-rato-de-cormedamião é visto como a salvação e o caminho.]

Sei que o futebol, ainda menos que a política, é uma ciência inexata. Todas as vezes que vejo / ouço / leio o matemático Oswald de Souza ou o Tristão de não-sei-o-quê, tenho pequenas convulsões pelo corpo. Não existe qualquer lógica nas previsões e probabilidade no velho esporte bretão vale tanto tabus e história - talvez menos, até. Por isso, mesmo, qualquer previsão é fadada ao fracasso - e, mais que em qualquer outra oportunidade, quero que essa minha naufrague e eu me sinta a versão masculina da mãe Dinah.

A questão é: o Corinthians - quer eu goste, quer eu desgoste, é um time de chegada - como se diz dos clubes que crescem com o passar do campeonato. Chegar às últimas três rodadas com um ponto de vantagem é muito perigoso - para o Flu. Fora que há uma tendência de marcar pênaltis que beneficiem o Timão, mas isso é a subjetividade da subjetividade, nem dá para entrar nesse pormenor.

O Flu enfrenta dois grandes times de São Paulo: São Paulo e Palmeiras, fora de casa, além do Guarani, no Engenhão - praticamente fora de casa também. Corinthians: Vasco, Vitória e Goiás. Os adversários do clube paulista são, na teoria, muito mais fáceis que os do tricolor. Dizem que os times de lá vão facilitar para o Flu, mas, por mais que eu quisesse, não acredito nisso. Se fosse assim, também teríamos problemas com o Vasco. Dizem que o Palmeiras vai jogar com time misto, e acredito que será mais difícil para o Fluminense vencer a obrigação de ganhar. Ou seja, estou pessimista.

 Fora isso, o Muricy, após vencer trocentos títulos com o São Paulo, se esqueceu no passado de como é vencer, deixando o Palmeiras, após mais da metade do campeonato liderando, fora dos quatro primeiros. Pelo menos estamos garantidos na Libertadores.

* O pobre do Serra não tem nada a ver com isso. Acho até que ele é um progressista. Mas ao se associar com as mais retrógradas forças e fazer campanha em prol de agendas ultrapassadas, o seu adjetivo, "serrista" se transformou em um sinônimo de preconceituoso na minha cabeça.

domingo, 14 de novembro de 2010

Bela e coxa

Eugênia, de "Memórias póstumas de Brás Cubas", é a personagem mais injustiçada da literatura nacional. Ficou associada ao conjunto de frases "por que bela se coxa? Por que coxa se bela?" e foi largada por Brás Cubas exatamente por conta disso. Claro que essa é a cereja no topo de uma implicância de Brás à sua família, que remonta à época quando era ainda uma criança e presenciara a mãe de Eugênia - "a bem nascida", como bem repara Patrick Pessoa - numa moita com um fulano [demonstrando um comportamento preconceituoso bem comum à época em que se passa a história do livro, início do século xix]. Eugênia, inclusive, é chamada de a "flor da moita", numa bela e irônica metáfora, sendo associada à beleza [flor] e à sua reputação de pobre, de filha bastarda, de filha da moita, de coxa, enfim. Mas sempre a imaginei mais bela que coxa. E acho que ela paga um preço por algo que não fez. Mas quem disse que o mundo é justo?

sábado, 13 de novembro de 2010

O monstro Stevenson

O Google me lembrou com um de seus Doodles que o escocês Robert Louis Stevenson faria aniversário hoje, 160 anos. Um dos grandes autores para Borges - um escritor argentino que lia em inglês perfeitamente por conta da avó inglesa, Fanny Haslam - Stevenson era mal visto em sua época porque era muito... popular. Parece que Tom Jobim errou quando restringiu ao Brasil sua constatação de que sucesso era ofensa pessoal.

Ele é autor de pelo menos dois clássicos mundiais ["Strange case of Dr Jekyll and Mr Hyde" que foi traduzido no Brasil como "O médico e o monstro" e "Treasure island", ou "A ilha do tesouro"], sendo o primeiro uma obra que extrapolou as suas próprias intenções e entrou para uma espécie de mitologia mundial.

Stevenson era malvisto porque escrevia aventuras, livros que adolescentes e jovens podem ler e entender. Mas está aí uma de suas maiores qualidades: a leitura em camadas. Todos entendem a história do médico e a do monstro. Se precisarem, podem adentrar mais no livro e o interpretar sob a luz histórica e descobrir que era uma crítica a um puritanismo inglês da época; ou ainda analisá-lo psicologicamente e vislumbrar uma metáfora para o distúrbio bipolar; ou pode, ainda, filosoficamente, e descobrir que somos feitos de opostos e é impossível abdicar de uma parte em prol de outra.

O escocês ganhou o melhor presente que a História pode dar para um artista: dissolveu suas criações e as colocaram como criações que sempre estiveram aí, sem autor determinado.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Aula sobre a tradição musical afro-baiana

[Como fui eu mesmo que escrevi, não dá para dizer que é roubo, mas cópia... Daqui]

A roupa e a posição dos músicos no palco já demonstravam a intenção da orquestra.  Orquestra, não, Orkestra, com “k”, como assina a Rumpilezz, do maestro Letieres Leite. À frente, e vestidos com smokings, estavam os percussionistas. Em volta, com chinelos de dedos e bermudas, estavam o naipe de metais.

