terça-feira, 30 de abril de 2013
segunda-feira, 29 de abril de 2013
Música do momento n. 26: "Dirty paws"
Os islandeses do Of monsters and men gostariam de ser quando crescer os canadenses-americanos-haitianos do Arcade Fire. Nessa música, do primeiro e único disco deles, "My head is an animal", há até o "hey", que parece sampleado. Mas quem disse que a música precisa ser extremamente original para ser gostosa de se ouvir? [Claro, isso sem contar com o forró-indie-universitário]
Anedotas filosóficas: os cavalos de Nietzsche e Dostoiévski
Em 1889, já bastante debilitado mentalmente, Nietzsche presenciou uma cena em Turim que é considerada o seu último momento de sanidade. E essa cena talvez queira dizer muito, talvez possamos interpretá-la de uma maneira bem ampla, que o leve a Dostoiévski.
Diz-se que o pensador alemão já estava delirando nesse período, vítima provavelmente da sífilis. Escrevendo cartas para amigos assinava com outros nomes, como Dionísio. Nessas cartas, se colocava num papel de o grande enviado, como se fosse o fundador de uma nova religião, a que substituiria o cristianismo. Uma seita para os übermensch. Esses além-do-homem seria os novos homens que não baseariam suas vidas em um conceito externo, como um deus, a religião, a sociedade, a igualdade, ou a compaixão. Mas em suas vontades de potência. A última cena de sua vida sã talvez seja um belo desfecho para esse caminho.
Nietzsche andava por Turim, num dia frio, e viu um cavalo muito fraco no meio de uma praça ser açoitado pelo seu dono porque não andava. O cavalo, pele e osso, com uma carga pesada, não conseguia mais se mexer. Seu dono, porém, não se importava com seus problemas e o continuava a castigar. Até que, depois de muito sofrer, o cavalo não resiste e desaba. As pessoas na praça ficam atônitas, mas só Nietzsche, num impulso, corre para abraçar o cavalo. Ele nunca mais voltaria a se relacionar com as pessoas.
Seria apenas uma cena forte se não fosse a mesma descrição do episódio do capítulo cinco do "Crime e castigo" do Dostoiévski, escrito algumas décadas antes. No lugar de Nietzsche, quem vê um cavalo fraco em uma cena de inverno ser maltratado e corre para salvá-lo de seu dono é Raskolnikov, o protagonista do livro que crê na ideia dos homens extraordinários, capazes de cometerem até crimes para mostrar as suas grandes ideias.
Seria apenas uma coincidência caso não soubéssemos que bem provavelmente Nietzsche havia lido Dostoiévski. Podemos imaginar o que passou na cabeça de Nietzsche nesse momento: estou dentro de um romance? Sou um personagem de um novelista russo? Existe um início, meio e fim para a minha vida? Alternativas estas que contrariam tudo o que o pensador alemão proferiu em sua vida, com as suas propostas de um niilismo que se pode chamar ativo.
Logo Nietzsche, o homem que escreveu sobre o a morte de Deus. Logo ele. Estar numa situação retratado por Dostoiévski, que tinha colocado na boca de um personagem de seu "Os irmãos Karamazov" o desespero ante a possibilidade de um mundo sem Deus. Sempre se diz que a história é uma senhora irônica.
Nietzsche morre 11 anos depois, no ano 1900, sem conhecer o século em que as suas ideias seriam, de uma maneira estabalhoada, colocadas em prática. Dizem que viveu em estado semi-vegetativo, sendo cuidado pela sua irmã, que deixava pessoas o visitarem, mesmo nessa situação constrangedora. A mesma irmã que depois editou seus escritos de maneira a transformá-lo em um filósofo nazista - coisa que ele não era.
Dizem que 11 anos é um tempo exagerado para alguém que está sofrendo de uma falência metal grave, como era o caso de Nietzsche. Mas, neste caso, talvez tenha sido um desejo de parar. Uma desistência completa. Uma falta de potência exagerada de sua vontade. Como se percebesse que ninguém mais o escutava. Que o que ele dizia não fazia sentido nem para ele mesmo.
Uma derrota para o homem Nietzsche, podem imaginar alguns. Mas, mesmo assim, foi certamente uma vitória para o além-do-homem. Demonstrou que ninguém está acima dos demais, nem mesmo o filósofo que formulou sua teoria. Ninguém merece ser seguido ou imitado. Ao abdicar da vida, Nietzsche deu a sua última lição: demonstrou que ele também não devia ser idolatrado.
Diz-se que o pensador alemão já estava delirando nesse período, vítima provavelmente da sífilis. Escrevendo cartas para amigos assinava com outros nomes, como Dionísio. Nessas cartas, se colocava num papel de o grande enviado, como se fosse o fundador de uma nova religião, a que substituiria o cristianismo. Uma seita para os übermensch. Esses além-do-homem seria os novos homens que não baseariam suas vidas em um conceito externo, como um deus, a religião, a sociedade, a igualdade, ou a compaixão. Mas em suas vontades de potência. A última cena de sua vida sã talvez seja um belo desfecho para esse caminho.
Nietzsche andava por Turim, num dia frio, e viu um cavalo muito fraco no meio de uma praça ser açoitado pelo seu dono porque não andava. O cavalo, pele e osso, com uma carga pesada, não conseguia mais se mexer. Seu dono, porém, não se importava com seus problemas e o continuava a castigar. Até que, depois de muito sofrer, o cavalo não resiste e desaba. As pessoas na praça ficam atônitas, mas só Nietzsche, num impulso, corre para abraçar o cavalo. Ele nunca mais voltaria a se relacionar com as pessoas.
Seria apenas uma cena forte se não fosse a mesma descrição do episódio do capítulo cinco do "Crime e castigo" do Dostoiévski, escrito algumas décadas antes. No lugar de Nietzsche, quem vê um cavalo fraco em uma cena de inverno ser maltratado e corre para salvá-lo de seu dono é Raskolnikov, o protagonista do livro que crê na ideia dos homens extraordinários, capazes de cometerem até crimes para mostrar as suas grandes ideias.
Seria apenas uma coincidência caso não soubéssemos que bem provavelmente Nietzsche havia lido Dostoiévski. Podemos imaginar o que passou na cabeça de Nietzsche nesse momento: estou dentro de um romance? Sou um personagem de um novelista russo? Existe um início, meio e fim para a minha vida? Alternativas estas que contrariam tudo o que o pensador alemão proferiu em sua vida, com as suas propostas de um niilismo que se pode chamar ativo.
Logo Nietzsche, o homem que escreveu sobre o a morte de Deus. Logo ele. Estar numa situação retratado por Dostoiévski, que tinha colocado na boca de um personagem de seu "Os irmãos Karamazov" o desespero ante a possibilidade de um mundo sem Deus. Sempre se diz que a história é uma senhora irônica.
Nietzsche morre 11 anos depois, no ano 1900, sem conhecer o século em que as suas ideias seriam, de uma maneira estabalhoada, colocadas em prática. Dizem que viveu em estado semi-vegetativo, sendo cuidado pela sua irmã, que deixava pessoas o visitarem, mesmo nessa situação constrangedora. A mesma irmã que depois editou seus escritos de maneira a transformá-lo em um filósofo nazista - coisa que ele não era.
Dizem que 11 anos é um tempo exagerado para alguém que está sofrendo de uma falência metal grave, como era o caso de Nietzsche. Mas, neste caso, talvez tenha sido um desejo de parar. Uma desistência completa. Uma falta de potência exagerada de sua vontade. Como se percebesse que ninguém mais o escutava. Que o que ele dizia não fazia sentido nem para ele mesmo.
Uma derrota para o homem Nietzsche, podem imaginar alguns. Mas, mesmo assim, foi certamente uma vitória para o além-do-homem. Demonstrou que ninguém está acima dos demais, nem mesmo o filósofo que formulou sua teoria. Ninguém merece ser seguido ou imitado. Ao abdicar da vida, Nietzsche deu a sua última lição: demonstrou que ele também não devia ser idolatrado.
O 'pusilânime Heidegger'
Pouco se fala neste doc. da BBC sobre a parte filosófica de Martin Heidegger, mas dá para se ter uma ideia de sua participação no partido nazista antes, durante e até pouco depois da Segunda Guerra Mundial - e dá para ficar com verdadeira aversão por ele.
domingo, 28 de abril de 2013
sábado, 27 de abril de 2013
A geração produtiva e criativa
Não sejamos conservadores: não há qualquer problema - a princípio - em todo mundo nesta geração se achar criativo. Em todas as pessoas, de uma maneira ou de outra, quererem ser "artistas" da sua profissão. Há gente criativa em todos os ambientes profissionais: do design, essa área cool por excelência, que cresceu nos últimos anos de importância como talvez nenhuma outra, à engenharia, o ícone da sem-gracice, da falta de manemolência.
Como disse, o fato em si de se achar criativo não é um problema. No máximo, há falta de semancol: saber que, mesmo que você queira muito, a verdade é que, bem, não, você não é, assim, tão criativo. A questão é saber o que é ou não ser criativo. Quem decide isso. Com que critérios. É o mesmo caso para os "artistas" - a autodenominação é apenas um dos elementos, mas, provavelmente, mais fraco que todos os demais.
Eu provavelmente não saberia dizer o que torna alguém mais ou menos criativo. Mas imagino que, entre todos os parâmetros, poderíamos considerar um que é quase certo de figurar: a modificação do processo existente - não no sentido de "evolução", ou de "melhora", mas no de simplesmente se modificar o que havia antes. Se, por exemplo, houver muitos elementos de contato entre uma produção atual e uma antiga, é normal que as pessoas digam que há falta de criatividade nessa produção. Por isso, é importante, talvez indispensável, ser diferente, outro. [Novamente entraríamos num mesmo problema: quais são os critérios que tornam algo "diferente" de outro? Mas simplifiquemos para seguir adiante.]
O meu ponto aqui é: para ser diferente, então, é necessário saber o que houve antes. Em outras palavras, conhecer a tradição. Não a ponto de se aprisionar, mas o suficiente para experimentar o que Harold Bloom chama, em sua máxima tese, de "The anxiety of influence", ou seja, saber que temos que nos alimentar do passado, mas já tendo consciência de que teremos que suplantá-lo, modificá-lo, transformá-lo [novamente, por favor, sem noção de "progresso", aqui].
Porque, sem passado, sem a tradição, seríamos capazes de apenas repetir eternamente a mesma e igual produção. Se ninguém se lembrasse de nada, diariamente inventaríamos a roda. Não é o caso.