Apesar de funcionar como uma big band de jazz (são quatro trompetes, quatro trombones, dois saxes alto, dois saxes tenor, um sax barítono e uma tuba), a formação demonstrava a importância que Leite dá para sua percussão. “Eles saíram da cozinha e foram para a sala de estar”, costuma falar o compositor em suas apresentações.

Além de maestro, flautista, saxofonista e compositor, Leite também é uma espécie de mestre de cerimônia e, entre uma música e outra, explica a origem de sua música, dando uma aula sobre a tradição afro-baiana. Durante o show no Espaço Tom Jobim, no Jardim Botânico, Zona Sul do Rio, na noite de quinta-feira (11), ele contou que essa produção tem como origem comum o candomblé, que frutificou em elementos como as grandes aglomerações percussivas, como o Ilê Aiyê e o Olodum, o samba do recôncavo e o samba-reggae. Sua composição, afirma, nasce das claves e desenhos rítmicos do universo percussivo baiano. Em outras palavras, dos tambores, surdos, timbaus, caixa, agogô, pandeiro, caxixi e dos atabaques rum, rumpi, e lé – daí, somado com os “zz” de jazz, forma rumpilezz – típicos da música sacra do culto nascido na África e que encontrou solo fértil no Brasil.

O Rumpilezz mistura os batuques com muitos solos de saxofone, flauta e trompete. É uma banda de jazz, sem perder o balanço do samba jamais. Aliás, todas as músicas, mesmo as mais complexas, continuam totalmente dançantes. Funciona como se os instrumentos de sopro abraçassem a percussão, mas sem nunca abafá-los. O tom é o batuque, é o ritmo.

Algumas músicas, como “Alafia” – que segundo o percussionista Gabi Guedes, reverenciado a todo momento por Letieres Leite, quer dizer “respeito” –, parecem ter saído de uma trilha sonora de um filme de ação. Outras, como “Floresta azul”, são aparentemente tranquilas. Há ainda as músicas didáticas, como “O samba nasceu na Bahia”, que mostra como os diversos tipos de samba se formataram no estado. Mas todas, prestam uma homenagem à tradição e à História musical bahiana.

O compositor, responsável pelos arranjos de muitos sucessos de Ivete Sangalo, passou seis anos em Viena, na Áustria, onde estudou no Konservatorium Franz Schubert, e na volta começou a desenvolver um projeto que desembocaria na Orkestra. “Foi quando consegui unir os dois mundos – a tradição dos terreiros com o aprendizado no conservatório”, disse em uma entrevista em fevereiro deste ano.

“A Orkestra Rumpilezz surgiu dessa pesquisa e as pessoas estão vendo o universo percussivo da Bahia com outros olhos. A música alternativa, que não gera um grande negócio, não dá um grande retorno, sempre existiu", continua ele: "Ainda está um pouco tímida, mas a tendência é crescer. Acho que é natural haver um desgaste [no universo da axé music].” 

Para quem ficou mais curioso, os próximos shows da Orkestra, segundo sua produção, vão acontecer nos dias 30, nos Arcos da Lapa, no Rio, 1º de dezembro em São Paulo, e 16 de dezembro, no Pelourinho, na Bahia.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Meu salário em cerveja

As meninas d'As viajantes republicaram um post aqui comparando as duas Oktoberfest. Para quem quiser ver, basta clicar aqui.

ps. para quem quiser tirar um gostinho do que é uma oktoberfest, mas não quer esperar até outubro, Blumenau também sediará o segundo Festival Brasileiro de Cerveja. Mais infos aqui.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

Caixa de ressonância

Um dia na Caixa Econômica maltrata os nervos até de um sueco acostumado a não se melindrar por coisas mundanas. Ontem foi a minha vez de passar pelo teste de bunda-quadradismo. Ao chegar, preparado para uma maratona de cadeiras, encontrei logo de cara uma novidade. Um coroa, sem camisa, descalço e cercado de diversas pessoas que diziam frases entrecortadas, mas que eu consegui entender apenas algo como "larga de mão, senão você perde a razão". Supus erroneamente que tinha a  ver com as portas giratórias, mais uma maravilha dos bancos modernos.

Quando eu passei por este obstáculo, percebi ao lado dos seguranças um garoto de 20 e muitos, 30 e poucos, mas não reparei muito nele. Em seguida, o cara sai do banco e tampa na porrada com o véio, que virou bola de futebol. Só não tomou um prejuízo maior porque a turba o envolveu e fez o trabalho do deixa-disso.

[No momento em que escrevia essa parte, chega uma mulher com uma criança de colo - o horror dos horrores.]

Na fila, sentado, imaginei / lembrei do tratamento bancário da Baixada na década de 1980. Lembro que havia uma agência do Bradesco, que funcionava num subterrâneo, e era chamada de "Inferno" por seus correntistas ou quem fosse lá. Apropriado.