Agora, o que acontece com uma geração que é toda criativa, quando é, também, só e apenas produtiva? Outra vez estou generalizando, e aprofundando um aspecto que não é possível medir. Mas, consideremos essa hipótese exagerada: o que acontece com uma geração em que todos produzem e ninguém consome? Dando exemplos mais à mão: em que todo mundo escreve, cria vídeos, desenha, fotografa, mas ninguém lê, assiste, observa, absorve? O que acontece com uma geração em que a memória, essa memória necessária para comparações, é esvaziada e terceirizada para a virtualidade, onde os critérios de hierarquia são algorítimos? Provavelmente, num modo de se destacar de um fundo de inoperância, todos se acham criativos. E ninguém verdadeiramente o é.
Como disse, o fato em si de se achar criativo não é um problema. No máximo, há falta de semancol: saber que, mesmo que você queira muito, a verdade é que, bem, não, você não é, assim, tão criativo. A questão é saber o que é ou não ser criativo. Quem decide isso. Com que critérios. É o mesmo caso para os "artistas" - a autodenominação é apenas um dos elementos, mas, provavelmente, mais fraco que todos os demais.
Eu provavelmente não saberia dizer o que torna alguém mais ou menos criativo. Mas imagino que, entre todos os parâmetros, poderíamos considerar um que é quase certo de figurar: a modificação do processo existente - não no sentido de "evolução", ou de "melhora", mas no de simplesmente se modificar o que havia antes. Se, por exemplo, houver muitos elementos de contato entre uma produção atual e uma antiga, é normal que as pessoas digam que há falta de criatividade nessa produção. Por isso, é importante, talvez indispensável, ser diferente, outro. [Novamente entraríamos num mesmo problema: quais são os critérios que tornam algo "diferente" de outro? Mas simplifiquemos para seguir adiante.]
O meu ponto aqui é: para ser diferente, então, é necessário saber o que houve antes. Em outras palavras, conhecer a tradição. Não a ponto de se aprisionar, mas o suficiente para experimentar o que Harold Bloom chama, em sua máxima tese, de "The anxiety of influence", ou seja, saber que temos que nos alimentar do passado, mas já tendo consciência de que teremos que suplantá-lo, modificá-lo, transformá-lo [novamente, por favor, sem noção de "progresso", aqui].
Porque, sem passado, sem a tradição, seríamos capazes de apenas repetir eternamente a mesma e igual produção. Se ninguém se lembrasse de nada, diariamente inventaríamos a roda. Não é o caso.
Agora, o que acontece com uma geração que é toda criativa, quando é, também, só e apenas produtiva? Outra vez estou generalizando, e aprofundando um aspecto que não é possível medir. Mas, consideremos essa hipótese exagerada: o que acontece com uma geração em que todos produzem e ninguém consome? Dando exemplos mais à mão: em que todo mundo escreve, cria vídeos, desenha, fotografa, mas ninguém lê, assiste, observa, absorve? O que acontece com uma geração em que a memória, essa memória necessária para comparações, é esvaziada e terceirizada para a virtualidade, onde os critérios de hierarquia são algorítimos? Provavelmente, num modo de se destacar de um fundo de inoperância, todos se acham criativos. E ninguém verdadeiramente o é.
sexta-feira, 26 de abril de 2013
Música - e cena - do momento n. 24: "The sound of silence"
Simon & Garfunkel, em uma das cenas mais impactantes de "Watchmen", do sempre exagerado diretor Zack Snyder.
quinta-feira, 25 de abril de 2013
Música do momento n.22: "Horse with no name"
Neil Young, sempre, vale. Mesmo as mais popularescas.
Rio, no outuno
Eu implico com o calor do Rio de Janeiro no verão - também pudera. Mas o outono nessa cidade, com todo o respeito e afeição pelas outras, é um esculacho. Acordo cedo, bem cedo, tenho esse defeito, e gosto de ver o nascer do sol pela janela do meu quarto. Nessa época do ano, o nascer do sol assume ares de grandes epifanias. Sempre um pouquinho antes das 6h, dez, cinco minutos. O céu começa a se tornar mais claro, iluminado por um sol ainda inexistente. Se houver muitas nuvens, o milagre não acontece. Há de haver o número necessário, se não, a cor rosa não aparece. E é ela que é a mais bonita, que contrasta com o céu azul prateado, com o sol em si, amarelo, com os detalhes das sombras escuras. E vemos o rosa se espalhar pelo céu, no início vagarosamente, depois, dominando a abóboda por poucos mas intensos minutos. Sabemos que o dia não será nem tão quente, nem tão frio. Será ideal. A natureza, ao menos, fez a sua parte aqui.
quarta-feira, 24 de abril de 2013
O mistério do 'sucesso' da nova poesia
A internet começou a alterar formalmente, em termos de tamanho de versos, de velocidade de imagem, de linguagem coloquial, a maneira de escrever poesia.Leonardo Gandolfi, em uma entrevista semana passada, para a revista do "Globo", talvez tenha resumido - sintetizado? - a razão de uma onda de poesia: a síntese. Que ironia histórica.
Eu acho que as imagens das poesias são muito mais velozes hoje em dia. Uma das características da poesia é este poder de síntese. Mas acho que há um volume tão grande de imagens nas poesias atuais que esta característica perde o sentido, é uma síntese que não sintetiza mais, porque acumula e sobrepõe imagens.
Não sei se essa mudança foi causada pela internet, mas há uma intensificação desta característica nesta nova leva, muito por conta desta necessidade de publicar muito, em blogs, redes sociais. Ao mesmo tempo, tem essa coisa do texto curto, desde o surto do Twitter. Que afeta o verso, afeta.
Que ironia histórica. A poesia, vista nas últimas décadas com um pouco [ou muito] desprezo, principalmente por conta dos ilimitados exageros das décadas de 1960-70 e a ressaca que ainda se mantém nos que não saíram totalmente desse período, talvez tenha encontrado o seu espaço nesse lugar estranho que é a internet.
Não tenho números muito confiáveis, além do fato de um poema da Angélica Freitas [também entrevistada nessa reportagem] ser um dos textos mais lidos em meu blog [o que não é exatamente uma grande vantagem]. É apenas uma suposição, que é adensada com essa entrevista e com os números de venda das obras completas do Paulo Leminski - dizem que foi o livro mais vendido nas livrarias por semanas. Quem diria.
Eu tenho uma sugestão de explicação. Uma possibilidade de início de elucubração. Mas antes, há uma condição pregressa em todas essas poesias: que elas sejam coloquiais ou diretas, cujos sentimentos sejam mais "fáceis" de se pescar, que a primeira leitura esteja ali, quase pronta, bastando o leitor passar os olhos. João Cabral, que fazia da poesia uma educação pela pedra, por exemplo, não deve se tornar pop. Ele não é "difícil", ao contrário, usa de palavras bem simples, mas sua proposta exige mais tempo. Não há uma emoção à primeira leitura. Parece um texto quase banal.
Seria necessário, portanto, para resumir essa minha introdução à introdução, que haja uma comunicação imediata. Uma clara carta de claras intenções. Não pode haver mistério. Ou muito mistério. Ou um mistério total. Algo que torne a leitura difícil. Que exija uma segunda leitura. Uma atenção maior. Isso não quer dizer que as obras atuais que fazem sucesso não mereçam uma segunda leitura, mas que elas podem ser "entendidas" logo no primeiro contato. Uma de suas faces se mostra de cara.
Portanto, o recurso da comunicação é essencial, mas não acredito que seja isso, essa é a razão de haver uma procura maior atualmente, ou uma aceitação razoável por poesias. Se fosse apenas o fato de se comunicar, qualquer pessoa que escreve de maneira clara e em versos entraria nessa categoria. Para mim, o "mistério do sucesso" está nessa capacidade de sintetizar pequenas narrativas. Veja o caso do Leonardo [para mim, um ótimo exemplo - leia algumas poesias dele aqui]. Em outro momento da entrevista ele explica o que o move: "O que eu gosto de fazer é contar histórias. Eu sou um contador de histórias falhado. Eu queria ser contista, romancista. O verso me incomoda um pouco. Mas eu o uso para contar as histórias com uma imagem sintética, ou um verso longo" [o itálico é meu].
Claro que esse processo é dele, mas há algo em comum, suspeito, entre as outras histórias dos outros poetas. As poesias viraram pequeninas narrativas, quase com início, meio e fim, não necessariamente ficcionais, não necessariamente sobre um aspecto tradicional, mas ainda assim narrativas, em que a palavra tem que se virar para dar conta das várias leituras possíveis, para carregar dentro de si, como uma semente, a força, a beleza, a graça.
Essas poesias - é o meu chute - viraram um "sucesso" [lembremos que "sucesso" aqui é uma figura de linguagem hiperbólica] por serem pequenas narrativas - e como o homem tem fome de narrativas! Cada verso pode ser destacado e carregado dentro da memória para futuras repetições, sejam mentais ou virtuais. As poesias podem ser compartilhadas. Os versos que mais tocam o leitor podem virar frases-bordões. Além de todos os outros serviços, dá ao seu compartilhador um status, um verniz cultural, diferenciador dos demais - já que quem gosta de poesia seria, assim, seguindo esse raciocínio duvidoso, mais sensível que os outros. Daí o sucesso igualmente de minicontos, microcontos, e outras narrativas minúsculas. São pílulas de felicidade intelectual que a pessoa precisa tomar para poder continuar.
terça-feira, 23 de abril de 2013
Thom Yorke: 'I didn't really know what I was doing'
Radiohead's front-man gives one of his rare interviews to Alec Baldwin. The result is great [Transcription, if you prefer, here].
segunda-feira, 22 de abril de 2013
Friedrich Hölderlin
"Pão e vinho"
Na verdade vivem os deuses
mas sobre nossa cabeça, acima em outro mundo
trabalham eternamente e parecem preocupar-se pouco
se vivemos. Tanto se cuidam os celestes de não ferir-nos.
Pois nunca poderia contê-los um débil navio,
somente às vezes suporta o homem a plenitude divina.
A vida é um sonho dos deuses.
Mas o erro nos ajuda como um adormecimento.
E nos fazem fortes a necessidade e a noite.
Até os herois crescidos em uma cunha de bronze,
como em outro tempo seus corações são parecidos em força
aos celestes.
Eles vivem entre trovões.
Me parece às vezes melhor dormir, que estar sem companheiro.
A esperar assim, o que fazer ou dizer eu não sei.
E para que poetas em tempos de carência?
Mas, são, dizes tu, como os sacerdotes sagrados do Deus do
vinho,
que erravam de terra em terra, na noite sagrada.
[daqui]
E o iniciozinho de outro poema, "Patmos" [traduzido, dessa vez, para o inglês aqui]:
Is near, and hard to grasp.
But where there is danger,
A rescuing element grows as well
Música do momento n.20: "O mestre-sala dos mares"
Eu não reparo em letras, tenho esse defeito. Mas nunca deixei de perceber o seguinte verso: "Glória a todas as lutas inglórias" dessa música do João Bosco e do Aldir Blanc, que ficou imortalizada pela voz da Elis Regina [aliás, reparem que, nesta versão, na primeira vez que ela pronuncia, ela canta "grória"].
A música, fui perceber muitos anos depois, é sobre o "almirante negro" João Cândido, um dos marinheiros que comandou a Revolta da Chibata no início do século passado [Dá para saber mais sobre ele aqui, aqui e aqui]. Mas esse verso vai além.
Me lembra o Brasil, como uma metáfora da vida. Como raramente valorizamos as lutas que realmente mereciam ser valorizadas. Como na história do Brasil, pouco sabemos das nossas revoltas populares, e acreditamos que somos um povo pacífico e passivo. Como achamos que a história é feita pelos relatos dos vencedores, mais fortes, poderosos. Ou ainda, no âmbito pessoal, que temos medo de arriscar, de fazer algo que não obviamente vai dar certo. Ao verso cabe muitas interpretações.
domingo, 21 de abril de 2013
Música do momento n. 19: "While my guitar gently weeps"
Ok, essa música é conhecida, mas a versão, não. O Quarteto Maogani a interpreta de um jeito único e, em vez da guitarra elétrica chorar gentilmente, coloca a acústica, o violão. Ao fim, parece que essa música já nasceu assim, desse jeito. Beleza elevada às últimas consequências.
Música do momento n.18: "My Broken Heart"
Estou ficando repetitivo. Pela terceira vez em pouco tempo, divulgo pela terceira vez a música da mesma banda. No caso, dos ingleses da Noah and the Whale, e o disco é o todo ótimo "The First Days of Spring", descrito pelo Ípsilon de Portugal sem meias palavras: " É um dos grandes discos de dor de corno dos últimos dez anos". Apesar de razoavelmente novos, são de 2006, os londrinos já têm três discos e preparam o quarto, para este ano. A voz de barítono de Charles Fink lembra o do moço do National.
A melhor trívia, porém, fica para o fato que o mesmo Ípsilon conta: o nome da banda foi inspirada não nas famosas histórias bíblicas de Noé, o da arca, numa mistura com Jonas, o que enfrentou a baleia, mas no filme "Squid and the Whale" [no Brasil, ficou "Lula e a Baleia"], sendo que o primeiro elemento foi substituído pelo nome do diretor do filme, Noah Baumbach. Aliás o Ípsilon tem uma boa interpretação para o fato.
O Rio virou MAR
O MAR é um museu que nasceu praticamente para falar do maior ativo do Rio: sua paisagem. A primeira parada minha - e, acredito, de todas as pessoas, é exatamente no último andar do prédio "novo", onde há um visual breathtaking de toda a área portuária carioca. Só depois vamos às exposições. Sendo que, ainda assim, a primeira, seguindo esse caminho, no último andar do prédio "velho", é exatamente sobre como a paisagem do Rio foi retratada ao longo dos séculos.
A obra-piada [esse gênero que nasce da "sacadinha" do "artista", que tem uma "boa ideia" e a executa da melhor maneira possível. Mas que ao fim parece sem muita sustança], como dizia, a obra-piada que melhor representa esse processo de curadoria dos registros históricos sobre o Rio é a peça de Marcos Chaves de 1961 "Só vendo a vista" [abaixo].
Neste momento, achei que a grande obra-piada não feita deveria ser: um buraco emoldurado na parede, com o enquadramento da vista. Para dar uma "consciência social", seria interessante também mostrar algum aspecto "humano", ou seja, que houvesse a presença do homem de alguma maneira [hoje é fácil isso], para que a "obra" fosse "viva", se modificasse ao longo dos anos. Fica a sugestão para os artistas.
Nove fora as obras-piadas, é difícil não ficar tocado pela exposição [apenas uma entre várias: dá vontade de ir e voltar diversas vezes ao museu]. Eu diria que 90% dos presentes eram turistas brasileiros que estavam lá para ver outros aspectos do Rio e cumprir uma obrigação social de ver "arte" num "museu". Uns 5% eram de turistas gringos e os demais eram cariocas que passavam horas tentando entender a geografia de uma cidade que não existe mais.
A minha parte preferida foi o século xix, exatamente por esse motivo. Sempre imagino um Rio sem muita contaminação, luxuriante, um Rio completamente verde, com ruas estreitas e de terra batida, como são as vias das cidades pequenas de interior. Os artistas do período, a grande maioria de estrangeiros, ficam nitidamente embasbacados com as paisagens que encontra. São registros e mais registros da Baía de Guanabara, vista de diversos pontos diferentes. Pão de Açúcar. Corcovado. etcetcetc.
Me pergunto nessa hora se as obras são bonitas porque retratam um lugar bonito, ou são bonitas e retratam um lugar bonito e só consigo responder anos depois, quando chego ao modernismo e vejo como o retrato não era mais a intenção dos artistas. Mas que há, mesmo assim, diferenças entre dois artistas, no período em que a intenção era ser o mais próximo da "realidade". Veja o caso de Taunay [lê-se "toné", como descobri ontem], por exemplo.
É dele as três primeiras obras expostas. E, embora seja bastante comum entre os pintores viajantes do século xix retratar, na periferia dos seus retratos, personagens e, em se tratando do Rio, de muitos negros trabalhando enquanto brancos são paparicados, é do francês Taunay a mais incrível crítica que eu vi lá contra o tratamento diferenciado entre pessoas, baseado em cores de pele: "A cascatinha da Tijuca" [não sei a data exata, mas é das primeiras décadas do 1800].
O quadro aparentemente é inócuo, e deve ter sido visto assim pela maioria das pessoas que passou apressada pela sala, com a intenção de cumprir em menor tempo a corrida intramuseus, que acontece ao mesmo em todo mundo onde quer que tenha uma exposição acontecendo. A "cascatinha..." mostra uma paisagem fora das "tradicionais", uma cachoeira no que hoje é o Parque da Tijuca, e pelo que eu entendi, se chama agora Taunay. O francês morava por ali, construiu suas casas, iniciou uma plantação de café, criou os filhos. E quando voltou para a França, deixou como herança para os herdeiros. Era um ambiente que ele conhecia bem.
No alto da obra, vemos a pintura se esfumaçando, com o vapor d'água se misturando com o céu branco, em contraste com os temas e cores terrenos e terrosos e escuros na parte debaixo da tela. E é nessa parte que mora o detalhe, o twist, que faz a obra sair da categoria de boa para a de excelente [veja abaixo].
É na parte inferior, com cores mais avermelhadas, menos etérea, mais terrena, menos religiosa, mais cotidiano, menos idealização, mais "verdade", que aparece um sujeito com casaca e cartola com paleta de cores e um cavalete segurando uma tela. Ele olha para fora do quadro. Ele mira o espectador. Ele quer pintar, está pintando a reação das pessoas que o veem, que ficam impressionados pela cascatinha. Esse pintor é Taunay? Não importa. Seu objetivo é retratar não mais uma paisagem, mas gente, de carne e osso.
Se esse recurso metalinguístico estivesse sozinho já seria o suficiente para alavancar a obra para um patamar que foge da mesmice. Mas há ainda outro elemento que, aí sim, a torna única. Ao lado do pintor, reparem, há dois personagens. Negros. Eles não são mostrados como carregadores, trabalhadores, como homens-animais que servem apenas para dar o seu suor pelo branco, mas como espectadores de uma obra-de-arte. Portanto capazes de sentir, de se emocionarem, de, em suma, serem humanos. Ter a mesma reação que o espectador do lado de fora da tela, provavelmente um branco, que via essa obra. Certamente os negros aparecem com menos espanto que os brancos. Ou seja, Taunay iguala os homens, mostra que não há qualquer diferença entre os espectadores, de qualquer cor. Mexe com a convicção arraigada dos preconceituosos.
A obra-piada [esse gênero que nasce da "sacadinha" do "artista", que tem uma "boa ideia" e a executa da melhor maneira possível. Mas que ao fim parece sem muita sustança], como dizia, a obra-piada que melhor representa esse processo de curadoria dos registros históricos sobre o Rio é a peça de Marcos Chaves de 1961 "Só vendo a vista" [abaixo].
Neste momento, achei que a grande obra-piada não feita deveria ser: um buraco emoldurado na parede, com o enquadramento da vista. Para dar uma "consciência social", seria interessante também mostrar algum aspecto "humano", ou seja, que houvesse a presença do homem de alguma maneira [hoje é fácil isso], para que a "obra" fosse "viva", se modificasse ao longo dos anos. Fica a sugestão para os artistas.
Nove fora as obras-piadas, é difícil não ficar tocado pela exposição [apenas uma entre várias: dá vontade de ir e voltar diversas vezes ao museu]. Eu diria que 90% dos presentes eram turistas brasileiros que estavam lá para ver outros aspectos do Rio e cumprir uma obrigação social de ver "arte" num "museu". Uns 5% eram de turistas gringos e os demais eram cariocas que passavam horas tentando entender a geografia de uma cidade que não existe mais.
A minha parte preferida foi o século xix, exatamente por esse motivo. Sempre imagino um Rio sem muita contaminação, luxuriante, um Rio completamente verde, com ruas estreitas e de terra batida, como são as vias das cidades pequenas de interior. Os artistas do período, a grande maioria de estrangeiros, ficam nitidamente embasbacados com as paisagens que encontra. São registros e mais registros da Baía de Guanabara, vista de diversos pontos diferentes. Pão de Açúcar. Corcovado. etcetcetc.
Me pergunto nessa hora se as obras são bonitas porque retratam um lugar bonito, ou são bonitas e retratam um lugar bonito e só consigo responder anos depois, quando chego ao modernismo e vejo como o retrato não era mais a intenção dos artistas. Mas que há, mesmo assim, diferenças entre dois artistas, no período em que a intenção era ser o mais próximo da "realidade". Veja o caso de Taunay [lê-se "toné", como descobri ontem], por exemplo.
É dele as três primeiras obras expostas. E, embora seja bastante comum entre os pintores viajantes do século xix retratar, na periferia dos seus retratos, personagens e, em se tratando do Rio, de muitos negros trabalhando enquanto brancos são paparicados, é do francês Taunay a mais incrível crítica que eu vi lá contra o tratamento diferenciado entre pessoas, baseado em cores de pele: "A cascatinha da Tijuca" [não sei a data exata, mas é das primeiras décadas do 1800].
O quadro aparentemente é inócuo, e deve ter sido visto assim pela maioria das pessoas que passou apressada pela sala, com a intenção de cumprir em menor tempo a corrida intramuseus, que acontece ao mesmo em todo mundo onde quer que tenha uma exposição acontecendo. A "cascatinha..." mostra uma paisagem fora das "tradicionais", uma cachoeira no que hoje é o Parque da Tijuca, e pelo que eu entendi, se chama agora Taunay. O francês morava por ali, construiu suas casas, iniciou uma plantação de café, criou os filhos. E quando voltou para a França, deixou como herança para os herdeiros. Era um ambiente que ele conhecia bem.