Enquanto espero o primeiro atendimento de muitos [foram cinco, ao todo], ajudo um coroa que via sua senha pelo lado errado e recebo, em seu lugar, um espécime da Velhinhas de bancus, cujo comportamento principal é falar sobre qualquer assunto com qualquer pessoa. Ela é do mesmo gênero [Velhinhas] da Velhinhas de supermercadus e da Velhinhas da fila do INSS e adoram aglomeração de gente.

Após uma hora na primeira fila e descobrir que não precisava ficar ali, vou para a segunda parte do dramalhão mexicano. De longe, escuto uma mulher reclamando sobre a dificuldade de ser atendida e de como ela tinha que faltar ao trabalho para ir ao banco e de como ela passava fome para conseguir ir à agência, até que, num crescendo, ela chora.

Na segunda fila, encontro novamente a Velhinhas de bancus, que queria abrir uma poupança, mas - adivinhem - o sistema estava fora do ar. Então, ela decide depositar o dinheiro na conta corrente. Dinheiro, não. Moedas. Se alguém me contasse isso, não acreditaria. Ela trouxe R$ 227 em mo-e-das.

Enquanto isso, faltavam dois números para me atender. Mas a mãe-com-criança-de-colo fura a fila descaradamente. Na minha vez, vou do caixa para o gerente [espero], volto para o caixa [espero], volto para o gerente [espero, mas pouco, verdade] e, por último, caixa novamente [não espero.]

Um sindicalista dos bancários entra distribuindo o jornal da categoria com uma camisa dizendo que o cliente fica em primeiro lugar. Não quero conhecer o último lugar. Todas as vezes que tenho que ir lá descubro que caixa só é econômica no número de funcionários.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Depois não entendem...

Após "Scott Pilgrim" ter sido lançado primeiro em São Paulo, no momento que sai o DVD nos EUA, vejo uma outra história que demonstra a falta de tato, de uma maneira geral, da indústria cultural [ainda vale usar a palavra adorniana?].

Presenciei troca de favores por conta de um empréstimo - I said, empréstimo - do livro do jornalista catedrático João Máximo sobre Noel Rosa. A obra está esgotada e não vai ser relançada - parece -, mesmo em ano de centenário do compositor da Vila.

Fui pesquisar na Estante Virtual e o título mais barato que encontro custa - sente-se, por favor -  R$ 340.

Eis que não dado por satisfeito, vou à internet livre e encontro uma versão, digamos, socializada.

Agora, me respondam: quem é que está perdendo dinheiro aqui?

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Centro da cidade

O centro de uma cidade com mais de 6 milhões de habitantes, que é chamado pela maioria desses cidadãos simplesmente de cidade, em referência ao seu passado de centralizador de todas as atividades da região, é realmente incrível. Apesar de o Rio ser um dos únicos aglomerados urbanos cujo centro não tem forte presença de moradores, essa área é simplesmente imperdível. Seja por conta dos grandes figuras que se encontra; dos contrastes que se presencia; das oportunidades de ampliar os próprios horizontes; da perspectiva de conviver com os polos de nossa desigualdade social; seja porque se descobre aleatoriamente um sapateiro de rua que disse que cola a sola de um tênis meu, praticamente novo mas que de tão grande boca, a sola pediu para sair; ou porque após passar por três lojas para consertar meus óculos em Botafogo, consigo resolver na primeira que vou no Centro, com o atendente não entendendo o motivo do meu espanto quando eu agradeci tão efusivamente. O centro é incrível.

domingo, 7 de novembro de 2010

Da última vez que me referi a esse romance [tenho medo dessas palavras que carregam conotações sérias demais, como "romance" "poesia" "escritor", mas não sei como resolver isso], estava no segundo capítulo de um livro de 82 páginas. Agora, estou no capítulo 62 [+ ou -] do mesmo livro que já tem até agora 109 páginas. Algo como a página 89. É um romance, mas a intenção é que cada capítulo seja independente um do outro, como se fossem contos ["conto" eu tenho menos medo, porque é mais humilde, parece para mim; apesar de que, de um lado, há gente que nem sabe o que é um "conto" e, por outro, gosto de quando ele é associado a outros termos que tiram sua sisudez, como "da carocinha"  "de fadas", etc...]. Reproduzo abaixo, uma parte que gostei.


***




62

A médica pediu para eu escrever sobre o porquê de eu estar aqui hoje. Falei para ela que não sabia a razão, mas ela insistiu, queria que eu tentasse me lembrar. Eu disse para ela que não tinha nada a recordar, porque simplesmente não houve nada, mas ela argumentou que eu deveria, então, voltar até onde eu me lembrava e contar novamente as cenas que viessem à minha cabeça. Como ela é a única que me ouve, pensei em fazer isso por ela.

Lembro de ter ido falar com o delegado. Pedi para conversar com ele, sem a presença do meu advogado, e ele aceitou. Comecei a contar para ele como as minhas missões funcionavam e quais eram os seus objetivos. Expliquei a ele toda a minha teoria, demonstrei que estávamos no mesmo lado e que, na hora que ele descobrisse isso, iria me soltar e combateríamos juntos as mazelas da sociedade. Primeiro ele se mostrou incrédulo com um detalhe insignificante. Achei estranhíssimo ele não acreditar que havia sido eu o autor de todas as missões. Lhe dei os detalhes de um ou duas ações minhas, as que me lembrava de cabeça na hora, e pedi para ele conferir no sistema de polícia. Ele ficou me olhando com uma cara de desconfiado e eu achava que ele era louco por não ir logo conferir. Em seguida, pegou o telefone, discou o número lá de fora e disse algo ainda mais estranho: “Fulano (não me lembro o nome dele), temos aqui um sujeito que quer ficar famoso”, e contou, por alto, as minhas missões. Depois disso, ele se virou para mim e falou com um ar de desprezo: “Você é um monstro.”