No alto da obra, vemos a pintura se esfumaçando, com o vapor d'água se misturando com o céu branco, em contraste com os temas e cores terrenos e terrosos e escuros na parte debaixo da tela. E é nessa parte que mora o detalhe, o twist, que faz a obra sair da categoria de boa para a de excelente [veja abaixo].
É na parte inferior, com cores mais avermelhadas, menos etérea, mais terrena, menos religiosa, mais cotidiano, menos idealização, mais "verdade", que aparece um sujeito com casaca e cartola com paleta de cores e um cavalete segurando uma tela. Ele olha para fora do quadro. Ele mira o espectador. Ele quer pintar, está pintando a reação das pessoas que o veem, que ficam impressionados pela cascatinha. Esse pintor é Taunay? Não importa. Seu objetivo é retratar não mais uma paisagem, mas gente, de carne e osso.
Se esse recurso metalinguístico estivesse sozinho já seria o suficiente para alavancar a obra para um patamar que foge da mesmice. Mas há ainda outro elemento que, aí sim, a torna única. Ao lado do pintor, reparem, há dois personagens. Negros. Eles não são mostrados como carregadores, trabalhadores, como homens-animais que servem apenas para dar o seu suor pelo branco, mas como espectadores de uma obra-de-arte. Portanto capazes de sentir, de se emocionarem, de, em suma, serem humanos. Ter a mesma reação que o espectador do lado de fora da tela, provavelmente um branco, que via essa obra. Certamente os negros aparecem com menos espanto que os brancos. Ou seja, Taunay iguala os homens, mostra que não há qualquer diferença entre os espectadores, de qualquer cor. Mexe com a convicção arraigada dos preconceituosos.
sábado, 20 de abril de 2013
Pensamento > razão
"O Pensar só começou quando nós pudemos descobrir que a razão, glorificada por séculos, é o adversário mais duro do pensamento" - Heidegger.
[Para ser [melhor] desenvolvido melhor depois.]
[Mas eu adoro quando esses nomões concordam comigo.]
[Agora, me dê licença que eu vou ali fora viver um pouquinho.]
[Ah, se você quiser uma outra imagem que representa "pensamento", eu sempre "penso" nessa aqui, apesar de achar essa mãozinha estranha.]
Música do momento n.17: "Intro"
Na verdade, o álbum inteiro dessa banda alt-J, "An awesome wave", é a música do momento - desde ontem [como se vê, "música do momento" é mais um conceito que uma unidade de valor]. Lembra o impacto que eu tive quando ouvi pela primeira vez o TV on the Radio. É estranho, mas uma estranheza aceitável. Conheci há uns meses, quando li algo sobre no jornal - isso, esse objeto antiquado que chega sempre atrasado aos assuntos [talvez eu seja mais antiquado e mais atrasado]. E lembrado ontem por meu camarada Diogo Felix.
sexta-feira, 19 de abril de 2013
Ser e estar
[Desculpem-me meus três improváveis leitores, mas o papo agora é pesado: filosofia. Prometo ser o mais simples possível, mas é que tenho que deixar registrado, escrever isso que me ocorreu hoje e que pode ser algo interessante para ser desenvolvido no futuro.]
Heidegger consegue resolver bastante das minhas questões em relação a Nietzsche. Explico rapidamente: Na tradição da filosofia ocidental, há um caminho razoavelmente claro que pode ser chamado de metafísica. O termo tem várias explicações, desde que foi cunhado lá por Aristóteles, mas o que Heidegger, esse clone do Cony, chama de "metafísica" pode ser muito do resumidamente explicado na diferença entre um mundo "verdadeiro" e um mundo "imaginado".
O exemplo mais fácil de entender isso, para nós nascidos da tradição cristã, é a noção de paraíso versus o mundo "real", em que vivemos. Ou seja, o mundo "verdadeiro" é aquele em que há nascimento, crescimento, doenças, violência, inseguranças, etc etc etc, e morte. Ou seja, um mundo que seria, segundo essa tradição do pensamento, sofrido. E outro em que haveria a perfeição, no caso, o paraíso.
Quem estudou alguma coisa de Platão, ou leu ao menos "A caverna" do Saramago, sabe que essa ideia não nasceu com o cristianismo. O mito da caverna platônico [daí o nome do romance do português] fala também de um mundo "real" e um mundo "ideal", onde só haveria os objetos "ideais", perfeitos. Se não leram o mito, vale muito a pena.
Pois bem, Nietzsche foi o cara que quis fazer a filosofia da destruição. Ele era contra essa ideia de ideia. De optarmos em viver uma vida pensando em outra. Ele dizia que só temos uma vida e é essa que temos que aproveitar. Então, para um bando de gente, ele teria acabado com a metafísica, com essa tradição da metafísica. Mas não para Heidegger.
O alemão que morreu em 1975, ou seja, ontem para os padrões da filosofia [lembre-se que estamos falando ao mesmo tempo de gregos que viveram antes de Cristo], argumenta que Nietzsche continuou a metafísica, apenas de um jeito, de um outro jeito, e que esse outro jeito ainda é ruim. Explico:
Uma das mais famosas passagens de Nietzsche tem a ver com a sentença de que "Deus está morto" [o que é curioso que ele só diz isso três vezes em toda a sua obra]. O que ele queria dizer, em linhas muito resumidas, é o que eu disse dois parágrafos acima: que nós não precisamos respeitar nenhum deus [seja ele o deus cristão, o deus platônico, ou qualquer outro] para saber como viver. Basta que vivamos. Ou seja, ele traz para o homem a noção completa de sua existência, dá autonomia para esse homem, que é apelidado de Übermensch, termo comumente traduzido como "Super-homem", mas que agora se prefere "Além-do-homem".
Claro que isso dá ruim - se não desse ruim não seria filosofia. Novamente, e novamente bem resumidamente, o que Heidegger critica nessa solução de Nietzsche é o poder dado ao homem. Ele até gosta muito dos raciocínios de Nietzsche, mas diz que o homem não consegue viver sem deus, ou um deus qualquer. Só que diferentemente de antes, o deus é decidido pelo homem, não pelo "lado de fora", não é imposto, mas escolhido. Ou ainda: passa pela subjetividade de cada um e cabe a cada um escolher o seu próprio deus. E, nisso, novamente, estaríamos na metafísica, na divisão. [Novamente, são raciocínios rápidos, introdutórios, rasos mesmos, para chegar onde eu verdadeiramente quero chegar.]
Esse arremate do Heidegger também tem problemas. Porque como vamos pensar nesse homem capaz de escolher sozinho o seu deus? Como assim ele não é influenciado? Como ele vive sem ouvir as vozes de outras pessoas e a TV ligada? Que sujeito é esse que vive isolado dos demais? Convenhamos que não há tal indivíduo. Portanto, para algumas pessoas não há diferença entre esse lado de "dentro" e o de "fora". Tudo seria de "fora". Mesmo que os homens não sejam iguais, nós somos construídos, nossas referências são todas externas. Todas as nossas escolhas são as escolhas que há. Não dá para ser completamente individual, sendo que vivemos dentro de um mundo, pense só. Mas Heidegger também tem a resposta para isso - e finalmente chegamos lá onde quero chegar!
O seu grande tema, a questão que perpassa todos os seus principais escritos é a noção do Ser. Não é nada fácil definir o que é Ser. Mas, digamos, novamente de maneira bem simplificadíssima, e podendo incorrer em um erro grave, seria algo próprio de cada um, que seja você e não mais ninguém. Sua essência. Você, lá no seu fundinho.
Mas aí sou eu agora quem não gosta desse arremate. Porque essa explicação, para mim, é deveras... hum... religiosa. Parece, em alguns momentos, como se tivéssemos algo que nos definisse, algo que fosse nosso, completamente nosso, e nada influenciado pelo exterior. Um alma, enfim. Não me agrada. Não consigo concordar com algo que seja "eterno", que não seja imutável, que não seja mexido. Daí, hoje me ocorreu uma possível explicação.
A palavra que Heidegger usa para definir esse Ser é "Sein". Mas, como no inglês com o "To Be" e no francês com o "Être", não há divisão entre "ser" e "estar" no alemão. Não há, como Borges bem notou ao falar sobre o idioma italiano, a diferença entre o existencial e o circunstancial. E, mesmo que para Heidegger a questão seja existencial, da existência, de essência, eu vou tomar a liberdade da tradução, para dizer que a minha resposta, que me deixaria mais satisfeito seria se Sein fosse traduzido para "Estar".
E uso o próprio Heidegger para me defender. Seu texto é bastante complicado, principalmente para as traduções, já que ele usa da capacidade do idioma alemão de criar novas palavras que perdem muito do significado ao passar por uma língua menos "matemática" [por favor, sem tomates! Estou resumindo!]. Ele chegou até a dizer que só se poderia filosofar em grego e alemão - não deveria ser coincidência o jogo lá do Monty Python. Eu vou tomar a liberdade que a nossa língua nos dá - e não dá para ele, para simplesmente modificar o conceito dele.
Sendo "Estar", você pode pensar que há um "Ser" que muda de "Ser" instantaneamente. Ou seja, ele sempre é um "Ser" novo, influenciado pelo seu exterior, pelo seu passado, pelas suas aspirações de futuro, pela suas ambições, pelo seu nervosismo, pelo que ele aprendeu e pelo que ele quer aprender. Ou seja, é alguém [Heidegger chamaria de "ente"] que está no tempo [hum... a principal obra do moço é "Ser e tempo"], mas está também no espaço. Não é alguém isolado. Mas é um indivíduo, há algo só dele, que muda a todo e qualquer instante. Em vez de dizer que ele, que esse ente "é" alguém, eu diria que ele "está" alguém.
Ufa. Ende. Ou melhor: fim.
Que bom é poder filosofar em português, hein, seu Heidegger?
Heidegger consegue resolver bastante das minhas questões em relação a Nietzsche. Explico rapidamente: Na tradição da filosofia ocidental, há um caminho razoavelmente claro que pode ser chamado de metafísica. O termo tem várias explicações, desde que foi cunhado lá por Aristóteles, mas o que Heidegger, esse clone do Cony, chama de "metafísica" pode ser muito do resumidamente explicado na diferença entre um mundo "verdadeiro" e um mundo "imaginado".
O exemplo mais fácil de entender isso, para nós nascidos da tradição cristã, é a noção de paraíso versus o mundo "real", em que vivemos. Ou seja, o mundo "verdadeiro" é aquele em que há nascimento, crescimento, doenças, violência, inseguranças, etc etc etc, e morte. Ou seja, um mundo que seria, segundo essa tradição do pensamento, sofrido. E outro em que haveria a perfeição, no caso, o paraíso.
Quem estudou alguma coisa de Platão, ou leu ao menos "A caverna" do Saramago, sabe que essa ideia não nasceu com o cristianismo. O mito da caverna platônico [daí o nome do romance do português] fala também de um mundo "real" e um mundo "ideal", onde só haveria os objetos "ideais", perfeitos. Se não leram o mito, vale muito a pena.
Pois bem, Nietzsche foi o cara que quis fazer a filosofia da destruição. Ele era contra essa ideia de ideia. De optarmos em viver uma vida pensando em outra. Ele dizia que só temos uma vida e é essa que temos que aproveitar. Então, para um bando de gente, ele teria acabado com a metafísica, com essa tradição da metafísica. Mas não para Heidegger.
O alemão que morreu em 1975, ou seja, ontem para os padrões da filosofia [lembre-se que estamos falando ao mesmo tempo de gregos que viveram antes de Cristo], argumenta que Nietzsche continuou a metafísica, apenas de um jeito, de um outro jeito, e que esse outro jeito ainda é ruim. Explico:
Uma das mais famosas passagens de Nietzsche tem a ver com a sentença de que "Deus está morto" [o que é curioso que ele só diz isso três vezes em toda a sua obra]. O que ele queria dizer, em linhas muito resumidas, é o que eu disse dois parágrafos acima: que nós não precisamos respeitar nenhum deus [seja ele o deus cristão, o deus platônico, ou qualquer outro] para saber como viver. Basta que vivamos. Ou seja, ele traz para o homem a noção completa de sua existência, dá autonomia para esse homem, que é apelidado de Übermensch, termo comumente traduzido como "Super-homem", mas que agora se prefere "Além-do-homem".
Claro que isso dá ruim - se não desse ruim não seria filosofia. Novamente, e novamente bem resumidamente, o que Heidegger critica nessa solução de Nietzsche é o poder dado ao homem. Ele até gosta muito dos raciocínios de Nietzsche, mas diz que o homem não consegue viver sem deus, ou um deus qualquer. Só que diferentemente de antes, o deus é decidido pelo homem, não pelo "lado de fora", não é imposto, mas escolhido. Ou ainda: passa pela subjetividade de cada um e cabe a cada um escolher o seu próprio deus. E, nisso, novamente, estaríamos na metafísica, na divisão. [Novamente, são raciocínios rápidos, introdutórios, rasos mesmos, para chegar onde eu verdadeiramente quero chegar.]
Esse arremate do Heidegger também tem problemas. Porque como vamos pensar nesse homem capaz de escolher sozinho o seu deus? Como assim ele não é influenciado? Como ele vive sem ouvir as vozes de outras pessoas e a TV ligada? Que sujeito é esse que vive isolado dos demais? Convenhamos que não há tal indivíduo. Portanto, para algumas pessoas não há diferença entre esse lado de "dentro" e o de "fora". Tudo seria de "fora". Mesmo que os homens não sejam iguais, nós somos construídos, nossas referências são todas externas. Todas as nossas escolhas são as escolhas que há. Não dá para ser completamente individual, sendo que vivemos dentro de um mundo, pense só. Mas Heidegger também tem a resposta para isso - e finalmente chegamos lá onde quero chegar!
O seu grande tema, a questão que perpassa todos os seus principais escritos é a noção do Ser. Não é nada fácil definir o que é Ser. Mas, digamos, novamente de maneira bem simplificadíssima, e podendo incorrer em um erro grave, seria algo próprio de cada um, que seja você e não mais ninguém. Sua essência. Você, lá no seu fundinho.
Mas aí sou eu agora quem não gosta desse arremate. Porque essa explicação, para mim, é deveras... hum... religiosa. Parece, em alguns momentos, como se tivéssemos algo que nos definisse, algo que fosse nosso, completamente nosso, e nada influenciado pelo exterior. Um alma, enfim. Não me agrada. Não consigo concordar com algo que seja "eterno", que não seja imutável, que não seja mexido. Daí, hoje me ocorreu uma possível explicação.
A palavra que Heidegger usa para definir esse Ser é "Sein". Mas, como no inglês com o "To Be" e no francês com o "Être", não há divisão entre "ser" e "estar" no alemão. Não há, como Borges bem notou ao falar sobre o idioma italiano, a diferença entre o existencial e o circunstancial. E, mesmo que para Heidegger a questão seja existencial, da existência, de essência, eu vou tomar a liberdade da tradução, para dizer que a minha resposta, que me deixaria mais satisfeito seria se Sein fosse traduzido para "Estar".
E uso o próprio Heidegger para me defender. Seu texto é bastante complicado, principalmente para as traduções, já que ele usa da capacidade do idioma alemão de criar novas palavras que perdem muito do significado ao passar por uma língua menos "matemática" [por favor, sem tomates! Estou resumindo!]. Ele chegou até a dizer que só se poderia filosofar em grego e alemão - não deveria ser coincidência o jogo lá do Monty Python. Eu vou tomar a liberdade que a nossa língua nos dá - e não dá para ele, para simplesmente modificar o conceito dele.
Sendo "Estar", você pode pensar que há um "Ser" que muda de "Ser" instantaneamente. Ou seja, ele sempre é um "Ser" novo, influenciado pelo seu exterior, pelo seu passado, pelas suas aspirações de futuro, pela suas ambições, pelo seu nervosismo, pelo que ele aprendeu e pelo que ele quer aprender. Ou seja, é alguém [Heidegger chamaria de "ente"] que está no tempo [hum... a principal obra do moço é "Ser e tempo"], mas está também no espaço. Não é alguém isolado. Mas é um indivíduo, há algo só dele, que muda a todo e qualquer instante. Em vez de dizer que ele, que esse ente "é" alguém, eu diria que ele "está" alguém.
Ufa. Ende. Ou melhor: fim.
Que bom é poder filosofar em português, hein, seu Heidegger?
Maior escritor da América Latina
O leitor talvez não se tenha dado conta que, até a morte de Jorge Luis Borges, em 1986, foi contemporâneo do maior escritor que a América Latina já produziu. Nada há de estranho: afinal o pão nosso de cada dia antes se tornam as ações da bolsa que a poesia. Chega a ser mais provável que, em função da inconsequência midiática e de pequenas invejas letradas de que não nos livramos, o mesmo leitor permaneça sem saber que é contemporâneo do maior poeta brasileiro vivo, Augusto de Campos.O crítico literário Luiz Costa Lima escreve no "Valor" sobre o lançamento do livro "Quase Borges", de Campos.
O desprezo da elite
Como é péssima a nossa elite. Não que a de outros lugares seja melhor ou pior, mas há um sentimento ruim de desprezo pelos outros, pelos menos-elite, pelos considerados inferiores. Cheguei até a escrever sobre isso: como o principal problema do Brasil é a sua elite. Que quer gozar das benesses de ser a classe dominante, mas jamais arcar com as consequências desse processo.
E isso não se restringe aos Eikes da vida - esses nem podem ser considerados apenas "elite". Mas o grupo que vem logo abaixo dele, que tem acesso aos bens de consumo, aos estudos, a uma qualidade de vida que em outros países seria considerado "classe média", mas que no Brasil compõem a parcela superior do estrato social. Ou seja, eu, você, ele: nós. Todos desse microcosmo que já foi chamado de "intelligentsia".
Sim, misturo conceitos diferentes: cultural, econômico, intelectual etc. Mas, no Brasil, são tão poucos os que habitam nessa classe, que separá-los seria catar grãos de milho. Para tentar explicar o que digo, vou pegar a questão acadêmica como exemplo.
No Brasil, são tão poucos aqueles que conseguem passar da graduação para uma pós-graduação, que isso infla algum sentimento de superioridade, antes escondido, nas pessoas. Não convivo diretamente com esse ambiente, mas segundo relatos, há vários "donos" de assuntos dentro das universidades que impedem ou dificultam, seja por vaidade ou protecionismo, a entrada de outros almejantes ao cargo de conhecedor dos temas.
Só que esse problema é contagioso. O sujeito que entra num curso de pós-graduação se acha, automaticamente, superior a quem não cursou nada - e tenta evitar, por vaidade ou protecionismo ou simplesmente sadismo, que o outro ascenda.
Trata o outro, o menos-capacitado, com desprezo, com ironia, com desqualificação. Como se houvesse uma hierarquia de saberes baseada na quantidade de anos estudados ou livros lido. Como se a inteligência fosse medida em uma régua quantitativa. Como se só houvesse uma forma de se viver, de se entender, de se conviver.
A elite tem obrigações. Entre elas a meu ver a mais importante é exatamente tentar diminuir esse fosso que existe entre nós, a elite, e a multidão, que por falta de nome melhor vou chamar de "povo". Não é rir do outro, mas descer do nosso pedestal e tentar conversar com as pessoas mais ignorantes do mundo de igual para igual. Não como um favor para aplacar a culpa das nossas benesses, mas com uma forma de mostrar que não há, mesmo, diferença entre esses seres humanos, além das oportunidades que tivemos anteriormente.
E isso não se restringe aos Eikes da vida - esses nem podem ser considerados apenas "elite". Mas o grupo que vem logo abaixo dele, que tem acesso aos bens de consumo, aos estudos, a uma qualidade de vida que em outros países seria considerado "classe média", mas que no Brasil compõem a parcela superior do estrato social. Ou seja, eu, você, ele: nós. Todos desse microcosmo que já foi chamado de "intelligentsia".
Sim, misturo conceitos diferentes: cultural, econômico, intelectual etc. Mas, no Brasil, são tão poucos os que habitam nessa classe, que separá-los seria catar grãos de milho. Para tentar explicar o que digo, vou pegar a questão acadêmica como exemplo.
No Brasil, são tão poucos aqueles que conseguem passar da graduação para uma pós-graduação, que isso infla algum sentimento de superioridade, antes escondido, nas pessoas. Não convivo diretamente com esse ambiente, mas segundo relatos, há vários "donos" de assuntos dentro das universidades que impedem ou dificultam, seja por vaidade ou protecionismo, a entrada de outros almejantes ao cargo de conhecedor dos temas.
Só que esse problema é contagioso. O sujeito que entra num curso de pós-graduação se acha, automaticamente, superior a quem não cursou nada - e tenta evitar, por vaidade ou protecionismo ou simplesmente sadismo, que o outro ascenda.
Trata o outro, o menos-capacitado, com desprezo, com ironia, com desqualificação. Como se houvesse uma hierarquia de saberes baseada na quantidade de anos estudados ou livros lido. Como se a inteligência fosse medida em uma régua quantitativa. Como se só houvesse uma forma de se viver, de se entender, de se conviver.
A elite tem obrigações. Entre elas a meu ver a mais importante é exatamente tentar diminuir esse fosso que existe entre nós, a elite, e a multidão, que por falta de nome melhor vou chamar de "povo". Não é rir do outro, mas descer do nosso pedestal e tentar conversar com as pessoas mais ignorantes do mundo de igual para igual. Não como um favor para aplacar a culpa das nossas benesses, mas com uma forma de mostrar que não há, mesmo, diferença entre esses seres humanos, além das oportunidades que tivemos anteriormente.