Não queria acreditar que ele estivesse me chamando de “monstro” por causa das mortes. Que insistência boba essa de ter que manter vivo até os que não prestam. Estava fazendo um favor para ele, estava limpando as ruas, estava diminuindo os números de violência e ele me xinga. Não faz sentido algum. De qualquer maneira, não respondi nada e me mantive em silêncio. Entretanto, senti as explosões começarem dentro do meu estômago. Senti o meu sangue começar a ficar ácido, a minha cabeça esquentar, meus olhos turvarem.

A porta abriu e era o “Fulano”, com uns papéis na mão. “Tudo bate, chefe”. Quase deixei escapar um sorriso. O delegado também estava quase sorrindo. Podia perceber que ele já imaginava o quanto iria se promover às minhas custas. Se eu soubesse que ele iria reagir assim, teria ficado quieto. Não imaginei que ele fosse tão idiota, que não concordasse com as minhas ações. Senti o meu corpo esquentar e os meus órgãos internos derreterem de tanto ácido. Puxei forte o pulso, que estava algemado na cadeira, algumas vezes, sei lá quantas. Estava bastante nervoso, estava quase fora de mim. Estava como ficava antes de iniciar as minhas missões. Se não estivesse preso naquela cadeira, não haveria nada que me impedisse de comer os olhos do delegado. Puxei mais forte o meu braço, enquanto via aquele risinho. Percebi que a cadeira estava para quebrar, e o meu braço sangrava.

“Fulano, leve ele daqui”, pediu o delegado. Senti que tinha uma oportunidade rápida. Quando me soltassem da cadeira, pularia sobre a mesa e arrancaria os olhos do delegado com as minhas próprias mãos. Depois, se me pegassem, não teria problema. Tentei me controlar, parar o meu corpo que tremia sem parar. Respirei uma, duas vezes, na terceira, tudo apagou.

Filme de gênero

E não é que Lars von Trier fez um filme de terror? Tudo bem, estou atrasado um ano, "Anticristo" é de 2009 e já deu o que tinha que falar com suas cenas bem chocantes que transformam a decapitação auricular de "Resevoir dogs" em uma brincadeira, literal e metaforicamente [Aliás, pensando agora sobre orelhas, esse pedaço da anatomia, que não tem pálpebra - como já ouvi de um conhecido neohippie - aparece também em "Blue velvet". Mas o que isso tem a ver? Nada...]

Após "Dançando no escuro" e o experimentalíssimo "Dogville",  Von Trier se transformou num diretor cultuado por suas figuras de linguagem e por sua melancolia extrema. [Penso agora na gravura homônima de Dürer e, coincidência, lembro que o próximo projeto do dinamarquês se chama... "Melancholia", repetindo a pobre Charlotte Gainsbourg, a única atriz que já fez dois filmes dele - ou estou exagerando?]

Depois ele se aventurou por outro gênero, a comédia, mas uma comédia à dinamarquesa, com "O grande chefe" [ótimo filme] e agora chega num filme de terror, quase tradicional, mas rodado com toda a sua tekné.

Começamos assistindo a um dramalhão: marido e mulher perdem o filho, que se jogou da janela, enquanto eles transavam. Mulher se culpa e o marido, terapeuta, tenta tratá-la. Nesse segundo momento, achamos que vai ser um filme psicológico - literal e metaforicamente - e que alguma coisa vai dar errado: um analista não pode tratar de sua própria família, é o óbvio. Mas, mal sabíamos que isso é apenas a ponta daquelas pedras de gelo que se desprendem do polo norte levando preocupação para todos os ambientalistas do mundo.

Descobrimos, em seguida, que ela não tinha conseguido fazer sua tese porque passara por problemas em sua passagem por uma cabana no meio do mato, apelidada, não à toa, de Édem. E a partir daqui, começam as elocubrações.

A tese da mulher é sobre o femicídio, o genocídio de mulheres. Junte a isso que há uma lenda de que Von Trier maltrata suas protagonistas, tanto é que é muito difícil de alguma repetir o personagem [Nicole Kidman disse há três dias sobre von Trier: "People who are brilliant are difficult. He can be mean and vindictive and all these things, but he says those things about himself"]. E que, no filme, ela se transforma numa verdadeira demônia [após presidenta, pode, né?]. O resultado parece simples: Von Trier odeia as mulheres. Essa conclusão, porém, é simplória.

O filme, como outros do dinamarquês, é metafórico. A mulher, em "Anticristo", é a emoção, a ligação com a natureza, o desespero, as forças do desconhecido, a magia, a irracionalidade. O homem, por sua vez, é o oposto: razão, cidade, centrado, psicologia, ciência, sensatez. Ela é Eva, a culpada pela queda do paraíso; ele, Adão, o primeiro humano, o primeiro sujeito que usa a cabeça para viver, não apenas o instinto.

"Anticristo" - lembrai sempre do nome - não é, entretanto, um filme católico, nem mesmo cristão. "Anticristo", aí, tem a ver com a contraposição com a bondade, representada pela maneira mais rasa de se interpretar o espírito "cristão". [Pensei agora no "Anticristo" de Nietzsche, principalmente porque o filósofo alemão era aquele que pregava contra essas oposições e dizia - a grossíssimo modo - que éramos uma composição de opostos.]

Uma das características mais marcantes em obras de terror é esse embate entre o bem e o mal. E Von Trier conseguiu pegar exatamente essa dualidade para explorá-la em todas as suas possibilidades de entendimento, em todas as suas metáforas possíveis. Isso, é claro, pode parecer um filme machista, que degrada as mulheres, principalmente vindo de quem vem. E até acho que deve ter alguma relação aí: assim como não conseguimos nos desvencilhar de nosso tempo histórico, não podemos fugir de nós mesmos. Mas essa é apenas uma das possíveis e mais banais interpretações. "Anticristo" merece mais.

Seja porque é um filme de terror que dá medo - uma raridade ultimamente. Seja porque é um filme muito bem filmado. Seja porque é inteligente e se desdobra, como uma boa obra de arte, após a exibição. As cenas finais não vão sair da minha cabeça tão cedo.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Choque cultural [ou como nasce a xenofobia]

Visitamos ontem o Art China, provavelmente o único restaurante chinês de todo o Rio de Janeiro [se houver outro, me fale - mas não vale o caríssimo Mr. Lam ou qualquer pé-sujo cujo dono é chinês e que vende também sushi; tem que ser chinês frequentado por chineses] e tive um choque cultural.

No cardápio, impresso em um papel A4 vagabundo, havia mais informações em mandarim - ou cantonês, sei lá - que em português. Do que eu consegui entender, havia, de exotismo, língua de pato, bucho de peixe, e pé de porco. Achei que era demais e optei com um prato de rã com gengibre.

Sim, foi uma aposta ousada, mas como lembrava de já ter comigo rã [à milanesa] quando pequeno, a opção era a melhor relação entre um prato que fugisse dos tradicionais frango-xadrez da vida, mas sem cair no oposto, como um peixe que eu nunca tinha ouvido falar com ingredientes que não consegui nem identificar. E não adiantava chamar o garçom brasileiro, ele também não conhecia nada e quando sugeri pedir uma entrada ele falou que não tinha vendido para ninguém aquilo, até aquele momento [era uma trouxinha de carne, carne enrolada em massa chinesa e frita, com molho agridoce, simples e gostosinho].

E olha que o lugar é frequentado e muito por chineses. Dizem que até o embaixador come lá, de vez em quando. Parece que há o famoso pato de pequim, mas, além do fato de ter um prato de R$ 110 no cardápio sem qualquer explicação em português, não vi nenhuma referência a ele. Aliás, os preços são convidativos: yakissobas gigantescos para uma pessoa custam R$ 12.

Antes de falar sobre a minha experiência gastronômica em si, cabe falar sobre o grupo de quatro chineses que chegou durante o nosso almoço. Já tinha ouvido falar que chinês come muito. Mas essa afirmação é tão genérica quanto a de carioca não gosta de dias nublados, para ficar apenas na poesia. De certa forma, se levarmos em conta aqueles quatro, posso assegurar que chinês come muito mais que muito. Foram diversas vasilhas de pratos que eu tentava identificar à distância, mas que, claro, não conseguia. Vi uma espécie de sopa, com algo verde e macarrão; arroz; uma espécie de guisado vermelho; e um frango, de coloração escura, como algo defumado, ou próximo do estragado, cortado longitudinalmente.

De certa forma, fiquei intimidado com aqueles fulanos. Não eram simpáticos. Não faziam questão de parecerem simpáticos. Falavam alto, tinham cara de mau encarados. Parecia que nós estávamos invadindo o ambiente deles. Ou será que estou com mania de perseguição?

Principalmente porque o meu prato, a rã com gengibre, bem, eu consegui comer metade e fiquei com aversão. E imaginei que eles me olhavam com um ar de "você vai comer isso?" Mas pode ser só impressão e sugestão. A rã, quando chegou, fumegante, ainda era saborosa. Depois, com aquela coloração branca-pálida, como se só tivesse tomado uma fervura, a ponto de poder observar suas veias, além da dificuldade extrema para comê-la, já que foi partida em pedaços pequenos e tinha ainda muitos pedacinhos de osso, me deixou, admito, com nojo. Pela primeira, desde que me entendo por gente, não comi todo o prato por falta de coragem. Acho que exagerei na minha primeira passagem pelo restaurante.

Eu sou a pessoa mais favorável à imigração que conheço - a mistura é mais interessante, para mim, que a depuração. Além disso, estava atrás desse restaurante especificamente há tempos, mas não consegui ficar à vontade lá. Sei que a comida e o ambiente em que você não fala nem "oi" na língua dos locais ajuda. Mas, mesmo na Índia, me sentia mais "em casa". Na Índia, me pareceu, os indianos são mais friendlies.