Música do momento n.16: "Cats and dogs"
Agora é oficial e não dá mais para esconder: o disco homônimo do "The Head and the Heart" foi o mais escutado nos últimos dias. Mas vale a pena. E se você precisa de um pouco de trívia, esse tipo de informação inútil que nós faz gostar de bandas, lá vai:
O grupo foi formado só em 2009 por Josiah Johnson (vocais, guitarra, percussão) e Jonathan Russell (vocais, guitarra, percussão), além de contar com Charity Rose Thielen (violino, vocais), Chris Zasche (baixo), Kenny Hensley (piano), e Tyler Williams (bateria). São de Seattle [já valeria a pena, não?], gravaram esse álbum de estreia pela Sub Pop [se não ligou o nome à gravadora, confira a lista das bandas que já passaram por lá], e são classificados como tendo um som "Beatlesque pop". Tá bom?
quinta-feira, 18 de abril de 2013
Aversão a Tatcher
Para aqueles de nós que ficaram desalentados com sua ríspida aversão por esse mundo dominado pelo Estado, não gostar dela nunca bastou. Nós gostávamos de não gostar dela. Ela nos forçava a decidir o que era realmente importante.
Ian McEwan mostrando a fascinação que a figura da ex-primeira-dama inglesa despertou nos conterrâneos mais... hum... esquerdistas. Bem curiosa é a sua descrição de como era a vida pré-estatização. Lembra um outro país. [O texto original está aqui.]
Música do momento n.15: "Strange world"
Essa música do Iron Maiden é tudo menos uma música que associamos ao Iron Maiden. Há um clima meio bar vazio, pessoas bêbadas, banda decadente, que é exatamente o oposto da imagem da banda que se tornou um fenômeno - hoje, mais de marketing que de outra coisa. Talvez a resposta esteja com o fato de ela ser provavelmente a única contribuição do primeiríssimo cantor da banda, Paul Day. Dizem que ele foi tirado por não ter bastante carisma. Exatamente o que essa música exala.
Música do momento n.14: "Reign I forever"
Estranha e interessante música estranhíssima dos americanos de Blood Axis, do disco "Blot: Sacrifice in Sweden".
O que é democracia?
Eu realmente não sei responder a pergunta que eu me fiz no título desse posto. Não tenho muita ideia do que seria esse termo tão bradado. Na sua origem etimológica, seria o poder do povo, mas como saber quem é o povo? Qual é a sua cara, o que ele quer? Um dos caminhos de sua representação é o voto, mas, aí, a democracia pode se tornar, então, uma espécie de ditadura da maioria. É isso? E mesmo quando a maioria for esmagadora, mesmo quando quase a totalidade das opiniões forem unânimes em relação a um determinado assunto: isso quer dizer que devemos ouvi-la?
Penso nisso ao ler reportagens como essa da "Folha" que mostra que 93% dos paulistanos são a favor da diminuição da maioridade penal para 16 anos. Ou seja, praticamente todos os moradores da cidade de São Paulo se posicionaram em um lado nesse tema. Brancos, pretos, índios, amarelos, pobres, ricos, classe-média. Todos. Eu não vou entrar no mérito dessa questão [sou contra, mas esse não é o caso aqui], mas em como nesse assunto - e em outros de caráter comportamental - há uma diferença entre o que o povo quer e o que a lei prega.
Na mesma "Folha", é possível ver que os especialistas são contra essa diminuição. Por que nossas leis optam pela opinião desses especialistas [em geral] em vez de segui a "vox populi, vox dei"?
Em assuntos como a maioridade penal, a pena de morte, mas também o casamento gay, a liberação das drogas, a legalização do aborto, há vários elementos envolvidos no julgamento pessoal. Geralmente o pensamento brasileiro, e conservador, é a favor das medidas coercitivas [de caráter de punição] e contra as que mexem na individualidade das pessoas e também na moral vigente. Portanto, são a favor da diminuição da maioridade, da pena de morte, e contra casamento gay, liberação das drogas e legalização do aborto.
Nos primeiros casos, os que a lei representa interesses contrários aos da população, acho que a população dá uma resposta emocional contra o que se acha ineficiência do Estado em combater a criminalização de uma parcela da sociedade. Geralmente, [estou pensando enquanto escrevo, então, perdoem os inevitáveis deslizes] quem opina dessa forma, se sente muito acuado, ou abandonado, com medo, e quer intimidar o grupo que ele vê como seu inimigo. Quer proteção, mas uma proteção mágica, que faça o problema desaparecer, e acha que essas medidas são as suficientes para acabar com o medo. Tratar esse problema de maneira emocional não é a melhor forma de encarar uma questão da sociedade, porque tendemos sempre a pensar apenas o nosso caso primeiro aos demais, o que é o maior erro e totalmente contrário à ideia de democracia. Nesse caso, imagino, a democracia é o pensar em todos, é o pensar o que é o melhor para todos, como um todo, de uma vez só.
Nos segundos casos, em que a lei é igual à opinião das pessoas, as atitudes, me parecem, são contra gays, drogas e abortos. O processo é mais ou menos o mesmo: com a atitude, querem que esses "problemas" desapareçam. Querem que o "diferente", o que sai da "norma", o que foge do "comum", seja estigmatizado. Querem manter o núcleo da sociedade, a família, da maneira como "sempre foi". O problema, nesse caso, é determinar onde fica essa linha regulatória: até onde vai o "comum" e onde começa o "incomum"? O que é "certo" e "errado" nesses comportamentos? Principalmente porque, de uma maneira bem prática, as atitudes geralmente recaem sobre os indivíduos, em vez de sobre a sociedade. Se as drogas forem liberadas, só vai comprar quem quiser. Se o casamento gay for autorizado, só vai casar quem tiver vontade. Se os abortos forem legalizados, só vai optar por esse ato quem precisar. Ninguém vai ser obrigado a fazer nada que não seja de sua vontade.
E qualquer argumento que essas atitudes vão aumentar o custo do Estado [no caso das drogas é comum dizerem isso] é meio risível vindo de quem acha que deve diminuir a maioria penal e inchar ainda mais as cadeias. Outros argumentos de que não somos obrigados a ver certas situações, normais entre grupos religiosos contra os gays, por exemplo, soam, para mim, algo parecido com ser contra a abolição hoje em dia. Por fim, a melhor resposta pode ser, simplesmente: se não quer "ver certas situações", há sempre a possibilidade de se fechar os olhos.
Nesse segundo caso, a democracia, me parece, é o pensar em todos, mas individualmente, ou seja, aparentemente contrário ao caso anterior [não é, já que as individualidades aqui não interferem no todo]. O que é ainda curioso, considerando o acordo entre lei e população neste segundo caso. Faz pensar em como o Estado brasileiro, então, não pensa em seus cidadãos, um a um, mas na sua totalidade. Não consegue tratar dos microproblemas, apenas das grande questões [seria vocação de país continental?]. Bom seria que todos tivessem as mesmas liberdades para agir das maneiras que quisessem. Sem, claro, interferir no direito do outro.
Aparentemente, essa aprovação recorde da diminuição da maioridade penal em São Paulo tem a ver com o assassinato do estudante Victor Hugo Deppman por um menino que completou 18 anos poucos dias depois do crime |
Na mesma "Folha", é possível ver que os especialistas são contra essa diminuição. Por que nossas leis optam pela opinião desses especialistas [em geral] em vez de segui a "vox populi, vox dei"?
Em assuntos como a maioridade penal, a pena de morte, mas também o casamento gay, a liberação das drogas, a legalização do aborto, há vários elementos envolvidos no julgamento pessoal. Geralmente o pensamento brasileiro, e conservador, é a favor das medidas coercitivas [de caráter de punição] e contra as que mexem na individualidade das pessoas e também na moral vigente. Portanto, são a favor da diminuição da maioridade, da pena de morte, e contra casamento gay, liberação das drogas e legalização do aborto.
Nos primeiros casos, os que a lei representa interesses contrários aos da população, acho que a população dá uma resposta emocional contra o que se acha ineficiência do Estado em combater a criminalização de uma parcela da sociedade. Geralmente, [estou pensando enquanto escrevo, então, perdoem os inevitáveis deslizes] quem opina dessa forma, se sente muito acuado, ou abandonado, com medo, e quer intimidar o grupo que ele vê como seu inimigo. Quer proteção, mas uma proteção mágica, que faça o problema desaparecer, e acha que essas medidas são as suficientes para acabar com o medo. Tratar esse problema de maneira emocional não é a melhor forma de encarar uma questão da sociedade, porque tendemos sempre a pensar apenas o nosso caso primeiro aos demais, o que é o maior erro e totalmente contrário à ideia de democracia. Nesse caso, imagino, a democracia é o pensar em todos, é o pensar o que é o melhor para todos, como um todo, de uma vez só.
Nos segundos casos, em que a lei é igual à opinião das pessoas, as atitudes, me parecem, são contra gays, drogas e abortos. O processo é mais ou menos o mesmo: com a atitude, querem que esses "problemas" desapareçam. Querem que o "diferente", o que sai da "norma", o que foge do "comum", seja estigmatizado. Querem manter o núcleo da sociedade, a família, da maneira como "sempre foi". O problema, nesse caso, é determinar onde fica essa linha regulatória: até onde vai o "comum" e onde começa o "incomum"? O que é "certo" e "errado" nesses comportamentos? Principalmente porque, de uma maneira bem prática, as atitudes geralmente recaem sobre os indivíduos, em vez de sobre a sociedade. Se as drogas forem liberadas, só vai comprar quem quiser. Se o casamento gay for autorizado, só vai casar quem tiver vontade. Se os abortos forem legalizados, só vai optar por esse ato quem precisar. Ninguém vai ser obrigado a fazer nada que não seja de sua vontade.
E qualquer argumento que essas atitudes vão aumentar o custo do Estado [no caso das drogas é comum dizerem isso] é meio risível vindo de quem acha que deve diminuir a maioria penal e inchar ainda mais as cadeias. Outros argumentos de que não somos obrigados a ver certas situações, normais entre grupos religiosos contra os gays, por exemplo, soam, para mim, algo parecido com ser contra a abolição hoje em dia. Por fim, a melhor resposta pode ser, simplesmente: se não quer "ver certas situações", há sempre a possibilidade de se fechar os olhos.
Nesse segundo caso, a democracia, me parece, é o pensar em todos, mas individualmente, ou seja, aparentemente contrário ao caso anterior [não é, já que as individualidades aqui não interferem no todo]. O que é ainda curioso, considerando o acordo entre lei e população neste segundo caso. Faz pensar em como o Estado brasileiro, então, não pensa em seus cidadãos, um a um, mas na sua totalidade. Não consegue tratar dos microproblemas, apenas das grande questões [seria vocação de país continental?]. Bom seria que todos tivessem as mesmas liberdades para agir das maneiras que quisessem. Sem, claro, interferir no direito do outro.
Música do momento n.13: "Decatur, Or, Round of Applause for Your Stepmother!"
Uma música "antiga" do Sufjan Stevens, de um dos discos que eu mais ouvi na vida: "Illinois" [se ainda não ligou o nome ao álbum, é aquele de "Chicago"].
quarta-feira, 17 de abril de 2013
Música do momento n. 12: "Four provinces"
Música boa - quem diria! - dos nova-iorquinos do Walkmen, do disco "You & me" [que eu já ouvi e não salva mais que duas interessantes.]
É preciso ter fé
Viver é um ato de fé. Ou de crença - da maneira mais genérica que isso pode ser interpretada. [É complicado começar um texto fazendo eco a uma frase do Paulo Coelho. Mas fico mais tranquilo quando nossas concordâncias são apenas coincidentes.] O que quero dizer é: sem acreditar, esse ato que não envolve necessariamente a razão, não viveríamos.
Pensemos quando somos bebês: vamos tomando consciência, despertando. Fazemos tudo quase como automático, por instinto, pela natureza, pela vontade. Aos poucos, começamos a ter fé, a crer, a acreditar. Aquele pé que eu vejo, aquele pedaço de carne gordinho que fica tão perto de mim, é meu. É parte de mim, sou eu também. Ou seja, primeiro acreditamos, depois vamos raciocinar sobre as regras e os usos daquele pé ali.
Depois, acreditamos naqueles seres que estão conosco sempre, que nos alimentam, que nos carregam para cima e para baixo, que nos ouvem, conversam conosco, nos põem para dormir. Até chamamos esses seres de nomes específicos, compartilhados por todos os que vão falar a minha língua. Aliás, a linguagem é, também, uma profissão de fé. Talvez a maior delas.
Como crer que uma palavra quer dizer o que ela quer dizer, realmente? Borges escreve em vários momentos nessa nossa crença, nessa nossa capacidade aleatória de dar nomes às coisas e acreditarmos nelas. Em seu poema "Do que não sabemos" ele escreve que "A lua ignora que é tranquila e clara / E não pode sequer saber que é lua; / A areia, que é a areia. Não há uma / Coisa que saiba que sua forma é rara. / As peças de marfim são tão alheias / Ao abstrato xadrez como essa mão / Que as rege". Shakespeare também abordou o assunto quando disse que "se a rosa tivesse outro nome, ainda assim teria o mesmo perfume".
Quando criança, há uma profusão de crenças: em super-heróis, em monstros escondidos, amigos imaginários, personagens inventados. Dizemos que há uma diferença entre a fantasia e a realidade. Mas, na verdade, esse limite não é claro assim. É preciso, ainda, ter fé. E a fé, em toda sua complexidade, é precisa e imprecisa ao mesmo tempo.
Ao crescermos, passamos por uma fase de crença em si mesmo, uma onipotência, que é cada vez mais rara. Em seguida, tornamo-nos mais sérios, menos empolgados, menos crentes. Mais irônicos, mais rabugentos. Adultos, somos uns chatos. Mas, mesmo assim, mesmo sendo os mais práticos, não abandonamos as crenças.
Substituímos essas crenças infantis, que nos davam tanto prazer, por algo que acreditamos maior, ou mais importante. E nos agarramos as fantasias mais à mão. Uns vão ser religiosos e acreditar em um deus criador de tudo e, dependendo da religião, que está lá no céu nos olhando e nos vigiando se preparando para nos dar uma palmada, quando nos encontrar.
Outros são terrenos: acreditam que precisam ser bem-sucedidos. Ganhar muito dinheiro. Fazer sucesso. Outros, que devem se casar, ter filhos, seguir uma tradição que sempre houve. Há ainda os mais modernos que trocam tudo por prazeres mais mundanos: drogas, sexo, etc. Outros ainda que se isolam e procuram esse prazer da fé nos livros, que é um objeto de controle e de autocontrole. E há os perdidos, que vagam em busca de um porto onde jogar a âncora e dizer que acredita cegamente. Mas, mesmo esses, acredito, gostariam de ter um destino, algo por que acreditar.
Pensemos quando somos bebês: vamos tomando consciência, despertando. Fazemos tudo quase como automático, por instinto, pela natureza, pela vontade. Aos poucos, começamos a ter fé, a crer, a acreditar. Aquele pé que eu vejo, aquele pedaço de carne gordinho que fica tão perto de mim, é meu. É parte de mim, sou eu também. Ou seja, primeiro acreditamos, depois vamos raciocinar sobre as regras e os usos daquele pé ali.
Depois, acreditamos naqueles seres que estão conosco sempre, que nos alimentam, que nos carregam para cima e para baixo, que nos ouvem, conversam conosco, nos põem para dormir. Até chamamos esses seres de nomes específicos, compartilhados por todos os que vão falar a minha língua. Aliás, a linguagem é, também, uma profissão de fé. Talvez a maior delas.
Como crer que uma palavra quer dizer o que ela quer dizer, realmente? Borges escreve em vários momentos nessa nossa crença, nessa nossa capacidade aleatória de dar nomes às coisas e acreditarmos nelas. Em seu poema "Do que não sabemos" ele escreve que "A lua ignora que é tranquila e clara / E não pode sequer saber que é lua; / A areia, que é a areia. Não há uma / Coisa que saiba que sua forma é rara. / As peças de marfim são tão alheias / Ao abstrato xadrez como essa mão / Que as rege". Shakespeare também abordou o assunto quando disse que "se a rosa tivesse outro nome, ainda assim teria o mesmo perfume".
Quando criança, há uma profusão de crenças: em super-heróis, em monstros escondidos, amigos imaginários, personagens inventados. Dizemos que há uma diferença entre a fantasia e a realidade. Mas, na verdade, esse limite não é claro assim. É preciso, ainda, ter fé. E a fé, em toda sua complexidade, é precisa e imprecisa ao mesmo tempo.
Ao crescermos, passamos por uma fase de crença em si mesmo, uma onipotência, que é cada vez mais rara. Em seguida, tornamo-nos mais sérios, menos empolgados, menos crentes. Mais irônicos, mais rabugentos. Adultos, somos uns chatos. Mas, mesmo assim, mesmo sendo os mais práticos, não abandonamos as crenças.
Substituímos essas crenças infantis, que nos davam tanto prazer, por algo que acreditamos maior, ou mais importante. E nos agarramos as fantasias mais à mão. Uns vão ser religiosos e acreditar em um deus criador de tudo e, dependendo da religião, que está lá no céu nos olhando e nos vigiando se preparando para nos dar uma palmada, quando nos encontrar.
Outros são terrenos: acreditam que precisam ser bem-sucedidos. Ganhar muito dinheiro. Fazer sucesso. Outros, que devem se casar, ter filhos, seguir uma tradição que sempre houve. Há ainda os mais modernos que trocam tudo por prazeres mais mundanos: drogas, sexo, etc. Outros ainda que se isolam e procuram esse prazer da fé nos livros, que é um objeto de controle e de autocontrole. E há os perdidos, que vagam em busca de um porto onde jogar a âncora e dizer que acredita cegamente. Mas, mesmo esses, acredito, gostariam de ter um destino, algo por que acreditar.
terça-feira, 16 de abril de 2013
O 'eu' e outros 'eus'
Chego assim ao fim desta minha apologia do romance como grande rede. Alguém poderia objetar que quanto mais a obra tende para a multiplicidade dos possíveis mais se distancia daquele unicum que é o self de quem escreve, a sinceridade interior descoberta de sua própria vontade. Ao contrário, respondo quem somos nós, quem é cada um de nós senão uma combinatória de experiências, de informações, de leituras, de imaginações? Cada vida é uma enciclopédia, uma biblioteca, um inventário de objetos, uma amostragem de estilos, onde tudo pode ser continuamente remexido e reordenado de todas as maneiras possíveis.
Mas a resposta que mais me agradaria dar é outra: quem nos dera fosse possível uma obra concedida fora do self, uma obra que nos permitisse sair da perspectiva limitada do eu individual, não só para entrar em outros eus semelhantes ao nosso, mas para fazer falar o que não tem palavra, o pássaro que pousa no beiral, a árvore na primavera e a árvore no outono, apedra, o cimento, o plástico...
Ítalo Calvino mostrando que todo texto é, e não deixa de ser, autobiográfico. [Retirado dessa dissertação aqui, que me parece bem interessante].
O dia em que me descobri brasileiro
[Já devo ter escrito isso, mas, se não...]
Eu tinha acabado de assistir a um dos melhores shows da minha vida: Blur, no Hyde Park. Tinha ficado muito impressionado ao perceber que os ingleses tratam a banda de Damon Albarn e cia. com uma reverência que podemos encontrar apenas nos fãs não-irônicos da Legião Urbana. Era uma relação que remetia à identidade daquelas pessoas ali.
A grande maioria ali era de ingleses [para desenvolver no futuro: shows de música estão para a Inglaterra como o carnaval para o Brasil] que cresceram com música como "Tender" [acima] tocando nas rádios, em festas, em todos os lugares possíveis. Se para mim o show era ótimo, porque eu adoro Blur, para eles era ainda maior: era se enxergar, era se ver, lembrar de si, de um passado em comum.
Ao fim do show, que acontecia exatamente no dia do encerramento das Olimpíadas, a organização do evento resolveu transmitir a cerimônia no telão. Nós, ainda sob efeito de muita endorfina, nos posicionamos para ver o outro show e com uma pontinha de orgulho pátrio: haveria uma pequena apresentação dos próximos jogos, que, como sabemos, acontecem no Rio, em 2016.
Antes de continuar, um pequeno flashback. Assistir à cerimônia de abertura das Olimpíadas - que eu gosto de fazer [é o máximo que eu me permito em relação ao carnaval carioca da avenida] - de Londres 2012 foi uma experiência curiosa. Porque eu, apesar de estar vivendo naquele país havia quase um ano já, não entendi bastante das referências que eles fizeram. O que eram todas aquelas crianças pulando nas camas dos hospitais? Qual é a importância disso? Por que o orgulho do sistema de saúde do país? Para mim, essa parte, especificamente, foi a de mais difícil compreensão. O passado da revolução industrial, o quase presente da influência pop são de conhecimentos gerais. Mas o fato de que o NHS, o tal sistema de saúde deles, ser um orgulho nacional, é algo que não sabemos - e é difícil, sendo do Brasil, acreditar.