É claro que essa é uma conclusão premeditada, baseada em absolutamente uma única experiência em que levo em consideração apenas um universo pequeno de pessoas e hábitos para fazer uma comparação injusta. Porém, acredito que é exatamente assim que nascem os preconceitos: tirando conclusões premeditadas; fazendo julgamentos desnecessários; se colocando no centro de um mundo metafórico, em que as suas certezas são melhores que as de outros, principalmente se os outros forem de olhos puxados ou tiverem a cor da pele diferente, ou ainda, e horror dos horrores, sotaque de uma determinada região do país.

Não acho que eles têm que se adaptar à nossa maneira de viver [e qual é a nossa maneira de viver?], nem nós precisamos tentar integrá-los aos nossos costumes, quiçá somos obrigados a frequentar os seus restaurantes. Sou favorável de todos exercerem suas individualidades livremente, desde que não interfira na individualidade e na integridade física e moral de outrem, claro.

Se vou ao restaurante chinês, vou porque gosto de conhecer o diferente de mim, o que nunca tinha pensado, me surpreender com gostos completamente exóticos [penso agora no tacacá paraense: dois sabores novos para mim em um mesmo prato]. A primeira experiência foi ruim, mas não traumática. Não dá para chegar a qualquer conclusão, assim. Por isso, já pensei em voltar lá e provar outros pratos. Alguma sugestão?

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

'Tropa de elite' à americana?

Ele é um policial honesto em um corporação completamente corrupta. Vivido por um dos maiores atores de sua geração e inspirado em um personagem real, ele trabalha em uma cidade violenta, em que o jogo ilegal e o tráfico de drogas é comum. Os policiais pegam dinheiro das atividades ilícitas e quem está fora do esquema é mal visto pelos colegas. Sua companheira, não aguentando o destempero constante, o abandona. Ao fim do filme, um depoimento seu em uma comissão legislativa ajuda a acabar - ou pelo menos, desmontar algumas peças - do esquema, do "sistema".

As semelhanças entre "Serpico", clássico policial com tintas do blaxploitation, de Sidney Lumet, e o "Tropa de elite" acabam aí. Serpico é um novaiorquino, hippie típico dos anos 1960, filho de imigrantes italianos que integra a força policial porque é seu sonho de criança. Não há um uma tropa de incorruptos - como, por exemplo, havia em "Os intocáveis" - nem a estrutura da polícia americana é igual à brasileira. Além disso, no filme americano, quem tortura são os policiais corruptos, não toda a corporação - Serpico, inclusive, é contra a prática.


Mas é curioso ver como o problema da violência de uma cidade está intimamente ligada - ou coincidentemente ligada nesses dois lugares - a casos de corrupções do braço do estado na segurança pública. Em "Serpico" vemos uma Nova York degradada, suja, com discriminação racial, e uma exclusão dos pobres da decisão. Há até um diálogo em que um dos corruptos afirma que prende só os negros e pobres, liberando os italianos, porque eles teriam "palavra", cumpririam com as suas promessas.

Algum sociólogo vai saber responder com exatidão de onde nasce a criminalidade - mas suspeito que estatisticamente tem a ver com desigualdade social e pobreza exagerada. Em seguida, vem corrupção e violência, como um dilema tostines, de quem veio primeiro. É claro que na Suécia há criminalidade, violência e até corrupção, acrescentando ainda xenofobia e até elementos de eugenia, mas duvido que haja uma tropa de elite ou policiais que se destaquem dos demais apenas por serem corretos lá.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Drinkability literário

Estava eu com um amigo tomando cerveja quando ele elogiou o Hemingway, por conta da sua facilidade de leitura. Levantei a hipótese de que a facilidade (ou dificuldade) de leitura não deve ser o único critério para se avaliar um livro. Jornalistas que somos, um texto fluido e fácil de se ler é sempre desejado. Mas na literatura não é uma regra.

Para usar uma expressão do ambiente em que nos encontrávamos comentei sobre o drinkability da cerveja, que designa a facilidade (ou dificuldade) de beber uma cerveja. As pilsens, por exemplo, têm alto drinkability. Mas dizer que elas são melhores que as dubbels é no mínimo apressado. Mas o estilo belga é difícil. Tomar várias garrafas é tarefa complicada. Ou seja, tem baixo drinkability. Num dia quente, prefiro uma pilsen.

E o mesmo se aplica à literatura. Há livros que são lentos, mas nem por isso piores. Penso em Fernando Pessoa. Não consigo ler muitas páginas, mas saboreio cada uma das palavras que sorvo.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Desconstruindo mitos

- É muito interessante, para mim, quando revejo filmes que me marcaram há dez, 11 anos, como é o caso de "Desconstruindo Harry", e percebo que consigo reconhecer os motivos pelos quais gostei do longa, além de ter a grande satisfação que ainda gosto dele, mas agora por outros motivos. Foi como se olhasse para uma paixão adolescente e, mesmo sem a paixão, conseguisse ver o quanto foi - e é - importante para mim. Foi emocionante.

- Borges dizia que, no início de sua carreira literária, ele se aliou ao ultraísmo porque queria parecer antenado com o seu tempo de tantos ismos e necessidades de vanguarda. Dizia ele que tentava ser moderno porque havia se esquecido que era impossível não pertencer ao seu próprio tempo. De maneira inversa - exatamente porque gosto muito de Borges - tentei me isolar de meu tempo e espaço, para, primeiro, fugir à sina que ele tanto imaginava como impossível de se escapar, segundo porque queria imitá-lo, porque na minha interpretação mais primária, não via o quanto o século xx de Buenos Aires estava em todas as suas criações.

Rodeio de gordas

Alunos sobem em cima de meninas gordas e ficam cronometrando quanto tempo aguentam em cima delas. O "rodeio de gordas" seria cômico se não fosse trágico.

[via @ladyrasta]

Todos os Woody Allen da vida

Para quem gosta de Woody Allen, esse site é uma alegria. Todos os filmes dele para baixar. É um serviço de utilidade pública.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Segundo capítulo

Como estou com o tempo razoavelmente livre, decidi voltar a um novel que já tinha começado há muito tempo e parado lá pela página 82. Agora, posso reescrevê-lo e completá-lo. Hoje refiz o segundo capítulo que, modéstia e clichês à parte, ficou legal. Publico aqui embaixo, para quem quiser comprovar.

***


2

Antes do despertador tocar, às 7h, coloco a minha mão sobre o aparelho e o desligo. Estou acordado há muito tempo. Ou melhor, mal dormi durante toda a noite. Tinha sido assim nas últimas semanas - talvez esta noite tenha sido até pior que nas últimas semanas. Ou sempre foi assim, mas agora, eu não sei por que, me sinto cansado, muito cansado. Não importa. Estou cansado, é isso que importa. Suspiro vagarosamente algumas vezes antes de levantar o meu corpo. Reluto. Me sinto pesado. Quero um guindaste para me tirar daqui. O problema é que, apesar do meu corpo estar em frangalhos, a minha cabeça fica ligada durante todo o dia e, principalmente, durante toda a noite. Sem descanso, ininterruptamente. Eu queria mesmo era virar um robô que não precisa pensar, apenas repetindo um código, uma combinação, um programa desenvolvido por alguém que está muito cansado.  Fico de frente ao espelho no banheiro. Estou como se tivesse virado a noite me destruindo. Ou como se tivesse trabalhado sem parar nas últimas semanas. Meus olhos estão vermelhos, ejetados e profundos, cheios de ranhuras e olheiras, com bolsas. Não tenho força nem para abrir as pálpebras por inteiro. Elenco uma a uma as obrigações do dia enquanto esfrego automática e vagarosamente a escova de dentes para lá no molar e para cá no canino. O dia até que não seria dos piores no trabalho. Mo-lar. Reuniões, ca-ni-no, planilhas, mo-lar, sorrisos falsos, ca-ni-no, piadas sem graça. Mo-lar. Cuspo. Minha mãe vai me ligar e me perguntar se está tudo bem e não teremos mais o que conversar após respondê-la protocolarmente de que sim, estava tudo bem. Gar-ga-re-jo. Estava? Penso nisso enquanto tomo banho. Não tenho uma resposta muito certa. A verdade é que não sei. Mantenho-me num cotidiano sem muitas alterações, sem emoções, vazio. Se isso é bom, não sei, não quero pensar nisso agora. Estou muito cansado.

No banho, escolho mentalmente uma entre as 30 camisas de manga comprida e botões para usar no trabalho. São todas iguais. Para que perder o meu tempo comprando camisas diferentes? Vou em uma e compro várias do mesmo estilo. Assim, posso gastar o meu tempo em outras coisas mais importantes. É assim que eu penso, é assim que eu faço.

Pego o ônibus às 7h30 – quando ele não atrasa – em direção ao Centro. Reproduzo os meus passos cotidianamente: faço sinal, corro atrás do ônibus, subo os três degraus, olho para motorista, cumprimento formalizante [apenas um balançar de cabeça para demonstrar que eu o vi e que sei que ele existe, mas sem dar a chance de ele entabular qualquer iniciativa de conversa], vou em direção à roleta, me segurando para não cair enquanto o motorista arranca como se estivesse atrasado para uma prova de morte, pego o dinheiro no meu bolso direito – o das chaves, no esquerdo fica o meu celular e no bolso de trás, a minha carteira – entrego as moedas e a nota ao trocador,  cumprimento formalizante, sento no primeiro banco do lado direito para evitar o sol – se estiver ocupado, escolho o segundo e assim sucessivamente –, abro o jornal, leio primeiro o caderno de esportes, depois os quadrinhos e antes que eu chegue à economia ou à política, chego ao meu destino. Salto no ponto às 8h – 8h05 quando ele está atrasado, 8h10, quando há retenção, 8h15, quando o engarrafamento é forte. Nunca chego à editoria de polícia. Caminho sete minutos até o trabalho pelas ruas mais antigas da cidade onde o chão ainda é feito de paralepípedo do século XIX e os mendigos já não se importam com o cheiro da urina. Digo maquinalmente “bom-dia” à recepcionista, com o meu sorriso menos sincero, quando estou de melhor humor, e me sento à minha mesa esperando minha máquina carregar para começar a minha rotina: tenho que inventar coisas para o tempo passar até a hora do almoço, ao meio-dia e meia.