Corta de volta para a final, para o encerramento. Estávamos enfileirados quando começou a parte brasileira. E foi uma sequência bem brasileira. Que eu duvido, duvido!, que os ingleses tenham entendido. Era um tal Marisa Monte fazendo a Iemanjá, Seu Jorge cantando "Não vem que não tem" [seria uma mensagem cifrada?], nossa energia atômica de maracatus...Confesso que quase chorei. Tive que me segurar para não pagar o mico de me debulhar em lágrimas com o que, depois, foi caracterizado pelos meus amigos nas internerds de brega, cafona, antiquado, parado no tempo entre outros adjetivos pouco benevolentes.
Aqueles sinais não representavam apenas o Brasil, representavam a mim. Depois de quase um ano sem entender por completo uma mensagem, eu, finalmente, sabia seguramente o que estava acontecendo. Era "eu", um "eu" que eu nem sabia que eu tinha, que existia, que estava ali, sendo mostrado para todo o mundo, era um "eu" brasileiro. Não adiantou anos tentando ser mais cosmopolita que os cosmopolitas, eu, ao fim, ou no início de tudo, sou brasileiro. Não dá para escolher.
Não me lembro se foi antes ou depois disso. Sei que houve um momento que tocou o hino brasileiro. Não chorei, mas cheguei a soluçar. Ao fim, um casal de ingleses, vendo que nós sabíamos a letra, chegou perto e disse a frase mais bonita de todos os quatro anos que se iniciavam ali: "Good luck".
segunda-feira, 15 de abril de 2013
Música do momento n.10: "Magic hours"
Para variar um pouco, que é bom: música do Explosions in the Sky [que deve tocar no Rio, via Queremos], do disco "How strange, innocence".
Música do momento n. 9: "Lost in My Mind"
Estou ficando monotemático musicalmente: canção de The head and the heart do disco homônimo.
A proibição das vans ou o sofá na sala
Essa história de proibição das vans na Zona Sul carioca, promessa que o prefeito Eduardo Paes fez após o caso de estupro da americana em um desses precários meios de transporte, e que tenta começar a cumprir hoje, me lembra a famosa, antiga, e conservadora piada do sofá na sala.
Mariazinha é uma menina de 15 anos que começou a namorar Joãozinho. Todo domingo de noite, na hora do "Fantástico", Joãozinho vai à casa de Mariazinha e os dois, quando todo mundo se retirou para dormir, namoram saudável e abertamente no sofá da sala. A mãe de Mariazinha, entretanto, é contra. Acha uma pouca-vergonha e não aceita que isso aconteça logo ali, no sofá da sala, onde ela senta para ver a novela das oito. Reclama com o pai de Mariazinha: "É um absurdo, onde esse mundo vai parar, onde já se viu!" O pai de Mariazinha também é contra essa intimidade toda, como assim?, é a filha dele!, e decide tomar uma atitude. Isso não pode continuar. Essa sem-vergonhice tem que acabar. Na segunda-feira, portanto, logo após o domingo da visita do Joãozinho, o pai de Mariazinha age, sem nem conversar: vende o sofá.
Com essa proibição das vans pela Zona Sul, fico imaginando o que passa na cabeça do prefeito [exercício não recomendado, eu já adianto]:
1/ os estupros só acontecem em vans.
2/ as pessoas pegam vans porque preferem vans aos demais meios de transporte.
3/ a Zona Sul tem um superávit de meios de transporte à noite.
4/ van é feia, desconfortável e aumenta o engarrafamento.
5/ agora as vans vão parar de circular pelas ruas mais ricas da cidade [nem pegava bem].
6/ eu dei uma resposta à sociedade-que-importa à altura do problema.
7/ estou limpando a imagem do Rio com água sanitária Perrier, e se ainda assim ficar manchada é só pegar um pouco mais de sol.
8/ estou atrasado para o encontro com o Cabral.
A seguir por esse raciocínio, e se essa moda pega, qual será a próxima proibição? A circulação dos ônibus para evitar que caiam de viadutos? O metrô, para acabar com a superlotação? O trem, para impedir que pessoas despenquem das portas abertas?
Mariazinha é uma menina de 15 anos que começou a namorar Joãozinho. Todo domingo de noite, na hora do "Fantástico", Joãozinho vai à casa de Mariazinha e os dois, quando todo mundo se retirou para dormir, namoram saudável e abertamente no sofá da sala. A mãe de Mariazinha, entretanto, é contra. Acha uma pouca-vergonha e não aceita que isso aconteça logo ali, no sofá da sala, onde ela senta para ver a novela das oito. Reclama com o pai de Mariazinha: "É um absurdo, onde esse mundo vai parar, onde já se viu!" O pai de Mariazinha também é contra essa intimidade toda, como assim?, é a filha dele!, e decide tomar uma atitude. Isso não pode continuar. Essa sem-vergonhice tem que acabar. Na segunda-feira, portanto, logo após o domingo da visita do Joãozinho, o pai de Mariazinha age, sem nem conversar: vende o sofá.
Com essa proibição das vans pela Zona Sul, fico imaginando o que passa na cabeça do prefeito [exercício não recomendado, eu já adianto]:
1/ os estupros só acontecem em vans.
2/ as pessoas pegam vans porque preferem vans aos demais meios de transporte.
3/ a Zona Sul tem um superávit de meios de transporte à noite.
4/ van é feia, desconfortável e aumenta o engarrafamento.
5/ agora as vans vão parar de circular pelas ruas mais ricas da cidade [nem pegava bem].
6/ eu dei uma resposta à sociedade-que-importa à altura do problema.
7/ estou limpando a imagem do Rio com água sanitária Perrier, e se ainda assim ficar manchada é só pegar um pouco mais de sol.
8/ estou atrasado para o encontro com o Cabral.
A seguir por esse raciocínio, e se essa moda pega, qual será a próxima proibição? A circulação dos ônibus para evitar que caiam de viadutos? O metrô, para acabar com a superlotação? O trem, para impedir que pessoas despenquem das portas abertas?
domingo, 14 de abril de 2013
Exilados
A linguagem do oásis é diferente da linguagem do deserto. A prática de viver em oásis permitiu aos três brincar com a linguagem e uma forma que seria impossível sem esta distância. A biografia dos três ajudou nesse sentido. Pessoa viveu na África do Sul entre os 7 e os 17 anos e quando voltou a Lisboa falava inglês melhor do que português. Muitos dos seus poemas foram escritos em inglês. Borges tinha uma avó inglesa que morava com a família, e cresceu falando espanhol e inglês. Dos 15 aos 22 anos Borges morou em Genebra, onde falava francês e inglês, além do espanhol. O'Obrien só falou irlandês até os 10 anos, e escrevia em irlandês e inglês. Uma língua vista de fora ou de longe revela todas as idiossincrasias e possibilidades que os que a falaram sempre nem sempre veem. O russo Nabokov escrevendo em inglês é um exemplo dos prodígios possíveis com uma língua recém-apreendida, e tem um predecessor igualmente admirável no polonês Joseph Conrad. Borges dizia que sua grande vontade literária era ter escrito toda a 11.ª edição da Enciclopédia Britânica. Em inglês, claro.Verissimo citando outros autores que, como ele, passou um bom tempo fora do seu país quando muito novo. Reforça duas teses de Borges: que a geografia é mais uma ficção. E que gostar é reconhecer-se.
Anedotas filosóficas: o elefante de Wittgenstein
Wittgenstein era um sujeito descabelado |
Como se sabe, seu tratado versa sobre os limites da linguagem e cria um novo campo de estudos. No fim, ele queria dizer que nossa comunicação é falha por natureza, não conseguimos nem mesmo formular nossos conceitos por completo, quiçá transferi-los a outras pessoas de maneira satisfatória. Temos que nos contentar com esse mínimo.
Como se sabe, também, o austríaco teve uma vida não muito comum. Filho de magnatas, tinha a casa frequentada pela nata de Viena, em uma época que Viena produzia a melhor nata do mundo. Não satisfeito, negou essa opulência e viveu de maneira simples e se engajou em "causas" com a primeira guerra mundial, por exemplo.
Aliás, há uma outra anedota que diz que Wittgenstein seria o grande culpado pelo horror de Hitler pelos judeus. Apesar de ter sido batizado católico, Wittgenstein é de família judia. Da mesma idade que o homem que iria liderar o partido nazista, os dois estudaram na mesma escola ao mesmo tempo, mas Hitler estava dois anos atrasado no colégio e não há informações de que tenham se encontrado. Mas há uma lenda de que no "Mein Kampf", Hitler reclama dos judeus que praticavam bullying contra ele na escola. Como sabemos do caráter irascível de Wittgenstein, podemos imaginar que ele não era apenas um deles, mas o líder do grupo.
Pois bem, reza a lenda que esse homem irascível, inquieto, que tinha passado por situações escabrosas, estava se sentindo perdido no mundo, depois de vagar muito, acabou caindo na aula do professor Bertrand Russell em Cambridge. O lord Russell, de família nobre inglesa [seu avô foi um primeiro-ministro britânico, salvou por vezes o reinado de Victoria e, segundo outra lenda, ganhou a única casa do Regent's Park como forma de agradecimento pelos serviços prestados à coroa], grande filósofo da tradição lógica, autor de uma das melhores histórias da filosofia [considerada um dos livros favoritos de Borges] etc. etc. etc. achou estranho quando aquele sujeito desajeitado e descabelado entrou em sua sala enquanto ele proferia uma das suas máximas. Mas preferiu não dizer nada: não cabe ao homem, principalmente inglês, se altercar com a presença de um estranho. Todos são livres para fazerem o que quiserem, e cabe ao homem apenas continuar a fazer o que já fazia antes.
"Por isso", continuava o seu raciocínio Russell, "podemos dizer que não há elefantes nessa sala".
Disse isso, e se virou para apagar alguma coisa no quadro. Quando ele escuta alguém pigarreando forte, atrás dele, como que quisesse chamar atenção. Russell para um instante e se vira, curioso. Ninguém nunca tinha falado nada nesse momento da suas aulas. Ao olhar para a turma, se surpreendeu. Era o sujeito descabelado. Com a mão levantada. Queria a palavra. Como ousa?, pensou e quase falou Russell. Mas ele era um inglês e ingleses não falam o que pensam. Não sóbrios.
"Sim?", Russell diz, contrariado.
"Como você sabe que não há elefantes nessa sala?", pergunta, cheio de sotaque alemão, e com dificuldade no inglês, o descabelado.
A partir daí, ficaram muito amigos. Wittgenstein virou o protegido de Russell, que via no austríaco o único capaz de responder os problemas filosóficos que o inglês tinha construído durante a vida. E Wittgenstein virou logo professor da própria Cambridge. O resto é história.
Música do momento n.6: "Blue skies"
Música do Noah and the Whale [novamente!] do disco "The first days of spring".
sábado, 13 de abril de 2013
sexta-feira, 12 de abril de 2013
Assinar:
Postagens (Atom)