Às vezes é fácil arranjar o que fazer. Geralmente, sigo uma série de procedimentos: vejo meu e-mail, confiro o resto do jornal na internet, vejo se alguém deixou algum recado na minha página pessoal, navego, navego, navego. Às vezes, as minhas páginas acabam e eu fico sem ter o que fazer. Hoje é esse dia.

No almoço, demoro um pouco menos de uma hora, e regresso ao escritório. Em outras épocas eu gostava de caminhar pelas ruas. Agora quero só que isso acabe o mais rápido possível. De volta ao trabalho, são mais quatro horas sem fazer nada até às 17h quando, com o céu ainda claro, me levanto para ir embora.

Quando chego em casa, dou uma longa caminhada, para tentar matar o tempo – como faço todos os dias. Caminho duas horas seguidas, sem roteiro pré-estabelecido, sem rumo definido. Acho que tenho que ir para aquele lado, seja qual for, e coloco o pé a frente do outro. A cabeça continua a dar mil voltas, mas, pelo menos, sinto o sangue correr nas veias.

Volto para casa com o meu corpo inteiro, a cabeça acabada, e resolvo ir me deitar. Não tenho nada para fazer. Ligo e desligo a TV. Abro o computador. Escuto uma música. Tento ler um livro, mas ele não consegue me prender. Decido dormir. Apago as luzes, mas as luzes não se apagam.

Nascimento, o primeiro super-herói brasileiro

Agora que cerca de 6 milhões de pessoas já viram "Tropa de elite 2", pensei em escrever alguma coisa sobre o assunto. O primeiro pensamento que passou pela minha cabeça foi: gostei mais do primeiro. Ou melhor, o primeiro filme me impressionou mais. Fui um dos famigerados que assistiu em cópia pirata [vou arder no mármore do inferno por isso, eu sei] à primeira versão, logo assim que ela foi informalmente lançada. Não esperava tal qualidade de uma produção brasileira, mesmo após "Cidade de Deus". Foi uma surpresa - e um certo orgulho.


Claro que a tortura presente no primeiro filme me chamou a atenção logo de cara, mas não via traços do fascismo que, depois, foi logo associado ao longa. Aliás, comigo aconteceu um fenômeno interessante. Vi o filme pouco antes de entrar de férias quando ainda era razoavelmente desconhecido. Quando voltei, o capitão Nascimento era capa das três maiores revistas brasileiras e todo mundo só falava sobre "Tropa". Qualquer assunto - e quando eu digo "qualquer assunto" quero dizer realmente "qualquer assunto" mesmo - sobre "Tropa" virava pauta.

O segundo veio cheio de expectativas e um esquema de segurança digno do Bope - literalmente - que alavancaram a bilheteria. E é, talvez, até melhor que o primeiro. Mas menos impactante. Melhor por quê? Por que mostra um capitão-agora-tenente-coronel-subsecretário-de-segurança Nascimento mudando completamente sua opinião, indo de um total antagonismo com o professor-de-História-deputado-correto Fraga para, ao fim, estarem lado a lado contra o perigo em comum? Por que criou-se um vilão - o miliciano Rocha - de quem você consegue sentir verdadeira raiva verdadeira? Por que apontou para os verdadeiros culpados pelo problema da violência no Rio - os políticos? Por tudo isso, sim, mas, principalmente porque reafirmou e ressaltou o valor de nosso [nosso, brasileiro] primeiro super-herói, o Nascimento, que já vem pintados com as cores da modernidade, em que a dúvida e as atitudes contraditórias são as duas matizes mais fortes.

Nunca tivemos super-homens, homens-aranhas, justiceiros, ou jiraias, jaspions, ou mesmo asterixes, quiçá tintins. Já tivemos capitães-gays, mônicas até riobaldos. Mas ou eram paródias, ou eram voltados para o público infantil ou não tiveram o alcance pop que Nascimento atingiu com os dois filmes. Já tivemos anti-heróis, como Odete Roitman ou Nazaré ou mesmo Olavo, mas nunca um sujeito por quem torcer do início ao fim de uma produção cultural.

Nascimento tem a moral ilibada. Coloca na cadeia políticos só com o seu depoimento. Tem um grupo que o protege e antevê quando sua família será atacada. Além disso, ele é irônico, pai apaixonado pelo filho, e luta do lado certo da lei, numa sociedade carcomida pela corrupção. Também é um homem e, como tal, sujeito a problemas e erros diversos - o que o aproxima dos mortais normais.

Parte da responsabilidade fica, é claro, com Padilha, diretor-economista, que gosta de uma dialética quase marxista em seus filmes. Parte do Bráulio, roteirista de trocentos filmes brasileiros de sucesso; e parte do próprio Rodrigo Pimentel, que viveu, na vida real, esse capitão do Bope que passa por tanta mudança. Mas dou o meu crédito maior para Wagner Moura. Francisco Bosco disse em sua coluna e eu repito aqui: feliz de nós que vivemos na mesma época que um ator desse naipe.